Estilos/Movimentos

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ABSTRACIONISMO. Tão logo concluída em 1945 a II Guerra Mundial, firmou-se na Europa e nos Estados Unidos a pintura não-figurativa, não-representativa ou abstrata, transformando-se o que era linguagem de uns poucos precursores em voga internacional. Durante o conflito haviam surgido novos pintores que deliberadamente se afastaram da reprodução ou da cópia, ainda que deformada, da Natureza, a confirmar a tese de Wilhelm Worringer, de que a arte abstracionista é a dos povos em crise, que buscam fugir à própria imagem e à do mundo ambiente, para tanto lançando mão de uma arte liberta das formas e cores naturais.
Dos grandes mestres da arte moderna ainda ativos na segunda parte da década de 1940, muitos já estavam demasiado idosos para tentarem uma renovação ou qualquer nova contribuição; quanto aos novos mestres que surgiam, era a sua mensagem que iria repercutir nas gerações mais moças. Em 1945 a Galeria Drouin, de Paris, organizou uma primeira exposição de arte concreta, reunindo, sob tal denominação, obras de pintores não-figurativistas de tendências opostas como Kandinsky e Domella, Magnelli e Pevsner, Mondrian e Delaunay. A partir dessa mostra pioneira a tendência propagar-se-ia a outros países, em poucos anos.
Essa voga abstracionista também chegou logicamente ao Brasil, até então dominado pelo Realismo Social, pelo Expressionismo e mesmo por um pálido Surrealismo, onde pintores como Portinari, Di Cavalcanti, Segall, Tarsila, Guignard e vários outros entregavam-se a pesquisas de um nativismo pictórico que denotava não só preocupações estéticas, como também envolvimento político-social. Este nacionalismo estético de que davam os artistas brasileiros prova em meados da década de 1940, pouco a pouco cederia vez a uma onda internacionalizante, de que foram marcos pioneiros o Museu de Arte Moderna de São Paulo e o do Rio de Janeiro, que repetiam, com imaginação maior ou menor, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, criado já em 1929. Foi desses baluartes da arte internacional de após-guerra, bem como da Bienal de São Paulo, cuja primeira versão é de 1951, que o Não-Figurativismo se difundiu por todo o país.
Se é fato que as primeiras experiências com a pintura não-figurativista no Brasil recuam aos tempos da 1 Guerra Mundial, tendo sido realizadas pelo pintor Manuel Santiago sob a influência do Esoterismo ao qual se filiara ainda na mocidade, a verdade é que coube a Cícero Dias executar em Recife, em 1948, o primeiro mural abstrato da América do Sul. Radicado em Paris desde 1937, Cícero aproximou-se gradativamente do Abstracionismo, deixando de lado as alusões ingênuas à infância entre os canaviais, mas sem abrir mão do colorido tropical. Mais tarde retornaria aos temas e motivos de sua primeira fase, o que não lhe tira a prioridade de pioneiro do Não-Figurativismo entre nós.
Mais forte foi porém a contribuição do cearense Antônio Bandeira, que, após começos expressionistas em Fortaleza e no Rio de Janeiro, transferiu-se com bolsa de estudos a Paris, ali se aproximando dos pintores Camille Bryen e Wolfgang Wols. De fins da década de 1940 à sua morte prematura em 1965, Bandeira permaneceria fiel aos postulados não-figurativistas. Em sua obra, pouco extensa, domina uma extrema sensibilidade cromática e textural, contrapondo-se ao jogo de formas ditado por uma imaginação rica, que não raro buscou inspiração nos arcabouços das grandes cidades iluminadas, entrevistas à noite, de longe, de dentro de um trem ou do alto de um avião.
O terceiro pioneiro do Abstracionismo brasileiro foi o romeno Samson Flexor, radicado em São Paulo em 1946 após longa permanência parisiense. O inicio de sua carreira revela fortes influências expressionistas e neocubistas, em interpretações dramáticas da Paixão de Cristo, da II Guerra Mundial ou mesmo já de temas brasileiros. Mas, por volta de 1948, Flexor adotou a linguagem não-figurativista, influenciado pelo crítico francês Leon Degand, que então dirigia o recém-criado Museu de Arte Moderna de São Paulo. O Abstracionismo de Flexor não seria contudo tão importante, em si mesmo, quanto sua atuação didática à frente do Ateliê Abstração, no qual orientou a diversos alunos.
Foram a atuação teórica do crítico Mário Pedrosa, no Rio, e a criação da Bienal de São Paulo, em fins dos anos 40 e começo dos 50, os principais fatores para que vários artistas brasileiros adotassem por essa época o Não-Figurativismo Geométrico. Esse crítico, que em 1948 defendeu tese de conotação gestaltiana na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (Teoria da Afetividade da Forma), marcou fundamente artistas cariocas, como Ivan Serpa e Almir Mavignier que, abandonando o rumo naturalista de suas pesquisas de até então, adotaram as posições de Pedrosa, certos de que, como sustentou Mavignier anos depois numa entrevista, "o conteúdo de uma forma não se encontra na sua associação com as formas da natureza, mas no caráter próprio da forma".
Na 1 Bienal de São Paulo, em que Max Bill recebeu o prêmio internacional, Serpa era laureado como o melhor artista jovem, com uma pintura a que intitulara simplesmente Formas. Nesse mesmo certame, outro brasileiro, recém-chegado de Israel, recebia menção especial por um estranho aparelho cinético-cromático: era Abraham Palatnik, cujas pesquisas no campo da luz e do movimento remontavam a 1949, e que pode ser portanto considerado um pioneiro mundial da arte cinética.
No mesmo ano de 1951 de realização da I Bienal seguiam para a Europa AImir Mavignier e Mary Vieira. Mavignier, que fora aluno de Leskoschek, estabelecera depois contatos com os concretistas argentinos, como Tomás Maldonado, e com os de São Paulo, como Geraldo de Barros. Influenciado por Max Bill, procurou-o em Zurique, radicando-se em seguida na Alemanha, tendo cursado, entre 1953 e 1959, a Escola de Ulm. Em 1954 elaborou seu primeiro trabalho com partículas de tinta, dentro, já, do estilo ótico-concreto. Pintor mas acima de tudo programador visual, faz uso de permutações cromáticas e formais que se sucedem e se alternam, suscitando o interesse do contemplador com belos efeitos cinéticos.
Também pioneira no campo da arte ótico-cinética, Mary Vieira foi aluna de Guignard, dedicando-se em seguida à escultura. Sua primeira escultura cinético-visual data de 1948, enquanto seus primeiros multivolumes remontam ao ano seguinte. Desde 1951 essa artista radicou-se na Suíça, onde vem desenvolvendo suas pesquisas com volumes.
Com a partida de Mavignier e Mary Vieira para a Europa, permaneceram no Brasil, como elementos aglutinadores das novas tendências estéticas, Serpa e Palatnik, no Rio de Janeiro, Geraldo de Barros e Valdemar Cordeiro, em São Paulo. Foi em torno dessas figuras que se concentraram, nos anos seguintes, os principais representantes do Não-Figurativismo Geométrico, no Brasil.
Já em 1952 surgia em São Paulo o Grupo Ruptura, do qual fizeram parte, entre outros, Valdemar Cordeiro, Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Kazmer Fejer, Leopoldo Haar, Luís Sacilotto e Anatol Wladislaw; no mesmo ano era fundado, no Rio de Janeiro, o Grupo Frente, com Serpa, Décio Vieira, Aloísio Carvão, Lígia Pape e Hélio Oiticica, entre outros. Ambos os grupamentos declaravam-se não apenas contra a arte voltada para a simples cópia ou recriação da natureza, corno também contra o Não-Figurativismo lírico, expressionista ou romântico, que então começava timidamente a despontar no país. O Grupo Ruptura dispersou-se após ter realizado em 1952 uma única exposição, mas o Grupo Frente, em seguida à sua mostra inaugural, de 1953, apresentou-se ainda em 1955 e 1956, quando deixou de existir. Ao contrário, porém, do grupamento paulista, o carioca não comportava uma ortodoxia, até porque os que o integravam, em sua fase final, pouco ou nada tinham a ver com o Não-Figurativismo Geométrico - como Vincent Ibberson, abstracionista lírico, e a ingênua Elisa Martins da Silveira.
Foi em 1953 que teve lugar, no Hotel Quitandinha em Petrópolis, a I Exposição Nacional de Arte Abstrata, com a participação de 23 pintores de diversas tendências, de Bandeira a Serpa, de Palatnik a Carvão, de Lígia Clark (recém-chegada da França, depois de ter estudado com Léger e Arpad Szenes) a Fayga Ostrower. Predominou o Abstracionismo Geométrico. A coletiva, além de preparar o caminho para a irrupção do movimento concretista propriamente dito, marcou um momento da evolução da arte brasileira em que a arte não-figurativa se impunha à consideração mesmo de artistas tradicionalmente figurativistas, como Portinari e Pancetti (que lhe sofreram epidérmica influência), e obrigava o júri da II Bienal de São Paulo, efetuada nesse mesmo ano, a repartir entre Di Cavalcanti e Volpi - o Volpi das primeiras Fachadas, já apartadas da pura figuração - o prêmio destinado ao melhor pintor nacional. Mais ou menos pela mesma época, dois pintores de temperamentos e gerações diversas - Milton Dacosta, no Rio, e Rubem Valentim, na Bahia - abraçavam gradativamente a pintura abstrata, embora sem deixar de todo a referência às formas e cores naturais.
Em dezembro de 1956 efetuou-se no Museu de Arte Moderna de São Paulo I Exposição Nacional de Arte Concreta, com a presença de artistas e escritores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Levada em começos do ano seguinte para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, tal mostra era complementada por palestras e conferências a cargo de críticos, poetas, artistas e teóricos. Com o apoio do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, dirigido pelo escritor Reynaldo Jardim, o Concretisrno expandia-se rapidamente: uma exposição concreta chegou a ser realizada em Fortaleza, em 1957. Mas a partir de 1960, seu esvaziamento era evidente.
Já desde o ano anterior, com efeito, e em seqüência a antigas divergências ocorridas entre os concretistas paulistas e seus companheiros do Rio de Janeiro, surgira o chamado Movimento Neoconcretista, cuja primeira exposição, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1959, era acompanhada por um manifesto no qual se dizia, entre outras coisas:
- O neoconcreto, nascido da necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões verbais criadas pela arte não-figurativa construtiva.
A despeito de ter tido repercussão em São Paulo e mesmo na Bahia, o neoconcretismo foi um movimento carioca, que se esvaiu rapidamente por volta de 1960; foram seus representantes Ferreira Gular, Reynaldo Jardim, Lígia Clark, Lígia Pape, Carvão e Décio Vieira, no Rio de Janeiro; Theon Spanudis, Willys de Castro e Hercules Barsotti, em São Paulo. Desde 1959, porém, fizera seu aparecimento na V Bienal de São Paulo o chamado Abstracionismo Informal, que iria impor-se como tendência estética dominante por vários anos da década de 1960. Revigorava-se assim uma corrente não-figurativa não-geométrica que, com sorte vária, vinha acompanhando desde os anos finais da década de 1940 a evolução da arte não-figurativa geométrica ou construtiva no país.
Os adeptos dessa vertente alternativa do Abstracionismo no Brasil não raro resvalaram para os jogos inconseqüentes de textura, muito sob a influência da Action Painting norte-americana e do Tachisme francês. Houve mesmo um momento em que veteranos pintores figurativistas aderiram ao modismo, o que explica o caráter epidérmico de que se revestiu, com freqüência, esse tipo de pintura no Brasil. Realcem-se apenas a coerência do grupo nipo-brasileiro, encabeçado a partir de 1957 por Manabu Mabe, e integrado ainda por, entre outros, Tomie Ohtake, Fukushima e Wakabayashi, e a contribuição pessoal de uns poucos que, como Iberê Carnargo, Iolanda Mohaliy ou Laszlo Meitner, encontraram no Abstracionismo orgânico, lírico ou expressionista sua maneira própria de se externar.
A partir de fins da década de 1960, o Abstracionismo viu-se substituído paulatinamente por novas tendências, algumas de conotação eminentemente figurativa, como a Pop Art e o Neo-Realismo, embora tivessem permanecido fiéis a seus postulados artistas como o acima citado Iberê Camargo, e mais Ubi Bava, Arcangello Ianelli, Hermelindo Fiaminghi ou Rubem Valentim. Em anos recentes, porém, através da chamada Geração 80, vêm reaparecendo em cena a pintura de gesto e as texturas mais ou menos gratuitas a que seus adeptos e praticantes chamam, à falta de nome melhor, Neo-Expressionismo.

Manabu Mabe, Abstracionismo, óleo s/ madeira, 1959;
3,50 X 1,30, Palácio dos Bandeirantes, SP.

Sonia Von Brusky, Sem Título, têmpera s/ tela e colagem de madeira, 1993;
1,00 X 1,00, Coleção particular.

Yolanda Lederer Mohalyi, Meteoro, óleo s/ tela, 1971;
1,30 X 1,50, Pinacoteca do Estado de São Paulo

ABSTRACIONISMO GEOMÉTRICO. Designação genérica para qualquer estilo de pintura que, afastando-se da simples cópia ou reprodução das formas naturais, apoie-se ou se aproxime das estruturas essenciais proporcionadas pela Geometria. O Abstracionismo Geométrico surge no Brasil em começos da década de 1950, com os artistas filiados em São Paulo ao Grupo Ruptura e no Rio de Janeiro ao Grupo Frente - um e outro fundados em 1952. Assim, no Manifesto em que justificavam sua exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1952, os integrantes do Grupo Ruptura Lothar Charoux, Valdemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Kazmer Fejer, Leopoldo Haar, Luís Sacilotto e Anatol Wladislaw - declaravam-se avessos a "todas as variedades e hibridações do naturalismo", à "mera negação do naturalismo" e também ao "não-figurativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a mera excitação do prazer ou do desprazer". Menos ortodoxo, o Grupo Frente carioca admitia, entre os seus integrantes, artistas regidos pelo Abstracionismo Geométrico - como Ivan Serpa, Décio Vieira ou Aloísio Carvão -, lado a lado com abstracionistas líricos, como Vincent Ibberson, e até mesmo figurativistas ingênuos (Elisa Martins da Silveira).
Já na Exposição Nacional de Arte Abstrata, efetuada no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, em fevereiro de 1953, predominavam os artistas filiados ao Abstracionismo Geométrico, e inclusive alguns futuros concretistas - como o próprio Ivan Serpa. Seria aliás com o Concretismo, a partir de meados da década de 1950, que o Abstracionismo Geométrico encontraria, no Brasil, seu momento de maior prestígio e rigor. Finalmente, registrem-se em anos mais recentes, os numerosos pintores que praticando embora uma arte não-figurativista estruturada ou construída, mas não rigidamente geométrica, podem incluir-se entre os adeptos da chamada Geometria Sensível, tendência exemplificada na produção de, entre outros, Arcangelo Ianelli.

Ivan Serpa, óleo s/ tela, 1951;
0,97 X 1,30, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Milton Dacosta, Composição s/ negro, óleo s/ tela, 1955;
0,60 X 0,81, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Ruben Valentim, Emblema 5, óleo s/ madeira, s/ data;
1,20 X 0,73, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Lothar Charoux, Quadrados, nanquim, s/ data;
1,00 X 0,70, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Hércules Rubens Barsotti, sem título, acrílica s/ tela, 1993;
1,41 X 1,41, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

ABSTRACIONISMO LÍRICO. Corrente da pintura não-figurativista que, rejeitando ao mesmo tempo a rígida construção e o despojamento ascético do Abstracionismo Geométrico, de um lado, e o tom convulsivo e confessional do Abstracionismo Expressionista, de outro, concede importância aos valores poéticos e românticos da obra de arte, criando conseqüentemente obras capazes de traduzir numa linguagem não-representativa experiências líricas e muitas vezes hedonísticas. Certa saudade da Natureza e dos seus efeitos parece perpassar pela obra dos abstracionistas líricos, na qual "restos de objetos" podem ser facilmente adivinhados ou intuídos: efeitos de luz filtrados entre arvoredos, tempestades, o vento na floresta, mares revoltos etc., chegando mesmo às "grandes cidades iluminadas" de um Antônio Bandeira, por exemplo.
Cícero Dias, ativo desde 1937 em Paris, foi possivelmente o primeiro representante brasileiro da tendência. Outro precursor, já na década seguinte, seria justamente Bandeira, de início pintor figurativista de cunho expressionista que, radicando-se desde 1946 em Paris, ali entrou em contato com Wols e Bryen, em breve abandonando o Figurativismo, se bem que sua obra continuasse sendo, pela vida a fora, "um incessante registro abstrato da realidade objetiva" (Walter Zanini). Leveza, féerie, alegria, juventude, espontaneidade, improvisação são palavras que se casam admiravelmente à pintura de Bandeira, certamente o mais típico representante do Abstracionismo Lírico entre nós, e que, melhor do que ninguém, assim traduziu em palavras a gênese do seu fazer artístico:
- Uma árvore florida, um ipê amarelo à beira-estrada é uma mancha amarela, uma cor que se vê léguas distantes. A figura da igreja caiada é uma espatulada branca muito antes de se chegar ao povoado. Roupas estendidas nas margens de riachos e lagoas dos carnaubais são cores que pegam o viandante e só o deixam devagar, já ao longe.
Podem ser ainda incluídos, entre muitos outros, como representantes do Abstracionismo Lírico em nosso país, pintores como Burle-Marx, Ramiro Martins, Mário Silésio, Loio Pérsio, Valdemar da Costa, Maria Leontina, Sheila Brannigan, Manabu Mabe e Tomie Ohtake, muito embora todos, ou quase todos, tivessem posteriormente adotado novos estilos não-figurativos.

Antonio Bandeira, A grande cidade iluminada, óleo s/ tela, 1953;
0,72 X 0,91, Museu Nacional de Belas Artes - RJ.

ACTION PAINTING. Expressão usada pela primeira vez em 1946 pelo crítico norte-americano Harold Rosenberg para designar a pintura de Willem de Kooning, Jackson Pollock e outros integrantes da Escola de Nova Iorque. Baseia-se na violência do gesto, com apelo à truculência cromática, e numa concepção extradimensional do espaço pictórico, tendo evidentes pontos de contato com o Surrealismo, de um lado, e o Expressionismo, do outro. Seu equivalente em português seria Pintura de Ação, sendo também empregada a expressão pintura gestual.
A Action Painting chegou ao Brasil em princípios da década de 1950, mantendo-se corno tendência estética dominante por todo o resto do período, até finalmente esvaziar-se por volta de 1960. Manabu Mabe, Tomie Ohtake, Flavio Shiró, Henrique Boese, Wega Nery, Yolanda Mohaliy, Marília Gianetti Torres, Regina Silveira, Anatol Wladislaw, Danilo Di Prete e muitos outros artistas podem ser mencionados entre os que lhe sentiram os efeitos, ou que a praticaram em algum momento de sua evolução pictórica.

Manabu Mabe, Estranho, óleo s/ madeira, 1959;
1,05 X 1,22, Museus de Castro Maya, RJ.

ANTROPOFÁGICA, PINTURA. A 11 de janeiro de 1928 Tarsila do Amaral ofereceu como presente de aniversário a Oswald de Andrade uma pintura que, embora retomando uma linha já enunciada por
A Negra, pintada ainda em 1923 em Paris, e sem discrepar essencialmente de sua pintura anterior, Pau-Brasil, revestia-se de um ineditismo marcante. Ela mesma explicaria, mais tarde, numa entrevista:

- Eu quis fazer um quadro que assustasse o Oswald, uma coisa que ele não esperava. Aí é que vamos chegar no Aba-Poru. O Aba-Poru era uma figura monstruosa, a cabecinha, o bracinho fino, aquelas pernas compridas, enormes, e junto tinha um cacto que dava a impressão de um sol como se fosse também uma flor. Oswald ficou assustadíssimo e perguntou: "Mas o que é isso? Que coisa extraordinária!" Ele telefonou para o Raul Bopp: "Venha imediatamente aqui que é pra você ver uma coisa!" Bopp foi lá no meu ateliê na Rua Barão de Piracicaba, assustou-se também. Oswald disse: "Isso é como fosse um selvagem, uma coisa do mato", e o Bopp concordou. Eu quis dar um nome selvagem também ao quadro e dei Aba-Poru, palavras que encontrei no dicionário de Montoya, da língua dos índios. Quer dizer antropófago.
A partir dessa tela, uma teoria antropofágica seria elaborada por Oswald de Andrade, e uma Revista de Antropofagia viria a lume, dirigida por Antonio de Alcântara Machado e gerenciada por Bopp. No seu primeiro número, de 1º de maio de 1928, Oswald de Andrade estampou seu célebre Manifesto antropofágico, no qual podem ser lidas coisas assim:
- Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
- Tupy or not tupy that is the question.
- Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
- Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de Senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
- Contra Goethe, a mãe dos Gracos e a Corte de D. João VI.
O manifesto era datado de "Piratininga, Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha".
Em pintura, o Antropofagismo limitou-se a Tarsila do Amaral, constituindo somente um breve interlúdio em sua produção: a fase que ocupa os anos de 1928 e 1929, durante os quais a pintora produziu obras como O Sapo, O Touro, O Sono, O Lago, Urutu, Distância, A Lua, Floresta, A Rua, Sol Poente, Antropofagia e poucas mais, nas quais se somam, ao assunto brasileiro, influências diversas, de Freud e do Inconsciente ao Surrealismo - que a página de Antropofagia quinzenal do Diário de São Paulo chamava, a 17 de março de 1929, de "um dos melhores movimentos pré-antropofágicos."
Gigantismo, violenta deformação, pureza cromática, redução da palheta a alguns tons essenciais, despojamento composicional, por um lado, e por outro apelo ao fantástico, ao mágico e ao onírico, são características marcantes da pintura de Tarsila em sua fase antropofágica, devendo ser ressaltado que a Antropofagia constitui o caso único de um movimento literário brasileiro deflagrado por um movimento pictórico. Em 1998, a XXIV Bienal de São Paulo, utilizando como ponto de partida o Manifesto Antropofágico de 1928, escolheu como tema "Antropofagia e Histórias de Canibalismo".

1928, Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade.
Maio de 1928, Revista de Antropofagia.

ATELIÊ ABSTRAÇÃO. Surgido em São Paulo, em 1952, sob a orientação do pintor rumeno Samson Flexor (1907-71), o qual desde 1948, sob a influência do crítico Leon Degand, então diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo, abandonara sua primeira maneira figurativo-expressionista por uma pintura apartada da representação das formas e cores naturais.
O Ateliê Abstração pode ser considerado também um movimento, de vez que a partir de 1953 mentor e integrantes passaram a expor o resultado de suas pesquisas, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. O programa do Ateliê deduz-se dessa definição de pintura, tal como se a pode ler no texto introdutório da mostra de 1954 no MAM de São Paulo: "organização de uma superfície plana em áreas diversamente coloridas, tendo entre si relações quantitativas e qualitativas voluntariamente estabelecidas no que diz respeito a seus tamanhos, formas, intensidades e matérias, excluindo qualquer tentativa de interpretação de aparências do mundo exterior, e tendo por único fim apenas a existência intensa e exaltada destas relações".
Pertenceram ao Ateliê Abstração, entre outros, os pintores Jacques Douchez, Norberto Nicola, Leopoldo Raimo, Wega Neri e Alberto Teixeira.

Samson Flexor, Geometria grande, óleo s/ tela, 1954;
1,60 X 1,80,  Museu de Arte Contemporânea da USP, SP.

AXIOMISMO. Pseudo-estilo pictórico, assim definido por Geraldo Dutra de Moraes: "Movimento renovador nas artes plásticas, iniciado pelo pintor e escultor brasileiro Castellane, em 1972. Seu princípio essencial foi a criação de moderna estética pictórica, denominada Axiomismo, baseada fundamentalmente na matemática, na filosofia e na psicologia e que consiste em reunir, intencionalmente, numa mesma composição, diversas normas, tendências e técnicas (ex.: classicismo, impressionismo, expressionismo, abstracionismo, tachismo, primitivismo, etc.), as quais se mesclam e se fundem graciosamente, enriquecendo a temática, tornando-a um todo indivisível, de grande beleza plástica e cromática".
Equivocado e incoerente, o Axiomismo parece ter desaparecido com a morte do seu próprio criador, Arlindo Castellane, em 1985.

B

BANBRYOLS. Nome de um grupo que teria sido formado por volta de 1949, em Paris, pelos pintores Antônio Bandeira, Camille Bryen e Wols – de onde seu nome: Ban (de Bandeira), Bry (de Bryen) e Ols (de Wols). Hoje se costuma admitir que tal grupo jamais chegou a se constituir.

C

CARAVANA, A. Uma das denominações dadas ao grupo de paisagistas que, sob a orientação de Georg Grimm, reuniram-se entre 1884 e 1886 na Praia da Boa Viagem, em Niterói, com a finalidade de praticar a pintura de ar livre. Foram integrantes de A Caravana, além de Grimm e de seu assistente Thomas Driendl, os jovens pintores Antônio Parreiras, João Batista Castagneto, Domingos Garcia y Vasquez, Hipólito Boaventura Caron, Joaquim José da França Júnior e Francisco Joaquim Gomes Ribeiro. V. Grupo Grimm
CASA 7. Grupamento de pintores ativo na década de 1980 em São Paulo, e integrado por Nuno Ramos, Paulo Monteiro, Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa e Rodrigo Andrade, todos extremamente jovens. Ao contrário de outros grupos de artistas, pautados por identidade de pontos-de-vista e por uma comum maneira de encarar a arte e de a produzir, os membros do Casa 7 enriquecem-se reciprocamente a partir de suas disparidades e diferenças, tendo talvez como único patrimônio em comum a obsessão com que se entregam ao ato de pintar. Lisete Lagnado, que assina o texto sobre o grupo no catálogo da XVIII Bienal de São Paulo, assim tenta situá-los no contexto da arte contemporânea:
- Pintar hoje é um ato carregado de heranças infindáveis. Pollock, Philip Guston, é uma verdadeira possessão! O único meio de encontrar um sopro de novidade reside na relação interpessoal do "você com você mesmo". E é deste espírito que se alimentam suas matérias pictóricas, verdadeiras crostas que, graças às virtudes do óleo, permitem esbanjar presença física. Sob cada superfície se encontram pinturas inteiras que foram rejeitadas por não refletirem adequadamente seu veículo. A incongruidade das formas de Nuno, os painéis suburbanos de Paulo, as naturezas-vivas de Fábio, a generosa e ampla espátula de Carlito, os signos-ícones de Rodrigo - tudo neles tem uma conexão alucinante com o passado da arte e coloca uma interrogação diante do que se pode ainda fazer. Nem eles sabem. Talvez seja por isto que estão apelando cada vez menos para a construção de cenas e de imagens, deixando o processo gestual gerar energia e emoção.

CONCRETISMO Tendência que se manifestou na arte brasileira durante a década de 1950, influenciada remotamente por Mondrian e Van Doesburg (criador em 1930 da expressão Arte Concreta), e mais de perto por Max Bill e outros concretistas suíços ou argentinos..
Anti-sensual e anti-sentimental, a pintura concreta basta-se a si mesma, fazendo uso de elementos puramente plásticos, sem recurso aos dados formais fornecidos pela Natureza. Concreção do espírito (Van Doesburg) ou concreção de uma idéia (Max Bill), a obra de arte concreta só significa a si própria - é una com o seu significado. Para os teóricos do Concretismo, a história da pintura resume-se na passagem gradativa da forma-natureza para a forma-arte, e daí para a forma-espírito (arte mimética, arte abstrata, arte concreta). Van Doesburg, em 1930, indagava-se e logo respondia:
Numa tela, uma mulher, uma árvore, uma vaca são elementos concretos? Claro que não. Uma mulher, uma árvore, uma vaca são concretos no seu estado natural, mas no estado de pintura são abstratos, ilusórios, vagos, especulativos, ao passo que um plano é um plano, uma linha é uma linha, nem mais, nem menos.
De onde se conclui que, para o pintor holandês, o vocábulo abstrato tinha o mesmo significado de ilusório, enquanto concreto correspondia a real.
Max Bill acrescentou à idéia de arte concreta de Van Doesburg a noção de que uma das suas funções básicas é a "produção de campos de energia com o auxílio da cor". Por outro lado, enfatizou o papel da Matemática como embasamento da obra de arte concreta, com ênfase nas relações entre espaço e cor, forma e movimento.
Partindo da Suíça e dos ensinamentos da Hochschule für Gestaltung, de Ulm, o Concretismo atingiu a América Latina nos anos finais da década de 1940, via Argentina, e por volta de 1950 chegava ao Brasil, logo acolhido por um crítico e teórico da envergadura de Mário Pedrosa. Graças à pregação concretista de Mário, jovens artistas, como Ivan Serpa e Almir Mavignier, foram cedo conquistados para a nova estética, obtendo inclusive premiação na I Bienal de São Paulo, com uma pintura já concretista, Formas. Nesse mesmo certame, a enorme repercussão do grande prêmio internacional concedido a Max Bill por sua Unidade Tripartite atrairia para a tendência inúmeros outros artistas, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, o núcleo de onde se irradiou o Concretismo formou-se em torno a Waldemar Cordeiro, com a criação, em 1952, do Grupo Ruptura, ao qual pertenceram, além do próprio Cordeiro, Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Kazmer Fejer, Leopold Haar, Luís Sacilotto, Maurício Nogueira Lima, Anatol Wladislaw e outros. Igualmente em 1952, no Rio de Janeiro, surgiu o Grupo Frente, com Ivan Serpa, Décio Vieira, Aloísio Carvão, João José Costa, Lígia Pape, Hélio Oiticica e outros. Tanto o grupo paulista quanto o carioca levaram a efeito exposições nos anos seguintes. Também da Exposição Nacional de Arte Abstrata, efetuada no Hotel Quitandinha de Petrópolis em 1953, participaram alguns artistas de orientação concretista, como Serpa, Carvão e Décio Vieira.
Seria somente em dezembro de 1956 que os concretistas de São Paulo e do Rio de Janeiro fariam a I Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, tendo sido a mostra logo em começos do ano seguinte levada ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nessa cidade, aliás, o Concretismo contava com o apoio do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, surgido em junho de 1956 e dirigido por Reinaldo Jardim e Ferreira Gullar, com ampla cobertura das exposições e divulgação de textos teóricos assinados por Pedrosa, Gullar e outros críticos.
Nos anos subseqüentes, o Concretismo obteria certa repercussão mesmo em regiões afastadas de seus principais centros de difusão, tendo surgido pequenos núcleos concretistas no Ceará e na Bahia. Contudo, desde o início do movimento já haviam ocorrido divergências de ordem teórica entre os blocos paulista e carioca, aquele mais ortodoxo, esse mais inclinado a conceder à expressão o papel que sempre lhe couberra na arte. Essas divergências determinaram em 1959 a cisão do movimento, com o surgimento, no mesmo ano, do Neoconcretismo, liderado por Ferreira Gullar, Reinaldo Jardim e Theon Spanudis, que repunha o problema da expressão, combinada embora às conquistas da arte não-figurativa construtiva. Em 1960, após uma última exposição realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o grupo concretista, já muito desfalcado, deixava de existir como movimento organizado, embora alguns de seus adeptos prosseguissem isoladamente em suas pesquisas ainda por muitos anos, enquanto outros viam-se atraídos por novas tendências estéticas.
A importância do Concretismo foi que, ao contrariar a voga informal do momento e todo tipo de "romantismo preguiçoso" (Pedrosa) que dominava tradicionalmente a arte brasileira, ele colocou o problema da disciplina e da autodisciplina, do rigor construtivo contra o puro instinto. Nesse sentido, Mário Pedrosa indagava quixotescamente, em texto significativamente intitulado O Paradoxo Concertista:
- Será que no futuro iremos ver manifestações dessa mesma autodisciplina, desse espírito menos complacente consigo mesmo, em outros campos, imediatamente mais importantes e ponderáveis, como os da administração pública, da política, da educação?

A. Volpi, Concretismo, óleo s/ madeira, s/ data;
3,50 X 1,30, Palácio Bandeirantes, SP.

CONSTRUTIVISMO. Em sua acepção histórica designa o movimento artístico surgido na Rússia após 1917 e sintetizado por seus dois criadores - os irmãos Naum Gabo e Antoine Pevsner no Manifesto Realista de 1920, no qual propunham uma arte racional e não-objetiva, baseada nos dois elementos primordiais do Espaço e do Tempo, afim à Arquitetura e beneficiando-se de todas as conquistas da Tecnologia. O Construtivismo russo abriu caminho, em diversos países do Ocidente, a uma série de experimentações com formas geométricas relacionadas ao espaço, à luz e ao movimento.
Num sentido amplo, o vocábulo tem sido aplicado mais recentemente a qualquer tipo de arte - de pintura inclusive - caracterizável pelo predomínio do racional sobre o expressivo, pela severa estruturação geométrica e pelo despojamento cromático. Na pintura brasileira esse tipo de construtivismo - que nada tem a ver obviamente com o russo - repercutiu de maneira intensa por toda a década de 1950 e nos primeiros anos da década de 1960, fazendo surgir movimentos como o Concretismo, o Neo-Concretismo e o Abstracionismo Geométrico, além de influenciar alguns pintores que, mesmo não vinculados a nenhuma tendência em especial, passaram a conceder maior importância ao aspecto estrutural de suas obras, impondo-lhes rigor construtivo e organização formal e citem-se, entre os que sofreram tal impacto, Alfredo Volpi, Arnaldo Ferrari e Milton Dacosta.

A. Volpi, Composição com oblíquas, 1958;
coleção particular.

D
DOENTES MENTAIS, Arte dos. Partindo-se do ponto de vista de que existe um comportamento humano por assim dizer padrão, a que se chamaria de "normal " ou "são", e ao qual se oporia outro tipo de comportamento, "anormal" ou "doente" - dicotomia que a Antropologia e a Psicanálise têm revelado não ser assim tão simplesmente delineável -, a arte dos doentes mentais abrangeria a pintura, a escultura, o desenho e as demais manifestações de natureza expressiva ou estética das personalidades clinicamente definíveis como psicóticas - os "petits maîtres de Ia Folie" aos quais se referiu, carinhosamente, Jean Cocteau, ou os "pintores de arte virgem", na definição do crítico Mário Pedrosa.
Tal qual a arte dos povos primitivos contemporâneos e a infantil, a arte dos doentes mentais é basicamente simbólica. Mas, enquanto o primitivo lida com símbolos que não lhe pertencem, mas à herança cultural da coletividade, e enquanto a criança, por ainda não dominar conceitos, vê-se obrigada a criar sua própria simbologia, o doente mental simplesmente perdeu o controle de símbolos que, na fase anterior à doença, dominara. Alguns especialistas chegam a defender a possibilidade de, através do estudo de certas características formais, chegar-se a detectar artisticamente a doença mental, estando entre essas características denunciadoras de caos psíquico a desorganização ou o descontrole formal, o acumulo ou a aglomeração de elementos heterogêneos, a obscenidade rasgada e até um dado tipo de geometrismo repetitivo.
Na enorme maioria dos casos, a doença mental estanca, no indivíduo, qualquer capacidade criativa; mas de outras vezes espicaça-a ou a desperta. No caso de doentes que já praticavam antes algum tipo de arte, a doença pode lhes modificar as características estilísticas, ou, inversamente, em nada pesar sobre o seu fazer artístico. Porque a doença não cria aptidões artísticas, apenas as deflagra. Assim, Van Gogh não foi um grande artista por causa, mas apesar da doença mental.
Instrumento terapêutico no tratamento das doenças mentais, a arte, na medida em que possibilita ao doente a liberação de fundas cargas emocionais, pode chegar a resultados assombrosos, sendo bem conhecida, no Brasil, a experiência pioneira da Drª. Nise da Silveira no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, reveladora de verdadeiros artistas, como Emídio, Carlos, Rafael e Adelina.

E
EXPRESSIONISMO. Em sentido muito amplo, o vocábulo Expressionismo aplica-se a qualquer espécie de arte em que a emoção e o sentimento, externados de modo violento e não raro convulsivo, impõem-se decididamente à razão e ao senso de medida. Essencialmente romântico, dando continuidade de certo modo a todos os tipos de arte gerados pelo medo ao desconhecido e ao sobrenatural, o Expressionismo ressurge historicamente em épocas de crise ou ruptura espiritual ou social, sendo, sob tal aspecto, atemporal. E se alguns povos setentrionais da Europa, como os alemães e os escandinavos, parecem particularmente permeáveis à tendência, é certo que a mesma desconhece limites geográficos e determinismos étnicos, de vez que tanto ocorre na arte pré-histórica européia como na da América pré-colombiana, na escultura negra africana, nos totens indígenas da América do Norte, na pintura de Dürer e Grünewald e na de El Greco e Goya, no São Pedro Arrependido de Frei Agostinho da Piedade, no Senhor dos Martírios de Ricardo do Pilar e nos Profetas de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Nesse sentido bem lato, o Expressionismo corresponde a um comportamento específico, a uma concepção do mundo, a uma atitude perante a vida, existindo um homem expressionista, assim como existem um homem clássico e um homem barroco.
Em sentido restrito, entende-se por Expressionismo um dos mais importantes movimentos estéticos surgidos no Séc. XX, e que se manifestou principalmente na Alemanha, por volta de 1910, com os componentes do Die Brücke e com o grupo do Blaue Reiter, na senda aberta, no Séc. XIX, por precursores como Van Gogh, Gauguin, Odilon Redon, Ensor e Munch. Mas o Expressionismo não se limitou à Alemanha, propagando-se rapidamente a toda a Europa setentrional e central, aos Estados Unidos, ao México e ao Brasil. Reagindo ao mesmo tempo contra qualquer tipo de Classicismo e contra o Impressionismo (é, na verdade, o avesso do Impressionismo, pois representa não o que o artista vê, mas o que sente, arte de dentro para fora portanto, e não mais de fora para dentro), o Expressionismo já foi definido por Émile Langui como "a mistura da melancolia nórdica com o misticismo eslavo, a robustez flamenga, a angústia judaica e toda sorte de obsessão germânica".
A esse Expressionismo figurativo, do qual foram representantes no Brasil pintores como Lasar Segall, Anita Malfatti, Cândido Portinari, Flávio de Carvalho, Emiliano Di Cavalcanti, De Fiori e tantos outros, contrapôs-se em tempos mais recentes o Expressionismo Abstracionista, que prescinde da referência às formas naturais, sem abrir mão contudo do conteúdo violentamente emocional.
Em 1985, no âmbito da XVIII Bienal de São Paulo, foi organizada uma grande exposição sob o título Expressionismo no Brasil - Heranças e Afinidades, enfeixando exemplos pictóricos de artistas como Antônio Henrique Amaral, Luís Aquila, Maciej Babinski, Miguel Bakun, Antônio Bandeira, João Câmara, Iberê Camargo, Flávio de Carvalho, Darel, Di Cavalcanti, Graciano, Gruber, Wesley Duke Lee, Anita Malfatti, Iolanda Mohalyi, Ismael Nery, Fernando Odriozola, Portinari, Carlos Prado, Segall, Ivan Serpa, Shiró, Guido Viaro e muitos outros.

Benjamin Silva, Paisagem Urbana com Passantes, óleo s/ duratex, 1992;
0,80 X 0,60, Coleção particular

EXPRESSIONISMO ABSTRATO. Diz-se do Expressionismo que prescinde da alusão à realidade objetiva, valendo por suas próprias formas, cores e texturas, consideradas em si mesmas. A expressão foi empregada pela primeira vez em 1919 para designar as pinturas de Kandinsky, tendo sido retomada em 1946 para caracterizar a produção de um grupo de então muito jovens pintores norte-americanos, como Jackson Pollock e Willem de Kooning, ao lado de outras denominações - como a de Action Painting, cunhada pelo crítico Harold Rosenberg. Durante a década de 1950, não só nos Estados Unidos da América como na Europa - sob o impacto da filosofia existencialista -, o Expressionismo Abstrato foi a tendência estética que predominou nas artes visuais, aparentada ao Surrealismo - com quem reparte o automatismo, a livre associação e a intuição -, mas ligada originariamente ao próprio Kandinsky, e ainda a pintores como Soutine, Picasso, etc.
Em começos da década de 1950 o Expressionismo Abstrato chegaria também ao Brasil, mantendo-se como movimento de vanguarda até 1959 aproximadamente, quando começou a declinar. Entre os pintores que, entre nós, mais se destacaram como cultores da tendência, merecem realce Flavio-Shiró, Kazuo Wakabayashi, Laszlo Meitner, Yolanda Mohaliy, Wega Nery, Sheila Brannigan, Loio Pérsio, Danilo Di Prete, Henrique Boese, Anatol Wladislaw, Iberê Camargo e Franz Krajcberg.

Manabu Mabe, Natureza morta, óleo s/ tela, 1954;
0,41 X 0,33, coleção particular.

Wakabayashi, Vermelho ruína, 1967;
1,72 X 2,16, Museu de Arte Contemporânea da USP.

F
FAMÍLIA ARTÍSTICA PAULISTA. Grupamento de artistas formado em São Paulo em 1937, reagindo, de certo modo, ao vanguardismo e ao experimentalismo que caracterizavam outro grupamento de artistas, o do Salão de Maio, fundado apenas alguns meses antes na mesma cidade. Embora não tivesse um programa, o mesmo pode intuir-se das seguintes frases do crítico Paulo Mendes de Almeida, no catálogo da primeira exposição da Família, realizada em novembro do mesmo ano:
- Muito a propósito, evitou-se incluir, na denominação dada ao novo grupo, a palavra "moderno", ou qualquer outra que a eqüivalesse. Já se disse que a Família Artística não nutre preconceitos de qualquer categoria. Cumpre acentuar, porém, o mau uso que se tem feito daquele adjetivo, o qual tem servido não raro para acobertar as maiores heresias no domínio das artes plásticas, criando assim, no seio do público menos informado do assunto, a mais lamentável confusão. Dessa confusão se originou, no espírito desse público, uma surda revolta, uma justa prevenção contra o que traga o rótulo de moderno - revolta e prevenção que se estendem e atingem os mais altos expoentes da pintura e da escultura contemporâneas, e impedem que se observe, com a devida serenidade, que os mesmos valores plásticos, que se notam nos afrescos de Giotto ou nas telas de Greco, surgem com o mesmo vigor e intensidade vital nas obras de um Corot ou de um Dérain. Das palavras acima se conclui, com clareza, que o Grupo dos Artistas Plásticos da Família Artística Paulista, repudiando, do mesmo passo, o academismo, e não se encartando nas correntes mais avançadas da arte, e que, de resto, já cumpriram sua missão histórica, como o Fauvismo, o Cubismo, o Futurismo, o Orfismo, o Surrealismo, etc., etc... mas aceitando, com imparcialidade, o que de proveitoso eles trouxeram - quer se sentir, entretanto, integrado nas mais legítimas tradições da pintura, que ligam, através dos séculos, as realizações de um Cimabue às de um Masaccio, as de um Masaccio às de um Giorgione, as de um Giorgione às de um Cézanne, as de um Cézanne às de um Matisse.
Em suas intenções, por conseguinte, a Família Artística Paulista regia-se pela moderação; e porque contasse, em suas fileiras, com inúmeros pintores italianos, ou de origem italiana (muitos deles, aliás, já conhecidos do grupo de Santa Helena), fulminou-os Geraldo Ferraz, defensor intransigente do Salão de Maio, taxando-os de "tradicionalistas, defensores do carcamanismo artístico da Paulicéia, a morrer de amores pelos processos de Giotto e Cimabue"...
Esse interesse pela técnica, essa vontade de aperfeiçoamento do métier seria aliás um dos aspectos mais importantes da atuação dos membros da Família Artística, nisso grandemente estimulados pelo exemplo de Paulo Rossi Osir e Vittorio Gobbis, "homens capazes de conversar", segundo Mário de Andrade, "sobre as diferenças de pincelada de um Rafael e de um Ticiano e sabendo o que é ligar uma cor à sua vizinha". Coube inclusive a Rossi Osir batizar o grupo, dando-lhe o nome de outro com as mesmas intenções, existente em Milão.
A Família Artística Paulista realizou três exposições. A primeira, em novembro de 1937 no Hotel Esplanada, com a participação de Bonadei, Volpi, Malfatti, Balloni, Arnaldo Barbosa, Arthur P. Krug, Graciano, Rebolo, Pennacchi, Adami, Humberto Rosa, Joaquim Figueira, Manuel Martins, Zanini, Rossi Osir e Valdemar da Costa. Dois anos depois tinha lugar a segunda exposição, no subsolo do edifício da Rua Libero Badaró em que funcionava o Automóvel Clube. Expunham, além de nomes já conhecidos da primeira mostra, vários outros que só então aderiam à Família: Portinari, Rizzotti, Toledo Piza, Renée Lefévre, Nélson Nóbrega e Ernesto de Fiori entre eles. Foi sobre essa segunda exposição que Mário de Andrade publicou seu famoso artigo "Esta Paulista Família", no qual, censurando embora aos integrantes do grupo a falta de "coragem de errar", sua pouca audácia enfim, não poupava elogios aos seus esforços no sentido de dominar os problemas da cozinha pictórica e da "legítima técnica de pintar".
A última exposição da Família ocorreu em 1940, no Rio de Janeiro, com novas participações que incluíam, entre outros, os nomes de Carlos Scliar, Paulo Sangiuliano, Vicente Mecozzi e Bruno Giorgi. Pouco depois a Família deixava de existir, sobrepujada pelo aparecimento de novos movimentos. Mas cumprira sua missão, pois, como escreveu Paulo Mendes de Almeida, "ela inseriu, de maneira definitiva, na lista de nossos melhores artistas, meia dúzia de nomes pelo menos, que servirão para recomendá-la aos exegetas da evolução das artes plásticas no País. Lembrar Volpi, Zanini, Rebolo, Bonadei ou Graciano, aqui mencionados sem preocupações de hierarquia, é lembrar a Família - aquela Paulista Família, em cujo seio se formaram e foram revelados ao mundo da paleta e do pincel".

Catálogo do II Salão, 1939, São Paulo

FAUVISME. Surgido em Paris nos primeiros anos do Séc. XX, o Fauvisme teria em Matisse, Marquet, Dérain, Vlaminck, Dufy, Rouault e Van Dongen seus representantes mais típicos. A denominação da tendência deveu-se ao crítico Louis Vauxcelles quando, ao visitar o Salon d'Automne de 1905, e se deparando com uma estatueta clássica de Albert Marque entre as telas selvagemente coloridas de Matisse e seus companheiros, exclamou: "Donatello parmi les fauves" (Donatello entre as feras).
Traçar um esboço histórico do movimento, das origens a seus últimos desdobramentos, escapa decerto aos limites do presente verbete. Apenas diremos que o Fauvisme, que se desenvolveu brevemente, entre 1903 e 1907, constituiu a primeira grande revolução artística do Séc. XX, e que seus adeptos pugnavam pela absoluta liberdade de criação plástica, pela hegemonia total da cor - que devia explodir "como cartuchos de dinamite" - e pelo primado do mundo subjetivo, nisso fiéis a um de seus mais notáveis precursores, Gustave Moreau, que chegou a dizer:
- Não creio nem no que vejo, nem no que toco, mas sim no que me revela o meu sentimento interior.
No Brasil seria inútil procurar um artista que tivesse adotado integralmente os postulados fauves. No entanto, não é talvez exagerado sustentar que o grande pintor Artur Timóteo da Costa (1882-1923), que com o prêmio de viagem conquistado no Salão de 1906 estivera em Paris em 1907 e 1908 pode ter sentido o impacto dos fauves e, espírito irrequieto como era, talvez tenha até mesmo entrado em contato pessoal com suas obras. Só isso explica o predomínio emocional da cor em muitas de suas derradeiras pinturas, ele que, tendo partido da aprendizagem acadêmica, da Escola Nacional de Belas Artes, superou-a inteiramente, a ponto de ser considerada uma injustiça sua não participação na Semana de Arte Moderna, ocorrida um ano somente antes do seu precoce falecimento.
Do mesmo modo, seria possível encontrar tênues lampejos fauves nas pinturas de um Navarro da Costa (1883-1931), o qual, diplomata de carreira, esteve em Paris no imediato pós-guerra, recolhendo ainda os derradeiros ecos desse movimento.

G

GEOMETRIA SENSÍVEL. Expressão de criação recente para designar um tipo de pintura geométrica ou construtivista em que o geometrismo ou a construção é contrabalançado pela textura e principalmente pelo colorido, opondo-se e se completando, dessa maneira, o racional e o sensível. América Latina - Geometria Sensível foi o título de uma exposição realizada em 1978 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro pelo critico Roberto Pontual.

GERAÇÃO 80. Nome dado a numeroso grupo de jovens artistas (quase todos pintores), ativos principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo desde os anos iniciais da década de 1980 e aproximáveis estilisticamente por praticarem uma pintura matérica e gestual, geralmente figurativa e extravazada em pinceladas, formas, cores e texturas truculentas sobre grandes telas sem chassis e não emolduradas, um pouco à maneira da Transvanguarda italiana e do Neo-Expressionismo de artistas como Anselm Kiefer ou Julian Schnabel. A cronologia da Geração 80 inclui a exposição de 1982 no MAM-RJ - Entre a Mancha e a Figura -, a mostra
3 x 4 - Grandes Formatos, no Centro Empresarial Rio de Janeiro em 1983, e diversas coletivas realizadas pela mesma época tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, todas girando em torno da "volta à pintura"e do "prazer de pintar". A designação tornou-se de uso comum em função da exposição "Como vai você, Geração 80?" realizada em julho de 1984 na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, com organização de Marcus Lontra, Paulo Leal e Sandra Magger e participação de 123 artistas, entre os quais Adir Sodré, Ana Maria Tavares, Cláudio Fonseca, Cristina Canale, Eduardo Kac, Ester Grinspun, Fernando Luchesi, Frida Baranek, Hilton Berredo, Karim Lambrecht, Leda Catunda, Leonilson, Luiz Pizarro, Luiz Zerbini, Maurício Bentes, Mônica Nador, Sérgio Romagnolo e Vicente Kutka. O apogeu da Geração 80 dá-se em 1985, quando é criado em São Paulo o Ateliê Casa 7, integrado por Nuno Ramos, Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade, enquanto no Rio de Janeiro Daniel Senise, Angelo Venosa, Luiz Pizarro e João Magalhães fundam seu Ateliê da Lapa. Nesse mesmo ano, com o nome A Grande Tela, a curadora da 18ª Bienal de São Paulo, Sheila Leirner, forma com diversas telas uma única obra contínua, em homenagem aos artistas da Geração 80. Mas esse apogeu é logo seguido pelo inevitável declínio, e já em 1990 Marcos Lontra, um dos organizadores da mostra no Parque Lage, escrevia no Jornal do Brasil acerca da Geração que ajudara a se impor que "o sonho acabou mais uma vez". No ano seguinte o Instituto Cultural Itaú organizava m São Paulo a mostra BR-80, primeira retrospectiva da geração, à qual iria seguir-se, em julho de 1995 na Galeria de Arte do Sesi também em São Paulo, a coletiva Anos 80 - o Palco da Diversidade com 58 obras pertencentes à Coleção Gilberto Chateaubriand no MAM-RJ. Um balanço crítico do que representou para a arte brasileira a Geração 80 diria que ela teve seus mártires em Jorge Guinle e Leonilson, um mestre iniciador em Luiz Aquila, marchands e incentivadores em Thomas Cohn, Luiza Strina e Sattamini, uns raros autênticos talentos (como o já citado Leonilson) e muitos, muitos diluidores. Particularidade que não pode ser negligenciada é que a maior parte de seus jovens integrantes cedo trocaria a pintura pelos objetos ou pelas instalações, raros tendo sido os que permaneceram fieis ao meio expressivo original.

GROUPE ESPACE. Formado em Paris no imediato após-guerra em torno à Galeria Denise René, com a finalidade de reunir os pintores de orientação não-figurativista ou abstrata, entre eles o brasileiro Cícero Dias.
    
GRUPO 15. Grupamento de pintores, conhecido também como Grupo do Jacaré, surgido
em 1948, por ocasião de uma exposição de Takaoka na Galeria Domus, de São Paulo. Compunham-no, além do próprio Takaoka, Geraldo e Ataíde de Barros, Joaninha Cunha Bueno, Mario Aki, Massao Okinaka, Walter Tanaka, Tomoo Handa, Massuda, Majime Higaki, Tamaki, Suzuki, Antonio Carelli, Francisco Trigo e Mayashi. Diversos componentes do Grupo 15 pertenciam já ao Seibikai, e outros participarão inclusive do Grupo Guanabara, surgido no mesmo ano de 1948 em torno a Fukushima.

Os integrantes do Grupo 15 eram todos pintores figurativos e praticavam a paisagem, a figura e a natureza-morta em obediência a uma linha a meio caminho entre a tradição e a inovação, procurando seguir as coordenadas traçadas por seu mentor, Takaoka. Como diria muito tempo depois num depoimento Antonio Carelli, "o problema do Grupo 15, direta ou indiretamente, é o Takaoka. Quase todos os componentes haviam sido antes seus alunos ou tido um contato estreito com ele. Para um grupo de jovens, como nós, Takaoka representava uma via de acesso a uma grande experiência e conhecimento de arte. Num certo sentido, foi ele que revelou a pintura para a gente - aos que começavam a carreira naquela altura. Ele transmitia conceitos na experiência, ensinava o sentido da cor e do desenho, teoria e prática da pintura".
    
GRUPO CONSEQÜÊNCIA. Surgido em São Paulo em 1953, como resposta e em oposição
ao Grupo Ruptura, criado no mesmo ano. Seus objetivos eram pugnar por uma arte realista e brasileira e pela defesa das tradições culturais do País, e inversamente opor-se à tendência cosmopolita e internacionalizante que se vinha manifestando na arte brasileira desde fins da década de 1940, e em especial depois da I Bienal de São Paulo, em 1951. Formavam-no uns poucos jovens artistas, à frente Luís Ventura, e funcionava junto ao Clube de Gravura de São Paulo, tendo tido vida e atividade efêmeras.

    
GRUPO DE CULTURA MUSICAL. Criado em São Paulo por Adolfo Jagle, melômano apaixonado e pintor bissexto, tendo funcionado em seu período de maior repercussão entre 1939 e 1942. Jagle, médico e amigo, desde 1936, de artistas como Rebolo, Zanini, Figueira, Takaoka, Bruno e Giuliana Giorgi, Manoel Martins e Ernesto De Fiori, com os quais por vezes realizava excursões artísticas, reunia-os com freqüência em seu apartamento-consultório da Avenida Brigadeiro Luís Antonio 76, para ouvirem música e assim apurarem a sensibilidade. Quando os habitués eram em número de 80, foi necessário alugar um espaço que os abrigasse, ao mesmo tempo em que surgiu a idéia da criação de um Grupo de Cultura Musical. De 1939 a 1942 o Grupo funcionou no salão da Sociedade Krishnamurti, no Palacete Santa Helena à Praça da Sé, onde foram realizadas não apenas audições musicais, mas também debates e conferências. Mais tarde as reuniões voltaram a ser efetuadas no novo apartamento de Jagle, na Avenida Nove de Julho. Adolfo Jagle faleceu em fins de 1986, e sua importante coleção, que comportava originais de praticamente todos os artistas paulistanos de meados da década de 1930 a fins da de 1940, foi dispersada em leilão, em março de 1987. Coube-lhe sem dúvida contribuir de modo decisivo para o aprimoramento cultural dos pintores seus amigos, além de ter preludiado as atividades de outro médico e crítico de arte - o psiquiatra Osório César - no campo das relações entre a música e as artes visuais. A diferença entre Jagle e César é que, para o primeiro, as reuniões que promovia tinham por único escopo o deleite estético proporcionado pela música, ao passo que César utilizava-se da música como instrumento catártico, instigando seus visitantes a produzirem desenhos por ela inspirados, "desenhos que saíam do seu inconsciente" - como afirmou num depoimento de 1974 a Walter Zanini.
    
GRUPO DIÁLOGO. Surgido no Rio de Janeiro em 1966, era integrado pelos pintores Antônio Benevento, Germano Blum, Sergio Ribeiro, Serpa Coutinho e Urian de Sousa. Não tinha propriamente um programa estético, mas lutava por uma maior difusão das artes visuais e por sua democratização, tendo realizado exposições, seguidas de amplos debates conceituais sobre arte, não apenas em museus e galerias, como preferencialmente em faculdades, escolas, associações, clubes ou cooperativas. Após 1968 o Grupo dispersou-se.
    
GRUPO DOS 19. Em abril de 1947, na sede da União Cultural Brasil-Estados Unidos em São Paulo, era realizada a exposição 19 Pintores, idealizada por Maria Eugênia Franco, coordenada por Rosa Rosenthal Zuccolotto e prefaciada por Geraldo Ferraz, com a participação de Aldemir Martins, Antonio Augusto Marx, Cláudio Abramo, Enrico Camerini, Eva Lieblich, Lena (Maria Helena Milliet F. Rodrigues), Lothar Charoux, Flavio Shiró, Huguette Israel, Jorge Mori, Luís Andreatini, Marcelo Grassmann, Maria Leontina, Mário Gruber, Otávio Araújo, Luís Sacilotto, Raul Müller Pereira da Costa, Vanda Godoi Moreira e Odetto Guersoni. Além da mostra, o evento comportava uma série de palestras sobre arte moderna, a cargo de Luís Martins, Lourival Gomes Machado e Sergio Milliet. Houve também uma premiação, atribuída pelo júri (Malfatti, Segall e Di Cavalcanti) aos pintores Mário Gruber, Maria Leontina, Aldemir Martins e Flavio Shiró, e a Cláudio Abramo, que expunha desenhos.
O Grupo dos 19 não chegou a constituir um movimento: seus integrantes (cuja única característica em comum, além da mocidade, era o tipo de arte que praticavam, um típico Expressionismo de pós-guerra) nada propunham e nem pretendiam, e logo depois da mostra se dispersaram, cada qual tomando rumo particular. Foi, porém, através dessa exposição que diversos desses jovens artistas, alguns já conhecidos das coletivas anteriormente organizadas pelo Sindicato dos Artistas Plásticos, fizeram sua definitiva aparição no cenário artístico de São Paulo.
    
GRUPO DOS CINCO. Em fins do mês de junho de 1922 a pintora Tarsila do Amaral chegava da Europa, onde estudava, e era pouco depois apresentada por Anita Malfatti, sua antiga colega no ateliê de Pedro Alexandrino, a alguns modernistas de São Paulo: Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia. Em breve, os cinco passaram a se reunir no ateliê de Tarsila, na Rua Vitória, a fim de trocarem idéias, conversarem sobre arte e literatura, ouvirem música (tocada ao violão por Mário) ou - no caso das duas artistas - pintarem. Anita, cujos quadros causadores do escândalo de 1917 tinham estado havia poucos meses de novo em evidência, por ocasião da Semana de Arte de fevereiro de 1922, procurava reencontrar sua perdida veia expressionista; quanto a Tarsila, teria a revelação da arte moderna nessa permanência brasileira. O Grupo dos Cinco (que Anita Malfatti representou num desenho, hoje no Instituto de Estudos Brasileiros, da USP) teve duração efêmera, porquanto em dezembro de 1922 Tarsila voltava a Paris.
    
GRUPO DOS DISSIDENTES. Formado por estudantes de Arte e de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, surgiu quando em 1942 o diretor da ENBA, Augusto Bracet, impediu que fossem expostas na mostra anual de alunos uma escultura de Ceschiatti, pintura de Francisco Bologna, e um painel de Maurício Roberto, uma e outro considerados em desacordo com a estética oficial, que a instituição rigidamente defendia. Os artistas vetados e diversos outros - Sansão Castelo Branco, José Pedrosa, José Morais, Percy Deane, Ahmés de Paula Machado, Maria Campello, Milton Ribeiro, Eduardo Corona, Flávio d'Aquino (então estudante de Arquitetura), etc. -, insurgindo-se contra o ensinamento acadêmico vigente na Escola, organizaram uma exposição de suas obras na Associação Brasileira de Imprensa, a pouca distância da ENBA, exposição essa que obteve enorme repercussão graças ao apoio de artistas e de escritores como Guignard, Santa Rosa, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Marques Rebelo e José Lins do Rego. Uma segunda exposição teria lugar no mesmo local, em 1943, para comemorar o sucesso da primeira, deixando logo em seguida Os Dissidentes de atuarem como força organizada. No estagnado panorama artístico do Rio de Janeiro de começos da década de 1940, o movimento dos jovens insubmissos da ENBA ganhou primeira página em jornais e contribuiu para a criação, apenas uns poucos anos mais tarde, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Em dezembro de 1986, a Galeria de Arte do BANERJ organizou uma curiosa exposição rememorativa de Os Dissidentes, dentro do Ciclo de Exposições sobre Arte no Rio de Janeiro que iniciou em 1984.

GRUPO FRENTE. Surgido no Rio de Janeiro em 1954 em torno a Ivan Serpa, que desde 1952 começara a ministrar aulas, primeiro a crianças, em seguida a adultos, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Alguns desses alunos adultos - como Aluísio Carvão, Silva Costa, Vincent Ibberson, Carlos Val e Décio Vieira - costumavam reunir-se, em fins de semana, na casa do mestre, situada no subúrbio carioca do Méier, ou nas casas uns dos outros. Numa dessas reuniões surgiu a idéia de criação de um grupo, cujo nome, Frente, foi dado pelo próprio Ivan Serpa, como explicou num depoimento Ferreira Gullar:
- Eu tinha mania de escrever poemas em papel. Pegava várias folhas cortadas ao meio, colocava uma capa de papel comum, de embrulho, papel pardo, e grampeava tudo. Costumava andar com aquilo na mão, e como a capa era igual dos dois lados e eu não queria escrever nada, coloquei a palavra frente só para saber de que lado deveria abrir. Um dia, cheguei com um desses cadernos no curso do Ivan. Lá estavam seus alunos e o escritor Macedo Miranda. Coloquei o caderno sobre a mesa, o Ivan olhou e disse: que coisa legal. Abriu e perguntou: o que quer dizer isto Eu respondi: nada. A palavra está aí só para indicar por onde devo abrir. Mais tarde Ivan me disse: "sabe, eu vou dar o nome Frente ao nosso grupo ".
No Grupo, embora predominassem os artistas não-figurativistas, não havia a obrigatoriedade de se pertencer a essa ou àquela tendência estética: como explicou numa entrevista Ivan Serpa, "as únicas condições para pertencer ao Grupo Frente são: não ter compromisso com as gerações passadas, ser jovem e ter boa vontade para o trabalho".
Entre 1954 e 1956 o Grupo realizou quatro exposições. A primeira, reunindo Ivan Serpa, Aluisio Carvão, Décio Vieira, Carlos Val, Silva Costa, Lígia Clark, Lígia Pape e Vincent lbberson, realizou-se na Galeria do Instituto Brasil-Estados Unidos, então na Praia do Flamengo, e era apresentada por Ferreira Gullar. A repercussão foi mínima. Na segunda exposição, que teve lugar no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em julho de 1955, o número de participantes quase duplicara: além dos oito expositores do ano anterior, apresentavam-se pela primeira vez Abraham Palatnik, Cesar Oiticica, Elisa Martins da Silveira, Eric Baruch, Franz Josef Weissmann, Hélio Oiticica e Rubem Mauro Ludolf. Na apresentação, Mário Pedrosa ressaltava não ser o Grupo "uma panelinha fechada, nem muito menos uma academia onde se ensinam e se aprendem regrinhas e receitas para fazer Abstracionismo, Concretismo, Expressionismo, Futurismo, Cubismo, Realismo, Neo-Realismo e outros ismos". Os mesmos 15 expositores da mostra de 1955 estariam de novo reunidos na terceira e na quarta exposições, realizadas em março e junho de 1956, respectivamente no Itatiaia Country Clube de Resende e na Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda. Coube a Macedo Miranda o magro texto de apresentação no catálogo da Terceira Exposição, patrocinada aliás pela Tribuna da Imprensa, onde trabalhava; quanto à quarta e última exposição, patrocinada pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro três meses mais tarde, não chegou a ter um catálogo. Aliás, a circunstância de essa última exposição do Grupo Frente ter tido como cenário uma usina siderúrgica não foi de modo algum casual, visto que um dos interesses dos frentistas era justamente o estabelecimento de vínculos entre a arte e a indústria. Como afirmaram eles coletivamente numa entrevista de 1955, "não admitimos que a arte continue a ser, como é nos meios acadêmicos e burgueses, uma ocupação feminina, um luxo para ociosos. Para nós, a arte não é coisa desinteressada pela educação do povo. Precisa intervir na produção industrial moderna, a fim de que os objetos saídos dessa indústria sejam obras de arte, numa sincronização perfeita entre sua forma e sua função".
Visto a uma distância de quase 50 anos, o Grupo Frente surge como um movimento renovador nitidamente brotado da voga internacionalizante que atingiu o Brasil após 1949, com a investida da arte não-figurativa e o declínio de tendências como o Expressionismo e o Realismo. A pregação abstracionista do crítico Leon Degand, diretor, em 1949, do Museu de Arte Moderna de São Paulo, a premiação de Max Bill na I Bienal de São Paulo, em 1951, e o exemplo dos argentinos, Tomás Maldonado à frente, através da revista Nueva Visión, concorreram de modo marcante para o surgimento do Grupo, como concorreriam com igual peso o interesse de Serpa e de Mario Pedrosa pelas manifestações artísticas de crianças, doentes mentais e primitivos.
    
GRUPO GRIMM. Denominação dada a um grupo de jovens paisagistas que, alunos do alemão Georg Grimm na classe de Paisagem da Academia Imperial de Belas Artes, acompanharam-no no seu rompimento com a instituição, passando a trabalhar sob sua orientação na Praia da Boa Viagem, em Niterói, entre 1884 e 1886, praticando a pintura de ar livre que foram dos primeiros a fazer no Brasil, e recusando-se a receber qualquer tipo de ensino oficial. O grupo era integrado pelo próprio Georg Grimm e pelo seu compatriota Thomas Driendl, espécie de assistente e eventual substituto do mestre; e mais por Antonio Parreiras e João Batista Castagneto, Domingos Garcia y Vasques e Hipólito Boaventura Caron, Joaquim José da França Júnior e Francisco Joaquim Gomes Ribeiro.
No seu livro autobiográfico, História de um pintor contada por ele mesmo, publicado em 1937, Antonio Parreiras assim se refere ao método de trabalho ao qual sujeitava Grimm os seus discípulos:
- Grimm só lecionava d'après nature. Mestre de competência rara, era justo e severo. Sujeitava os seus discípulos ao regime do rude trabalho sem repouso. Fazia-os subir a mais escabrosa rocha, viver em plena floresta, contornar, mesmo com risco de vida, a mais íngreme montanha, atravessar brejais, trabalhar em pântanos onde a água negra e parada empestava o ambiente. E ele a esses perigos e trabalhos também se sujeitava por sua vez, pintando à sombra do seu chapéu de campo, que rutilava ao sol, a abrir no verde da folhagem uma nota branca e vibrante. Outras vezes, nos píncaros dos rochedos armava o seu cavalete e, horas e horas, lá se quedava sem sentir os raios causticantes do sol, sem ouvir o ruído do mar que, embaixo, na grande praia, batia compassadamente, nem o estridular constante das cigarras nas moitas abrasadas da restinga.
    
GRUPO GUANABARA. Grupamento de artistas surgido em 1948 em torno a Fukushima, que no Largo Guanabara, em São Paulo, mantinha uma oficina de molduras e seu ateliê de pintura. A maior parte dos seus integrantes moravam na Vila Mariana e se reuniam amiúde para pintar paisagens nas imediações da cidade. De acordo com o crítico Ibiapaba Martins, o Grupo Guanabara representava "o resultado de um esforço conjugado para se reunirem, pintarem, viajarem e, juntos, trocarem idéias sobre os objetivos conquistados. Não se nivelavam numa mesma escola, em idênticas tendências, não procuravam justificar na prática as linhas gerais de uma corrente - eram simplesmente artistas que acreditavam no trabalho e o julgavam mais produtivo quando somados os esforços de uma equipe".
Os componentes do Grupo Guanabara foram, além do próprio Fukushima, Takaoka, Tamaki, Tomoo Handa, Tanaka, Suzuki, Higaki, Massuda, Jorge Mori - todos nascidos no Japão, ou de ascendência japonesa -, e ainda Arcangello Ianelli, Marjô, Harmand e Alzira Pecorari. Muitos dos artistas nipo-brasileiros pertenciam, também, ao Grupo 15, ou do Jacaré, criado no mesmo ano de 1948 em torno a Takaoka, e por esse motivo o Grupo Guanabara pode até certo ponto ser considerado um desdobramento do Grupo do Jacaré.
O Grupo Guanabara chegou a organizar cinco exposições coletivas, a primeira em 1950, e a última, em 1959, com a participação dos membros originais, e mais de Wega, Manabu Mabe, Ismênia Coaracy, Vicente Mecozzi, Francisco Cuoco, Sofia Tassinari, Ernestina Karman, Mari Yoshimoto, Norberto Nicola, Oswald de Andrade Filho, Thomaz Ianelli e Tomie Ohtake, entre outros.
Historicamente, o Grupo Guanabara pode ser considerado o último grupamento de artistas ocorrido em São Paulo, pondo fim a uma tendência gregária iniciada na década de 1930.
    
GRUPO NEO-REALISTA DO RIO DE JANEIRO. Grupamento artístico de efêmera duração, formado no Rio de Janeiro em meados da década de 1960 e integrado por Antonio Dias, Rubens Gerchman, Roberto Magalhães, Pedro Geraldo Escosteguy e Carlos Vergara. O grupo realizou uma única exposição, em maio de 1966 na Galeria G-4 do Rio de Janeiro, e tinha em Antonio Dias uma espécie de chefe. A despeito das diferenças de personalidade, é certo que os seus cinco integrantes influenciaram-se reciprocamente, sem abdicarem de suas características próprias, cada qual tomando pouco depois rumo próprio.
    
GRUPO REX. Fundado em 1966, em São Paulo, e integrado por Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Geraldo de Barros - que eram seus principais articuladores - e ainda por três jovens alunos de Duke Lee: Carlos Fajardo, José Resende e Frederico Nasser. O Grupo dispunha de um local para exposições - a Rex Gallery & Sons - e mesmo de um periódico de divulgação - o Rex Time, e funcionava como uma espécie de cooperativa de artistas. Durou somente até 1967, quando, após levar a efeito um grande happening, encerrou suas atividades - caracterizadas, sempre, pelo tom irônico e pela irreverência.
     
GRUPO RUPTURA. Criado em São Paulo, em 1952, e constituído por Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Valdemar Cordeiro, Kazmer Fejer, Leopoldo Haar, Luís Sacilotto e Anatol Wladislaw. Em manifesto publicado no catálogo de sua exposição no MAM de São Paulo, os integrantes declaravam-se contrários a "todas as variedades e hibridações do Naturalismo", bem como à "mera negação do Naturalismo". Situavam-se ainda contra o "Não-Figurativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a mera excitação do prazer ou do desprazer", e adotavam posição favorável a todas as experiências "que tendam à renovação dos valores essenciais da arte visual - espaço-tempo, movimento e matéria". Negavam a intuição, proclamando ser a arte um tipo especial de conhecimento, acima da opinião, e dedutível de conceitos.
O Grupo Ruptura, que realizou apenas a exposição de 1952, teve em Valdemar Cordeiro o seu principal teórico.

GRUPO SANTA HELENA. Pintores de parede por profissão, mas, na raras horas de folga, cheios de veleidades artísticas que extravasavam em pinturas de cavalete, Rebolo Gonzales e Mário Zanini ganhavam já o suficiente, em meados da década de 1930, para manterem alugadas as salas 231 e 233 do decadente (e hoje demolido) Palacete Santa Helena, situado na Praça da República, nº 43, em São Paulo, onde mantinham escritórios que serviam ao mesmo tempo de depósito e de ateliê. Não muito longe dali, no nº 41 da Rua 11 de Agosto, num quarteirão já demolido também, ficava a Escola Paulista de Belas Artes, cujo curso livre de desenho ambos freqüentavam à noite. Foi nesse curso que travaram conhecimento com outros pintores proletários, como Volpi, Graciano e Manuel Martins, logo se estabelecendo entre todos uma franca camaradagem, que os levaria a freqüentes reuniões no Palacete para conversarem sobre pintura, praticarem o desenho ou o modelo vivo. Foi assim que nasceu, sem nenhum programa ou teoria, o Grupo do Santa Helena, pouco a pouco engrossado com a adesão de outros pintores, como Pennacchi, Bonadei, Rullo, Rizzotti e Humberto Rosa. Vale a pena enfatizar que, com exceção de Bonadei, Zanini e Rizzotti, todos eram autodidatas.    
GRUPO VANGUARDA. Integrado por artistas que entre 1958 e 1966, quando se dispersou, foram os responsáveis pela renovação das artes plásticas em Campinas (SP). Seu manifesto era assinado por Alberto A. Heinzl, Alfredo Procaccio, Edoardo Belgrado, Franco Sacchi, Geraldo Jürgensen, Geraldo de Souza, Maria Helena Motta Paes, Mário Bueno, Raul Porto e Thomaz Perina. Muitos deles já tinham tomado parte em setembro de 1957 da I Exposição de Arte Contemporânea no saguão do Teatro Carlos Gomes, na mesma cidade de Campinas. A mostra inaugural ocorreu a 29 de junho de 1958, num espaço improvisado no andar térreo do Edifício Catedral, em Campinas. Reforçado mais tarde por novos valores, como por exemplo Bernardo Caro em 1964, o Grupo realizou 25 coletivas, a última em outubro de 1966 na Galeria Aremar, com a participação de Maria Helena Motta Paes, Bernardo Caro, Franco Sacchi, Geraldo Jurgensen, Geraldo de Souza, Mário Bueno, Raul Porto e Thomaz Perina.

H

HARD-EDGE. Expressão cunhada pelo crítico norte-americano Jules Lansner em 1958 para caracterizar pinturas de um grupo de artistas de Los Angeles que utilizavam formas bem delimitadas e cortes chapadas. Por extensão, passou a designar qualquer pintura abstrata com tais características. No Brasil, Arcangelo Ianelli, por exemplo, tem produzido pinturas hard-edge.

HIPER-REALISTA, Pintura. Tendência pictórica que se manifestou inicialmente nos Estados Unidos da América, em começos da década de 1960, espraiando-se em seguida por vários outros países ocidentais - o Brasil inclusive. É, como o indica o nome, um tipo de Realismo em que a realidade é ultrapassada por sua própria representação. Caracteriza-se pela reprodução ou duplicação tanto quanto possível objetiva - isto é, sem deformações ou subjetivismos -, das formas, cores e texturas dos seres e das coisas, no seu todo ou em detalhes, só que numa escala grandemente ampliada, mediante a utilização de suportes de inusitadas dimensões. O colorido é uniforme, a pincelada lisa, e a técnica, de extrema precisão, extravasada num desenho não raro obtido com auxílio de expedientes mecânicos, como projetores de imagens. É justamente essa reprodução a frio de uma realidade grandemente ampliada que dá a dimensão hiper-realista a uma pintura. Nos seus melhores exemplos, a pintura hiper-realista possui intenção critica, de vez que denuncia a decadência e a desumanização progressivas da arte.
Entre os pintores que, no Brasil, podem ser em grau maior ou menor aproximados da tendência, devem ser citados Glauco Rodrigues, Glauco Pinto de Morais, Sepp Baendereck, Armando Sendin, Luís Gregório Correa, Lourenço e alguns outros, a partir da década de 1970.

I
IFAG. Sigla do International Fractal Art Group (Grupo Internacional de Arte Fractal), organizado em São Paulo pelo escultor Domenico Calabrone e pela teórica Dalva de Abrantes em começos da década de 1990 e integrado por artistas de várias nacionalidades e diferentes linguagens, trabalhando individualmente em obras de criação exclusiva, fieis à estética da Arte Fractal porém sem recorrer a soluções proporcionadas pelas equações fractais computadorizadas. São integrantes do IFAG, além dos mencionados Domenico Calabrone e Dalva de Abrantes, os artistas plásticos Deodato Buitkovic, Jesper Nergaard, Frans Krajcberg, Sonia von Brusky, Maria Bonomi e Walter Azevedo, os arquitetos Paolo Portoghesi e Marcia Holland, os músicos Julio Medaglia e Marcus Vinicius de Andrade, a fotógrafa Chiara Samugheo, o poeta René Palacios More e o cineasta Pino Pinori.

IMPRESSIONISMO NO BRASIL. Nos primeiros anos do Séc. XX alguns pintores brasileiros, Visconti à frente, criaram obras segundo a estética impressionista, ou neo-impressionista. A introdução desses estilos entre nós fez-se portanto tardiamente, num momento em que em França já as primeiras pinturas fauves e cubistas faziam sua aparição. Mesmo assim, representou um avanço considerável sobre o rançoso academicismo que então se praticava no País, a tal respeito sendo oportuno reproduzir as palavras que no romance Mocidade morta, de 1899, Gonzaga Duque põe na boca de um de seus personagens:
- A arte de pintar está paralisada neste país, enfezou nos cueiros. Enquanto ela, na Europa, se serve de uma técnica vigorosa, possui todos os segredos da refração da luz, do prisma solar; todos os recursos da química, que lhe dão a transparência das tintas, a segurança dos valores, a límpida simplicidade dos tons, aqui continuamos nos arcaicos processos onânicos da pintura friccionada, esbatida e raquítica, sem nervos, sem sangue, sem alma! É uma masturbação à blaireau.
Quando se leva em conta, porém, que fora da França o Impressionismo só obteria o nihil obstat dos pintores mais ou menos pela mesma época em que se viu aceito no Brasil, vê-se que a contribuição de Visconti, Rafael Frederico, Lucílio de Albuquerque, Carlos Oswald e alguns mais não foi assim tão extemporânea. Mais ou menos da idade de Visconti eram, por exemplo, muitos dos precursores não-franceses do Impressionismo em seus respectivos países: o italiano Plinio Nomellini (1863-1943); o alemão Max Liebermann (1867-1935); o russo Valentin Serov (1865-1911); o canadense James Wilson Morrice (1865-1911), que Somerset Maugham tomou como modelo para o personagem central, Cronshaw, de Of Human bondage; o mexicano Joaquín Clausell (1866-1935); o argentino Martin Malharro (1865-1911). Mais moços até do que Visconti, e praticando o Impressionismo à francesa, ou mesclado a outras tendências e estilos europeus ou locais foram, entre muitíssimos outros, o belga Henri Evenepoel (1872-99), o alemão Max Slevogt (1868-1932), os uruguaios Pedro Blanes Viales (1879-1926) e Miguel Carlos Victorica (1884-1955), o argentino Fernando Fader (1882-1935) e o venezuelano Armando Reverón (1889-1954).
Visconti não foi certamente o primeiro impressionista latino-americano, primazia que cabe talvez ao venezuelano Emilio Boggio (1857-1920), aluno de Henri Martin e amigo de Pissarro e Sisley, ou ao também venezuelano Rojas (1858-98), ou quem sabe ao argentino Eduardo Sivori (1847-1918), três já impressionistas na última década do Séc. XIX; mas foi, sem dúvida, dos primeiros pintores latino-americanos a incorporarem recursos impressionistas à sua palheta, adaptando-os a circunstâncias locais e pessoais.
Por volta de 1914, no Brasil e em toda a América Latina, muitos eram os pintores que praticavam algum tipo de Impressionismo, embora poucos tivessem, do estilo, noção adequada. Por outro lado, ainda havia quem, naquele momento, encarasse como extremamente ousada a solução pontilhista utilizada por Visconti nas decorações do foyer do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, iniciadas em 1913.

Eliseu Visconti, Carrinho de criança, óleo s/ tela, 1916;
0,66 X 0,81, Museus Castro Maya, RJ.

Eliseu Visconti, No jardim, óleo s/ tela, s/ data;
0,47 X 0,61, Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, RJ.

INFORMAL, Pintura. Pintura não-figurativa caracterizada, no que respeita à sua organização, pela inexistência de qualquer rígido esquema formal e que enfatiza, inversamente, a cor, ou a matéria. Característica do informalismo é a importância concedida ao próprio ato de pintar, considerado em si mesmo e não como gesto gerador de conseqüências - no caso, a pintura. Alguns pintores informais nem sequer utilizavam pincéis ou, quando os usavam, não os faziam correr pela superfície pictórica, antes salpicando-a com borrifos e respingos de tinta, de modo aleatório. O resultado final eram grossos empastes de pigmento acumulados sobre o suporte, ou então pingos e escorridos não intencionais, que o artista aceitava como parte integrante de seu trabalho.
Os pintores informais surgiram em meados da década de 1950, na Europa e nos Estados Unidos, e em breve se tornaram numerosíssimos em todo o mundo ocidental, até pela extrema facilidade técnica que esse tipo de pintura oferecia. A tendência atingiu também em fins da década de 1950 e começos da seguinte o Brasil, onde a praticaram com maior ou menor constância e com variáveis graus de qualidade pintores como Laszlo Meitner, Yolanda Mohalyi, Danilo di Prete, Sheila Brannigan, Pietro Nerici, Alberto Teixeira, Franz Krajcberg, Maria Polo, Anatol Wladislaw, Wega, Inimá, Teresa Nicolau, Benjamin Silva, Antônio Maia, Carmélio Cruz, Loio Pérsio, Iberê Camargo, Carlos Magano e muitíssimos outros.

Franz Krajcberg, Vaso com flores, óleo s/ tela, s/ data;
0,45 X 0,46, Palácio Bandeirantes, SP.

INGÊNUA, Pintura. Também chamada primitiva, íncita, genuína ou instintiva - sendo algumas dessas denominações francamente equivocadas, e outras ou incompletas ou ambíguas -, a pintura ingênua é aquela praticada por artistas sem formação acadêmica ou profissional, autodidatas originários das camadas mais humildes da população, os quais, após terem exercido durante boa parte da existência modestos ofícios via de regra baseados na habilidade manual, chegaram tardiamente e por vias indiretas à expressão artística, por força de uma irreprimível necessidade ou vocação. Situados à margem da cultura pictórica e do desenvolvimento espiritual de sua época, os pintores ingênuos - por vezes chamados Mestres Populares da Realidade, Mestres Barrocos do Folclore, Neo-Primitivos, etc. - conservaram intacto o seu mundo de idéias por assim dizer suburbano. E se, como escrevemos acima, faltou-lhes treinamento profissional, não quer isso dizer que tenham prescindido de uma aprendizagem, e nem que baseiem na incompetência o seu fazer artístico, mesmo porque alguns ingênuos, a começar pelo mais célebre deles - o Douanier Rousseau -, possuíram em alto grau o domínio artesanal da pintura.
No seu próprio entender, o pintor ingênuo é um realista que seleciona seus temas pictóricos no mundo que o rodeia e ao qual pertence; o que o diferencia dos demais realistas é que seu instinto leva-o a transfigurar a realidade, envolvendo-a numa atmosfera poética ou onírica. A esse respeito vale repetir as palavras de um dos mais admiráveis ingênuos brasileiros, Cardosinho, ao explicar seu método de trabalho:
- A arte é uma cópia da natureza. A gente copia a natureza, mas bota nela uma coisinha.
Se o Cubismo valorizou a escultura da África Negra e o Expressionismo a arte do Pacífico Sul, coube ao Surrealismo colocar em voga a arte infantil, a arte dos doentes mentais e sobretudo a pintura ingênua. Nesse sentido, e mesmo sem ignorar que pintores ingênuos existiram pelo menos desde a Revolução Industrial, deve-se reconhecer que a pintura ingênua é um fenômeno do Séc. XX.
Formalmente, a pintura ingênua caracteriza-se pelo desenho minucioso, pela ênfase na descrição dos detalhes, pela bidimensionalidade e pela paleta naturalmente reduzida, na qual umas poucas cores vivas são empregadas intuitivamente, em contrastes não raro violentos. Desenho minucioso e enfático dos detalhes - todas as folhas de uma árvore, todos os rostos de uma multidão, todos os tijolos de um muro, e assim por diante; bidimensionalidade - porque, ignorando a possibilidade da representação da terceira dimensão no plano bidimensional da pintura, os ingênuos lançam mão de expedientes que curiosamente os aproximam dos cubistas, em esquematizações que os levam a representar os vários ângulos de um rosto ou de uma casa, por exemplo, em despojadas imagens justapostas; paleta enfim reduzida, com a utilização dos valores cromáticos puros, sem gradações de intensidade.
É claro que existem, ao lado dos ingênuos autênticos, muitos falsos ingênuos, que logram penetrar pela porta dos fundos no mundo das artes; como existem também artistas de sólida formação profissional que deliberadamente se utilizaram em suas pinturas de uma atmosfera só aparentemente ingênua - caso, por exemplo, de primitivistas como Guignard, Cícero Dias ou Pennacchi, em certo momento de suas carreiras.
Uma relação dos principais ingênuos brasileiros incluiria, entre muitos outros nomes, os do já citado José Bernardo Cardoso Júnior, mais os de José Antônio da Silva, Heitor dos Prazeres, Paulo Pedro Leal, Júlio Martins da Silva e Francisco Domingos da Silva.

Tarsila do Amaral, Religião brasileira, óleo s/ tela, 1927;
0,75 X 0,62, Palácio Bandeirantes, SP.

Heitor dos Prazeres, Praça XV, Rio de Janeiro, óleo s/ tela, 1965;
Museus Castro Maya, RJ.

Djanira da Mota e Silva, Três Orixás, óleo s/ tela, 1966;
1,29 X 1,93, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

M
MINIMALISMO. Tendência que se manifestou na pintura e na escultura norte-americanas em princípios da década de 1960, o Minimalismo - que alguns críticos fazem derivar do Suprematismo de Malevitch - buscou desvencilhar a arte de tudo quanto significasse "emoção", "beleza", "textura", "talento", "composição", "decoração", "plasticidade", "sentimento", "virtuosismo técnico", etc. encarados como intervenções "arbitrárias" do artista , reduzindo-a a um mínimo esquema formal e cromático, que eliminava a própria interferência manual. Reagia contra o subjetivismo e o romantismo do Abstracionismo Expressionista e punha em circulação não "obras de arte", mas "fatos" que o espectador podia interpretar livremente sem ser induzido pelo autor. Esse confronto entre a obra minimalista e o espectador levou a que aquela assumisse com freqüência grandes dimensões, impondo-se pela monumentalidade e mesmo teatralidade.
O Minimalismo chegaria também ao Brasil, nos começos da década de 1970, repercutindo na produção de pintores como Antônio Dias, Eduardo Sued, Adriano de Aquino, Carlos Fajardo, Ronaldo do Rego Macedo e Cássio Michalany, entre outros.

MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA. Grupo de artistas e de artesãos franceses que, sob a liderança de Joachin Lebreton, chegou ao Brasil em 1816, com a finalidade de organizar o ensino das artes e dos ofícios no país, fixando-se no Rio de Janeiro, então sede da monarquia.
As circunstâncias em que a chamada Missão Artística Francesa veio ter ao Brasil são ainda obscuras: segundo a tradição, a iniciativa de formá-la deveu-se ao Marquês de Marialva, acatando uma sugestão do Barão de Humboldt. Depois de ter obtido a anuência do Conde da Barca, Ministro dos Assuntos Estrangeiros de Dom João, o marquês teria convidado os franceses a embarcarem para o Rio de Janeiro, em vantajosas condições financeiras. Versão mais recente e decerto mais próxima da verdade sustenta, contudo, terem os integrantes da Missão buscado no Brasil refúgio político. O pesquisador Donato Melo Júnior chegou a localizar uma carta de Nicolas-Antoine Taunay à Rainha de Portugal, rogando-lhe que persuadisse Dom João a contratá-lo, e a seus companheiros, para lecionarem no Rio de Janeiro. Só o desfavor político em que tombara justificaria com efeito a viagem do artista, já sexagenário, a um país longínquo e desconhecido. Por outro lado, os termos da carta régia de 12 de agosto de 1816 em que Dom João finalmente aquiesce na vinda dos franceses não deixam dúvida de que a Missão não foi convidada a vir ao Brasil, mas sim, muito ao contrário, se ofereceu para vir: na missiva, Dom João afirmava desejar " aproveitar desde já a capacidade, habilidade e ciência de alguns estrangeiros beneméritos, que têm buscado a minha real e graciosa proteção", e lhes fazia "mercê para a sua subsistência" de um estipêndio. Isso explica também, em grande parte, a má vontade manifesta com que os artistas brasileiros e portugueses radicados no Brasil receberam Lebreton e seus companheiros, que a seus olhos não passavam de estrangeiros intrometidos.
Convidados ou não, o fato é que a 26 de março de 1816 desembarcavam, na Baía de Guanabara Joachin Lebreton, chefe da Missão, antigo secretário da classe de Belas Artes do Instituto de França demitido por questões políticas quando da ascensão ao trono de Luis XVIII; Nicolas-Antoine Taunay, pintor de gênero e de batalhas, membro do Instituto; Jean-Baptiste Debret, pintor de história; Auguste-Henri-Victor-Grandjean de Montigny, arquiteto; Auguste-Marie Taunay, escultor; Charles Simon Pradier, gravador; Sigismund Neukom, compositor; e ainda artífices, como François Ovide, mecânico; Nicolas Enout, serralheiro; Jean-Baptiste Level, ferreiro; Pilité e Fabre, curtidores; Louis-Joseph e Hippolyte Roy, carpinteiros; além de Pierre Dillon, secretário de Lebreton na administração.
É difícil entender a composição desse conjunto, que incluía desde o grande pintor Taunay ao obscuro curtidor de peles Pilité; decerto, a idéia original que norteara a vinda dos franceses fora a fundação de um Liceu de Artes e Ofícios, mais que de uma Escola de Belas Artes - o que explica o título primitivo do estabelecimento de ensino criado a 13 de agosto de 1816: Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios. A idéia primeira evoluiu, como se depreende dos diferentes nomes dados sucessivamente à instituição: Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, Academia das Artes, Academia Imperial das Belas Artes e, em 1826, Imperial Academia e Escola de Belas Artes.
Essas alterações demonstram também as grandes dificuldades com que a Missão Artística se deparou no Brasil, dificuldades que iriam aumentar mais ainda com a morte de Lebreton em 1819 - quando o pintor português Henrique José da Silva assumiu a direção da Academia por indicação do seu protetor, o Barão de São Lourenço. Este tornara-se Ministro dos Assuntos Estrangeiros em 1817, com a morte do Conde da Barca, e ao contrário do seu antecessor favorecia seus compatriotas, e não os franceses.
A oposição que Henrique José da Silva moveu aos artistas da Missão fez com que Nicolas-Antoine Taunay regressasse em 1821 à França; já Debret, mais obstinado, permaneceria no Brasil por mais dez anos, até ver concretizados todos os seus planos para o ensino artístico no Brasil. Chegaria a formar bons discípulos, e se tornou a verdadeira alma da Missão, a qual, não fora por sua pertinácia, certamente teria redundado em completo malogro. Com efeito, nomeado lente de Pintura Histórica em 1820, teve de esperar três anos para que lhe cedessem um ateliê onde reunir seus discípulos; e só em 1827 viu a Academia funcionar normalmente, com 38 alunos matriculados, dos quais 21 na classe de Pintura. Foi ainda a Debret que se deveu a primeira exposição pública de arte realizada no Brasil, aberta a 2 de dezembro de 1829 na Imperial Academia, com 115 obras, 33 de autoria de professores e as demais 82, de alunos.
Os defensores da Missão Artística de 1816 apregoam que, quando chegaram ao Brasil Lebreton e seus companheiros, a arquitetura e a arte brasileira estavam estagnadas ou em decadência. Mas isso não é propriamente correto, pois em começos do Séc. XIX viviam ainda, e produzindo, alguns dos mais notáveis artistas brasileiros de todos os tempos, como os pintores Ataíde, Franco Velasco, José Teófilo de Jesus e Manoel Dias de Oliveira Brasiliense (Ataíde, aliás, solicitaria em vão a Dom João, em maio de 1818, a criação de uma classe de Pintura e Arquitetura na cidade mineira de Mariana, já que um mês antes recebera o atestado de professor dessas disciplinas). À carreira da maior parte desses artistas luso-brasileiros de princípios do Oitocentos a vinda dos mestres franceses iria pôr fim: Manuel Dias de Oliveira Brasiliense, por exemplo, que mantinha no Rio de Janeiro uma freqüentada aula de Pintura e Desenho e que fora no Brasil o primeiro a ministrar o ensino do nu, retirou-se para Campos após ter abandonado toda atividade artística, desgostoso por não ter sido aproveitado entre os professores da recém-fundada Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios.
Outra das vantagens apregoadas pelos apologistas da Missão é que ela veio dar fim à fase empírica da arte brasileira e iniciar a fase metodológica: como disse um historiador, "deixando de lado tudo quanto provinha de Portugal e o que fora feito até então no Brasil, ela dá ao ensino artístico uma orientação pedagógica". A não ser por um fundo sentimento antilusitano, compreensível num momento que acabara de presenciar a Independência, não se concebe esse repúdio às coisas portuguesas ou ao que fora feito em tempos coloniais. Por outro lado, o ensino metodológico, se impôs ao empirismo até então vigente, e que não era outra coisa senão o velho sistema da aprendizagem artística em oficinas adaptado às circunstâncias e com as limitações do meio, acabaria por academizar a arte brasileira, que perdeu sua espontaneidade e sua qualidade maior de ingenuidade.
A Missão Artística Francesa teve mais importância pelo valor de alguns dos seus membros do que pelos métodos de ensino que chegaria a impor. Nem estilisticamente inovou, pois os postulados neoclássicos em que se estribavam seus integrantes eram praticamente os mesmos em obediência aos quais Antonio José Landi trabalhara no Pará ainda em fins do Séc. XVIII; de resto, neoclássico era também, em última análise, o pintor Brasiliense, cuja carreira, como foi dito acima, a chegada da Missão encerrou.
Corpo estranho introduzido no cerne da arte brasileira, a Missão Artística Francesa teria de motivar reações apaixonadas por parte dos artistas luso-brasileiros, que por ela se viram discriminados. Não se deve esquecer de resto serem essa arte e esse gosto franceses impingidos ao povo, como aliás tudo o mais, inclusive a Constituição de 1824. É possível, aliás, que após o impulso inicial que o levou a importar Lebreton e seus companheiros, Dom João tenha percebido o mal-estar que essa sua medida causara e tentado mitigá-la pela nomeação de um português para a vaga aberta pela morte de Lebreton na direção da Academia: como escreveu José Mariano Filho, o que o Barão de São Lourenço pretendeu, e conseguiu, ao nomear Henrique José da Silva, "foi dar uma ducha de água fria na ditadura artística chefiada por Lebreton, a princípio, e depois, pelos ilustres artistas Nicolas e Augusto Taunay. Encontrando resistência por parte dos artistas franceses, Henrique Silva lhes embaraçou perversamente o exercício do professorado, para gáudio dos artistas brasileiros, que com ele confraternizaram".
Com a Missão Artística Francesa o que se logrou foi a substituição de um tipo de colonialismo cultural a que já se acostumara o povo por outro colonialismo cultural, mais sofisticado, decerto, mas ainda estranho à índole desse mesmo povo. Por isso tem razão mais uma vez José Mariano Filho, quando assim explica as causas do repúdio às novas idéias artísticas postas em circulação pelos franceses no Brasil de começos do Séc. XIX:
- Que vinha essa gente fazer aqui? Ensinar pintura, escultura, desenho, arquitetura e gravura. A quem?, perguntava o povo intrigado. Alguns, mais sabidos, respondiam, sem pestanejar: aos fidalgos. Sim, só podia ser aos fidalgos, ao Rei e à sua Corte. As necessidades elementares do povo não haviam sido atendidas, apesar da intervenção solícita de alguns vice-reis amigos do Brasil. Para o aterro do Boqueirão da Ajuda - charco imundo encravado no burgo abandonado - Luís de Vasconcelos e Sousa, benemérito benfeitor da cidade, não contara com a ajuda do Reino. O estado sanitário era péssimo. A febre amarela e o impaludismo eram flagelos endêmicos. Por que não tinha sido essa Missão enviada a Portugal? O povo desconfiava, com razão, do interesse descabido do Senhor Dom João em favor da arte de um país analfabeto.

Auguste H. V. Grandjean de Montigny, sem título, aquarela, 1808;
0,41 X 0,30, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

Jean Baptiste Debret, D. João VI, óleo s/ tela, 1816;
0,62 X 0,53, Museu Histórico Nacional, RJ.

Jean Baptiste Debret, aquarela, 1822;
0,16 x 0,24, Museus Castro Maya, RJ.

Auguste Marie Taunay, Ao gênio do Brasil, fusain, s/ data;
0,83 X 0,68, Museu Imperial, Petrópolis.

MODERNISTA, PINTURA. Em sua acepção popular - de conotação depreciativa ou pejorativa -, é qualquer pintura que se afaste dos cânones tradicionais e se caracterize pela deformação, pela liberdade cromática, pela ausência de perspectiva ou por outra qualquer inovação estilística, temática ou técnica: equivale, nesse sentido, ao mesmo que pintura futurista; em senso restrito, diz-se de um tipo de pintura que, preludiado desde a década de 1910 no País, teve sua consagração na Semana de Arte Moderna de 1922 e continuaria sendo praticado até aproximadamente 1930.
O primeiro pintor modernista a atuar no Brasil foi o lituano Lasar Segall (1891-1957), que em 1913 realizou exposições em São Paulo e em Campinas. Aluno de Max Liebermann, naquela ocasião ainda guardava do mestre certos resquícios impressionistas - o que de certo modo fez com que sua mostra pioneira fosse bem recebida. Essa primeira exposição de arte não-tradicional no Brasil não teve com efeito o dom de sacudir a opinião pública, como o teria em 1917 a de Anita Malfatti (1889-1964), que estudara com Lovis Corinth na Alemanha e com Homer Boss nos Estados Unidos e já em 1914 expusera em São Paulo quadros mais comedidos, com discreto êxito. Telas como O Homem Amarelo, A Estudante Russa, A Boba ou O Japonês irritaram fundamente o meio provinciano em geral, e Monteiro Lobato em especial: esse escritor, num artigo tristemente famoso, desancou a pintora, dizendo-a motivada ou pela paranóia ou pela mistificação. Malfatti nunca mais se recuperou do ataque, acovardando-se; mas em seu socorro vieram os modernistas de primeira hora, como Mario de Andrade, que iriam transformá-la em símbolo do movimento de renovação estética que propunham ao país. Na expressão de Mário da Silva Brito, essa mostra de 1917 de Anita Malfatti em São Paulo seria o estopim do modernismo.
Cinco anos mais tarde, em fevereiro de 1922, também em São Paulo, novo acontecimento iria fazer tremer nas bases o bem comportado edifício estético paulistano e brasileiro: a Semana de Arte Moderna - uma semana de só três dias, idealizada talvez por Di Cavalcanti um pouco à maneira da de Deauville, de que lhe falara, pouco antes, Dona Marinette Prado. A Semana, que teve lugar no Teatro Municipal de São Paulo, constou de uma série de eventos culturais, inclusive de uma exposição de arte da qual participaram, além de escultores, desenhistas e arquitetos, os pintores Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), John Graz (1891-1980) e a já citada Anita Malfatti, além de outros de menor fôlego.
Emiliano Di Cavalcanti, carioca, autodidata, um hedonista, um sensual, carreou para a pintura brasileira o seu carioquismo, o seu barroquismo sensual e dengoso. Mulatista mor da nossa pintura, na expressão de Mario de Andrade, sofreu a influência do Cubismo picassiano e dos venezianos da Renascença, mas deglutiu tudo isso com facilidade, produzindo obras de valor decerto desigual, mas que em seus melhores momentos, em especial nas três décadas que vão de 1925 a 1945, elevam-se a nível altíssimo de realização estética.
Vicente do Rego Monteiro, pernambucano educado em Paris, sentiu a influência das antigas civilizações americanas, que combinou a mitos mediterrâneos e ao ideário cristão-ocidental, traduzindo, numa fatura apurada e numa arte de sólida construção, um mundo de idéias pessoal. Tendo vivido quase que até o fim da vida longe do Brasil, só nos anos que precederam imediatamente sua morte, quando se fixou primeiro em Brasília e depois em Recife, viu seu talento reconhecido.
John Graz, suíço, veio para o Brasil artista feito, casado com Regina Gomide, irmã de Antonio Gomide. Foi pintor decorativista um pouco atado, sempre, à maneira Art Déco de sua mocidade.
Referência especial merece agora Tarsila do Amaral (1886-1973), que não participou da Semana de 1922 mas que lançaria as bases de dois movimentos modernistas que conheceriam amplo sucesso: O Pau-Brasil, em 1924, e o Antropofágico, em 1928. O Pau-Brasil ocorre logo após o regresso da artista a São Paulo, depois de estudar em Paris com Léger, Lhote e Gleizes, célebres pintores cubistas; é uma descoberta do Brasil, a tentativa de captar não só o assunto brasileiro mas as cores, a atmosfera, a alma nacional, no que possui de mais pessoal. Curiosamente, Tarsila redescobre o Brasil vinda de fora quando, em companhia do francês Blaise Cendrars, realiza em 1924 uma viagem a Minas Gerais. Ela mesma escreveria sobre essa excursão anos mais tarde:
- Íamos, num grupo, à descoberta do Brasil...
Quanto ao movimento Antropofágico, desenvolvimento lógico do Pau-Brasil, seria um apelo ao subconsciente primitivo brasileiro, ao seu fundo anímico mais recôndito.
Enquanto tais acontecimentos ocorriam em São Paulo, no Rio de Janeiro ao longo da década de 1920 a presença modernista fazia-se sentir mais discretamente através da atuação de dois pintores: Ismael Nery (1900-34) e Cícero Dias (1908). Ismael, paraense, no Rio de Janeiro desde a infância, foi um imenso talento que cultivou a pintura e o desenho mas também a poesia e a filosofia, às quais emprestava de resto muito maior importância que às artes visuais. Toda a sua curta obra versa sobre a figura humana, sendo numerosíssimos os retratos de Adalgisa, sua mulher e os auto-retratos, nos quais não raro funde aos seus próprios os traços da esposa. Sofreu a influência sucessiva ou simultânea do Cubismo e do Surrealismo, e foi amigo de Chagall, quando em Paris. Foi um isolado, tanto mais que nem se considerava rigorosamente um pintor.
Quanto a Cícero Dias, pernambucano, chegado ao Rio quase menino, nunca estudou pintura, mas surpreendeu a crítica com suas ingênuas interpretações plásticas de temas nordestinos, tornando-se já na década de 1920 um pequeno Chagall tropical, indisciplinado e anárquico, mas sensível, poético e principalmente expressivo.
A partir da década de 1930, a pintura brasileira irá tomar outros rumos, e já aqui não se poderia falar a rigor de Modernismo, embora continuem em atividade todos os modernistas da década anterior - com exceção de Ismael Nery, falecido prematuramente, aos 33 anos.

Anita Malfatti, A boba, óleo s/ tela, 1917;
0,61 X 0,50, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Di Cavalcanti, Cena brasileira, óleo s/ tela, 1937;
1,14 X 1,46, Museu Nacional de Arte Moderna, RJ.

Tarsila do Amaral, Estratosfera, óleo s/ tela, 1947;
0,65 X 0,49, Palácio Bandeirantes, SP.

N
NEO-EXPRESSIONISMO. Estilo de pintura figurativa convulsiva, irracional, confessional e apaixonada que retomou na década de 1970 em diversos países ocidentais, no Brasil inclusive, a truculência do Expressionismo germânico de começos do Séc. XX. Na Alemanha, onde por motivos óbvios teve grande aceitação, os artistas que o praticaram ficaram conhecidos como Die Neuen Wilden ("Novas Feras"). O estilo receberia o nome de Bad Painting nos Estados Unidos e de Transavanguardia na Itália, derivando dessa última denominação, criada pelo crítico Achille Bonito Oliva, a brasileira de Transvanguarda.

NEOCONCRETISMO. Movimento artístico surgido no Rio de Janeiro em fins da década de 1950 como reação ao Concretismo ortodoxo. Lideraram-no teóricos como Ferreira Gullar e Reinaldo Jardim, no Rio de Janeiro, e Theon Spanudis, em São Paulo - onde a tendência repercutiu aliás fracamente.
Uma I Exposição de Arte Neoconcreta aconteceu no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1959. Participavam, além dos três elementos citados, ainda Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Lígia Clark e Lígia Pape. No mesmo dia da abertura da mostra, 22 de março, o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (dirigido por Jardim, e que seria o órgão do movimento), estampava o Manifesto Neoconcreto, assinado pelos sete expositores. Nesse Manifesto, cuja redação final deveu-se possivelmente a Gullar, dizia-se, entre outras coisas:
- A expressão neoconcreto indica uma tomada de posição em face da arte não-figurativa "geométrica" (neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, Escola de Ulm) e particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista (...) O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões "verbais" criadas pela arte não-figurativa construtiva. O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções de objetividade científica; assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura - que na linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva - são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência. Não concebemos a obra de arte nem como "máquina" nem como "objeto", mas como um quase-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica.
Como o Neoconcretismo não se limitava apenas às artes visuais, fazem parte efetiva desse movimento experiências literárias, como os livros-poemas performances, como o Balé Neoconcreto de Lígia Pape e Reinaldo Jardim e mesmo a maquete de um Teatro Integral, devida ao último.
No mesmo ano de seu lançamento no Rio de Janeiro, o Neoconcretismo foi tema de uma exposição realizada em Salvador, no Belvedere da Sé: tomaram parte os sete elementos do grupo original e mais Aluisio Carvão, Hélio Oiticica e Willys de Castro, além dos poetas Çláudio Melo e Sousa e Fortes de Almeida. A repercussão na Bahia foi suficientemente forte para que o crítico Clarival Valladares, então no começo de sua brilhante carreira, aderisse aos postulados da poesia neoconcreta, fazendo publicar alguns poemas neles estribados.
Duas outras exposições nacionais de arte neoconcreta ocorreriam ainda: em 1960 no Ministério da Educação do Rio de Janeiro, e em 1961 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, comparecendo pela primeira vez, na II Exposição, Décio Vieira, Hércules Barsotti, Osmar Dillon e Roberto Pontual, mas verificando-se por outro lado a defecção de Weissmann e de Theon Spanudis.
Essa mostra de 1961 em São Paulo foi o canto do cisne do movimento, o qual, diga-se de passagem, nunca conseguiu impor-se totalmente fora do Rio de Janeiro, sendo acerbamente criticado pelos concretistas ortodoxos paulistas, partidários da autonomia da forma em detrimento da expressão e de qualquer implicação simbólica ou sentimental.

Março de 1959, capa de Amilcar de Castro para a Exposição,
no Museu de Arte Moderna, RJ.

NIPO-BRASILEIRA, PINTURA. Localizando-se no Estado de São Paulo e em sua capital uma das maiores concentrações de japoneses e seus descendentes fora do território nacional do Japão, era compreensível que ali surgissem desde muito cedo pintores japoneses ou de ascendência japonesa, responsáveis pelo florescimento de uma pintura nipo-brasileira caracterizável pelo predomínio do não-figurativismo, pela delicadeza cromática e por sutis jogos de textura, a sensibilidade impondo-se à vitalidade e a imaginação à mera cópia do natural. Hoje é lícito afirmar-se serem japoneses natos, ou de ascendência nipônica, alguns dos mais importantes pintores do Brasil, entre eles Manabu Mabe e Tomie Ohtake, Flavio-Shiró e Wakabayashi, Fukushima e tantos outros, que alcançaram notoriedade inclusive internacional.
Um dos primeiros, senão o primeiro dos imigrantes japoneses a se consagrarem à pintura terá sido Teishuke Kumasaka, que após iniciar sua aprendizagem em São Paulo antes de 1918, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde freqüentou aulas de Henrique Bernardelli, Antonio Parreiras e Quirino da Silva, radicando-se em 1928 em Lins, no interior de São Paulo. Kumasaka funcionou como elo de ligação entre a pintura tradicional nipônica e a pintura ocidental conservadora ligada aos ensinamentos da Escola Nacional de Belas Artes, cabendo-lhe anos mais tarde iniciar os então muito jovens Fukushima e Manabu Mabe. Sua atuação não seria contudo tão profícua quanto a de outro pioneiro, Tomoo Handa, fundador, em 1935, do Grupo Seibi, que com interrupções funcionaria até 1972, revelando grande número de bons pintores oriundos da colônia. Outro notável artista entre os pioneiros foi Takaoka, ligado no Rio de Janeiro ao Núcleo Bernardelli e, em São Paulo, ao Grupo do Santa Helena. Nem deve ser esquecida a contribuição marcante de alguns artistas japoneses de passagem pelo Brasil, a começar por Foujita - no Rio de Janeiro em começos da década de 1930 -, e culminando em Kaminagai, o qual, por longos anos no Rio de Janeiro, ali orientou uma série de jovens artistas nipo-brasileiros, entre eles Flávio-Shiró.
Vai ser contudo a partir de fins da década de 1950 que a pintura nipo-brasileira irá tornar-se fenômeno de extraordinária importância, principalmente através da contribuição exponencial de Manabu Mabe. Nesse momento de predomínio do chamado abstracionismo informal era natural que os artistas nipo-brasileiros se destacassem, carreando para as suas telas atávicas lembranças apenas sugeridas, cromatismos caprichosos e crispações de matéria em líricas composições quase musicais. Numerosos artistas chegam na década de 1960, palmilhando caminhos diversos mas se integrando decididamente no cadinho cultural brasileiro. São eles Tomoshige Kusuno e Bin Kondo, Wakabayashi e Toyota, entre outros, em cuja arte se mesclam resquícios orientais e o influxo da arte internacional. Finalmente, nisseis e descendentes ainda mais jovens engrossam, nas últimas décadas, o rol dos bons pintores nipo-brasileiros, podendo citar-se, entre os primeiros, os nomes de Takashi Fukushima - filho de Fukushima - e de Yugo Mabe - filho de Manabu Mabe.
O crítico Jos Luyten tem uma hábil explicação para o florescimento dessa pintura nipo-brasileira e sua tipicidade:
- Escrever em japonês é um processo equivalente à feitura de poemas. A junção dessas letras constitui o trabalho de uma composição estética tão inerente que uma pessoa alfabetizada nessa escrita adquire automaticamente grande sensibilidade artística. De fato, as letras kanji são estilizações de figuras. E é assim que temos entre os japoneses aquela tradição já secular de estilizar o que para nós ocidentais significa perenemente moderno. Daí, consequentemente, a generalidade de tendências abstracionistas ou concretistas que notamos em nossos artistas nipo-brasileiros. Mesmo os mais acadêmicos apresentam aquele tom de leveza que indubitavelmente os caracteriza.

Manabu Mabe, Abstracionismo, óleo s/ tela, 1967;
1,81 X 2,01, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Tomie Othake, Cinza e vermelho, óleo s/ tela, 1977;
1,54 X 1,54, Palácio Bandeirantes, SP.

Flávio Shiró, Délfica, óleo s/ tela, 1963;
1,70 X 2,36, Museu de Arte Contemporânea, RJ.

Kazuo Wakabayashi, Abstração azul, óleo s/ tela, 1967;
1,11 X 2,57, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

NÚCLEO BERNARDELLI. Apesar dos esforços isolados de uns poucos pintores de orientação moderna, como Ismael Nery, Guignard, Cícero Dias e - sempre ativo entre Rio, São Paulo e Paris, Di Cavalcanti, o Rio de Janeiro, capital federal e principal centro cultural do País, em começos da década de 1930 continuava artisticamente atrelado à Escola Nacional de Belas Artes e à exposição que anualmente organizava. É verdade que alguns sopros de renovação ocorreram com a Revolução de 1930, e prova-o o fato de no ano seguinte Lúcio Costa ter podido assumir, aos 29 anos, a direção da centenária instituição de ensino, que imediatamente começou a atualizar. Os adeptos da estética passadista (que ainda predominava como um todo), terminariam porém por impor sua força, forçando a demissão do jovem diretor: a Escola retornava ao seu cômodo status quo.
Muitos jovens artistas, contudo, já não aceitavam passivamente a hegemonia estética da Escola, e por isso alguns deles decidiram organizar-se em grupo com a finalidade de se subtraírem aos ensinamentos dos velhos mestres acadêmicos e ao mesmo tempo tentar ampliar, em clima de absoluta liberdade criativa, os estreitos limites da estética estatal. A 12 de junho de 1931 era oficialmente criado o grupo, cujo nome, Núcleo Bernardelli, era uma homenagem aos irmãos Rodolfo e Henrique Bernardelli, que ainda viviam (Rodolfo faleceria quatro meses mais tarde), e que, na mocidade, tinham-se insurgido também contra o ensino acadêmico e lutado contra a estagnação da arte em seu tempo. Em depoimento prestado longos anos mais tarde, o primeiro presidente do Núcleo, Edson Motta, assim explicou os propósitos da agremiação:
- Éramos - todos os fundadores do Núcleo Bernardelli - jovens, pobres, românticos e inconformistas. Queríamos liberdade de pesquisa e uma reformulação do ensino artístico na Escola Nacional de Belas Artes e no Rio de Janeiro. A Escola constituía então um reduto de professores reacionários, infensos às conquistas trazidas pelos modernos. Queríamos a renovação do ensino das artes plásticas.
O programa do Núcleo era assim resumido por outro fundador, Jayme Pereira Ramos, falando a um jornalista da época:
- O Núcleo não tem preocupação representativa. O que ele quer é facilitar e intensificar o estudo da pintura. Modelo-vivo todas as noites, e aulas livres de Pintura, também com modelo-vivo, aos domingos, no campo.
A primeira sede do Núcleo Bernardelli funcionou no Studio Nicolas, do fotógrafo Nicolas Alagemovits, no segundo andar da Rua Alcindo Guanabara, nº 5, de onde foi em poucos meses despejada. Daí mudou-se para o porão da Escola Nacional de Belas Artes, onde já funcionavam a Sociedade Brasileira de Belas Artes e o Instituto de Engenharia e Arquitetura. A nova sede, inaugurada a 15 de novembro de 1931, fora cedida por determinação do Ministro da Educação, Belisário Pena, que acatara sugestão do Ministro da Viação, o escritor José Américo de Almeida, amigo dos artistas. Mas o corpo docente da Escola nunca viu com bons olhos os rapazes do Núcleo, e assim não admira que em mais de uma ocasião tentasse despejá-los, o que efetivamente conseguiu em outubro de 1935, depois de uma série de incidentes que culminaram com a depredação equivocada (já que o alvo verdadeiro era o Núcleo) da Sociedade Brasileira de Belas Artes por um grupo que se dizia de estudantes.
Esse segundo despejo encerrou a primeira e mais brilhante fase do Núcleo. A partir de então e até 1942, quando cessam de vez todas as atividades, o Núcleo ocuparia mais três sedes: nos sobrados do 35 e do 86 da Rua São José, respectivamente sobre a Casa Cavalier e o Café Gaúcho, e no pardieiro situado na Praça Tiradentes, nº 85. Uma segunda fase, de 1938 a 1939, sob a presidência de Quirino Campofiorito, ainda presenciaria algumas realizações, mas pouco depois começava a dispersão dos membros do Núcleo, muitos deles contemplados com prêmios de viagem do Salão Nacional de Belas Artes, enfraquecendo-se em conseqüência a entidade.
O Núcleo Bernardelli não tinha a rigor professores, porém orientadores, artistas de mais experiência, que simplesmente buscavam transmitir essa experiência aos mais novos. Não era uma escola, mas um ateliê livre ou - como estava escrito nos seus papéis oficiais e envelopes - um movimento independente de belas artes. Dispôs, todavia, de dois dedicados mentores nas figuras de Manoel Santiago e do polonês Bruno Lechowski. Santiago, premiado em 1927 com a viagem à Europa, tinha uma pintura que os moços do Núcleo apreciavam de modo especial. O artista num documento enviado à esposa, em 1934, narra como fizera o conhecimento dos jovens artistas, e se decidira a ajudá-los:
- Vi hoje na rua São José uma exposição do Núcleo Bernardelli; é uma pena que estes rapazes estejam tão mal orientados. Fazem uma goiabada da mais ordinária, pensando serem independentes e terem personalidade. Conversei muito tempo com Edson Motta, Bustamante Sá, Pancetti e outros, que me pediram para dar aulas no Núcleo, porque gostaram muito da minha pintura. Fiquei querendo bem a esta turma de barbouilleurs e penso que vou dedicar-me inteiramente a eles, pois mostram ter força de vontade e precisam de um bom amigo mais velho para fazer deles ótimos pintores. É o único meio que encontro para derrubar esta marmelada da pintura que anda por aqui com o falso nome de clássica ou moderna, quando não são senão ridículas pretensões de boas pinturas. Não conhecem o métier e por isso fazem um desenho fotográfico mecânico ou deturpam a forma aleijando o modelo para serem modernos, ingênuos. A verdadeira pintura honesta, sentida, eles não entendem.
Foram discípulos de Santiago no Núcleo especialmente Edson Motta, Bustamante Sá, Milton Dacosta, João José Rescala e Rui Campello, enquanto Pancetti, Takaoka e Tamaki sentiram influência maior de Bruno Lechowski, que os levava a pintar na praia de Copacabana e em outros recantos da cidade.
Mas não só Desenho e Pintura estudavam os rapazes do Núcleo: havia conferências avulsas, cursos de atualização cultural e palestras informais sobre os mais diversos temas. Assim, o jornal A Flamma patrocinou um curso de atualização e aperfeiçoamento que abrangia diversas disciplinas: História Universal e Português (Roberto Macedo), História do Brasil (Joaquim Ribeiro), Literatura (Paschoal Carlos Magno) e História da Arte (Luís Abreu); um dos conferencistas avulsos foi Krishnamurti, levado por Manoel Santiago.
Na fase mais atuante de sua existência, até 1935, o Núcleo organizou quatro salões. O primeiro teve lugar em junho de 1932 na sede da Sociedade Sul- Riogrande de Cultura, reunindo 141 pinturas, desenhos e esculturas. O segundo certame seria inaugurado no Liceu de Artes e Ofícios em janeiro de 1933, com o apoio do jornal A Noite e reunindo 150 obras. O terceiro Salão, aberto na Escola Nacional de Belas Artes em janeiro de 1934, Foi visitado pelo próprio Getúlio Vargas, exibia 250 obras e dele participavam, ao lado dos jovens artistas do Núcleo, artistas consagrados, como Henrique Bernardelli, Helios Seelinger, Gastão Worms, Vicente Leite, Henrique Cavalleiro e Guttmann Bicho. O último salão teve lugar em 1935, também na Escola Nacional de Belas Artes, e apresentava poucas obras face à exigüidade do espaço que lhe fora destinado. Além dos quatro salões o Núcleo também fez realizar exposições coletivas de seus integrantes, como por exemplo a que se abriu em janeiro de 1933 no Studio Eros Volusia, na Rua São José, nº 87, com a participação de Edson Motta, Bustamante Sá, Cândida Cerqueira, João José Rescala, Bráulio Poiava e Jacinto Magno Trindade.
A partir de 1939 os componentes do Núcleo começam a se destacar nos Salões nacionais e estaduais de Belas Artes; naquele ano, Edson Motta é contemplado com a viagem ao exterior do Salão Nacional, idêntica distinção recebendo Pancetti em 1941, Malagoli em 1942, Rescala em 1943 e Dacosta em 1944. Começava a dispersão que, como se disse atrás, levaria finalmente ao enfraquecimento do Núcleo e ao seu ocaso.
Cronologicamente o Núcleo Bernardelli foi o primeiro grupamento de artistas de orientação não-acadêmica a surgir no país, precedendo, inclusive, seus congêneres de São Paulo, sobre os quais talvez tenha mesmo influído seu exemplo. Ala moderada do Modernismo carioca, grandemente voltada para os problemas de técnica e de cozinha pictóricas - a ponto de três dos seus antigos integrantes terem se tornado especialistas em conservação e restauração de pinturas: Edson Motta, Malagoli e Rescala, o Núcleo Bernardelli contribuiu para a formação profissional de alguns dos pintores que mais se destacariam no panorama da arte brasileira do Séc. XX, entre eles José Pancetti e Milton Dacosta, Joaquim Tenreiro, Eugênio de Proença Sigaud, Martinho de Haro, Bustamante Sá e Takaoka.
Núcleo Bernardelli, sessão de nu, Rio de Janeiro, década de 30.

NÚCLEO ELISEU VISCONTI. Fundado em 1949 em São Luiz (MA) por artistas e intelectuais como J. Figueiredo, Floriano Teixeira, Ferreira Gullar, Luci Teixeira, Lago Burnett e Bandeira Tribuzi, com o fito de renovar o ambiente cultural da capital maranhense. Com a dispersão de seus principais elementos, que se fixaram no Rio de Janeiro e em outras cidades, cessou suas atividades em princípios da década de 1950.

O
OP ART. Forma abreviada de Optical Art, expressão inglesa que designa um movimento ou tendência iniciada na Europa e logo propagada aos Estados Unidos em começos da década de 1960. A Op Art opõe-se à harmonia estática da arte contemporânea tradicional, visando inversamente atingir um certo dinamismo que depende, muitas vezes, de estímulos visuais. Ligando-se remotamente ao Futurismo e mesmo às pesquisas cromáticas dos impressionistas desenvolvidas a partir das teorias de Michel-Eugène Chevreul, a Op Art resvalou amiúde para a mera manipulação de fórmulas e receitas. Seus críticos mais acerbos sustentam, por outro lado, não ser senão arte gráfica, porquanto a maior parte das obras produzidas dentro dos princípios da tendência podem prescindir da cor, funcionando perfeitamente em preto e branco.
A figura exponencial da Op Art foi Victor Vasarely, de origem húngara, radicado na França, podendo-se dizer que, a rigor, com ele surge e desaparece a tendência.
No Brasil, muito embora inexistam representantes típicos da Op Art, produziram obras que dependem em grande parte de efeitos óticos artistas como Ubi Bava e Israel Pedrosa, Almir Mavignier e Maurício Nogueira Lima, entre outros.

Antonio Peticov, As sete vitalidades da Criação, acrílica s/ tela, 1973;
1,10 X 2,00, coleção particular.

ORIENTALISTA, PINTURA. Aquela produzida entre cerca de 1830 e começos do Séc. XX por pintores ocidentais em países e regiões do Oriente - entendendo-se por Oriente o Levante, Líbano, Síria, Palestina, Turquia, Egito, Tunísia, Argélia, Marrocos, Arábia, Pérsia, o Iraque e mesmo a Índia, de vez que o Extremo Oriente conservou-se praticamente vedado ao homem branco até fins do Séc. XIX. Para o éssor do Orientalismo pictórico concorreram inúmeros fatores, como por exemplo a expedição de Napoleão ao Egito em 1798, as guerras de independência da Grécia contra a Turquia, a conquista da Argélia pela França em 1830, e o fascínio literário das Mil e uma noites.
Os pintores orientalistas não constituem a rigor uma escola, seduzindo-os unicamente o exotismo daquelas regiões. Sua presença é numerosa desde 1828 pouco mais ou menos até 1908 - ao longo, portanto, de oito décadas -, predominando franceses e ingleses, mas também alemães e italianos, espanhóis e artistas de outras origens.
A partir de Delacroix, que esteve em Marrocos em 1830, uma lista de orientalistas notáveis incluiria nomes como Alexandre Gabriel Decamps, Horace Vernet, Eugène Flandrin, David Roberts, John Frederick Lewis, Theodore Chasseriau, Eugène Fromentin, Félix Ziem, Edward Lear, Jean-Léon Gêrome, Alberto Pasini, Jan-Baptist Huysmans, Georges Washington, Mariano Fortuny y Marsal, Benjamin Constant, Eugène Girardet, Ludwig Deutsch, Giuseppe Signorini, Emile Bernard e Maurice Bompard.
A voga do Orientalismo atingiria também, mas fracamente, a pintura brasileira: Pedro Américo esteve em 1866 na Argélia, trazendo de volta alguns desenhos e uns poucos óleos, e Arsênio Cintra da Silva, sobretudo em pequeninos guaches, fixou, ainda antes do artista paraibano, "aquelas pitorescas cenas orientais, aquelas longas caravanas árabes percorrendo o deserto ao pôr do sol", como deles falou Gonzaga Duque em Arte brasileira.

Pedro Américo, Judith e Holofernes, óleo s/ tela, 1880;
2,29 X 1,42, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

P
PAU-BRASIL. Fase, na obra de Tarsilla do Amaral (1886-1973), que se caracteriza pela procura do assunto brasileiro, pela cor caipira e pela severa geometrização cubista. Preludiada em 1923 por pinturas como A Negra, atinge o seu pleno desenvolvimento em 1924, em obras como A Cuca (Museu de Grenoble), Morro da Favela, Carnaval em Madureira e, talvez acima de todas, EFCB, pintada especialmente para ilustrar uma conferência de Blaise Cendrars no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
A fase do Pau-Brasil consolidou-se quando da viagem efetuada a Minas Gerais pela pintora, em companhia de Cendrars, e ainda de Olivia Guedes Penteado, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Gofredo da Silva Teles, René Thiollier e, menino, Oswald de Andrade Filho. Muitos anos mais tarde, em 1939, a própria Tarsila assim evocaria essa viagem e o tipo de arte que dela resultou:
- Encontrei em Minas as cores que adorava em criança. Ensinaram-me depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado... Mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para as minhas telas: azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradações mais ou menos fortes, conforme a mistura de branco. Pintura limpa, sobretudo, sem medo de cânones convencionais. Liberdade e sinceridade, uma certa estilização que a adaptava à época moderna. Contornos nítidos, dando a impressão perfeita de distância que separa um objeto de outro.
Por volta de 1950 verifica-se na pintura de Tarsila um retorno àquela maneira pictórica de 1924, já agora externada, evidentemente, em meio a uma atmosfera diversa: é a fase a que a crítica de arte Aracy Amaral denomina de neo-Pau-Brasil, enunciada numa pintura como Fazenda (1950).
Tarsila do Amaral, E.F.C.B., óleo s/ tela, 1924;
1,42 X 1,26, Museu de Arte Contemporânea da USP.

PENSÃO MAUÁ. Nos começos da década de 1940 a modesta Pensão Mauá, que funcionava no número 73 da Rua Mauá, no montanhoso bairro de Santa Teresa, um dos mais pitorescos do Rio de Janeiro, foi palco não propriamente de um movimento, mas de importante efervescência cultural, ao concentrar notável grupo de artistas nacionais ou estrangeiros, esses tangidos pela guerra. Ali residia, desde fins da década anterior, a futura pintora Djanira, então simples modista. Djanira sublocava aposentos na pensão, e foi assim que se tornaram seus inquilinos o pintor romeno Emeric Marcier (o qual, à guisa de paga, ministrava-lhe lições de pintura), Milton Dacosta e Inimá de Paula, todos eles extremamente jovens. No subsolo o pintor japonês Kaminagai, desembarcado no Rio de Janeiro no mesmo dia do ataque nipônico a Pearl Harbour, em 1941, abrira uma molduraria, na qual trabalharam entre outros Fukushima e Flávio-Shiró, e por algum tempo também Nagasawa e Takaoka. A molduraria era, além do mais, ponto de encontro de artistas residentes nas cercanias, como o alemão Heinrich Boese, a francesa France Dupaty, o suíço Jean-Pierre Chabloz, o belga Roger Van Rogger e, já para o fim da década, a italiana Tiziana Bonazzola, que se casara com o crítico de arte Mário Barata. Presença também constante era a do escultor polonês Zamoisky, que em seu curso da Rua Marquês de Abrantes, em Botafogo, daria aulas a, entre outros, Franz Weissmann. A troca de informações, a discussão de problemas de cozinha pictórica e, em menor grau, de outros assuntos, da estética à política, dominavam o ambiente, formando uma espécie de contraponto modesto ao outro núcleo mais intelectualizado que pela mesma época também funcionou em Santa Teresa, em torno a Arpad Szenes e Vieira da Silva, no Hotel Internacional.
Emeric Marcier, Praça, óleo s/ tela, 1945;
0,65 X 0,82, Museu de Arte Contemporânea da USP.


PHASES. Movimento artístico internacional sediado em Paris e liderado por Edouard Jaguer. Em 1964, quando de uma série de mostras realizadas em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, Phases viu-se reforçado pelos artistas brasileiros. Wesley Duke Lee (que logo se afastaria), Yo Yoshitome, Bin Kondo, Odriozola, Sara Avila, Maria Carmen e Bernardo Cid. Em Paris, relacionaram-se também a Phases Flávio-Shiró e, de 1966 até sua morte em 1970, o pintor dadaísta e músico alemão Jef Golyscheff,que viveu anonimamente em São Paulo entre 1957 e 1966. No Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo teve lugar, em 1967, a mostra Grupo Austral do Movimento Phases, que reunia os artistas brasileiros pertencentes ao movimento, os quais com certa constância participaram de suas exposições no exterior.

Bernardo Cid, Integrações I, óleo s/ tela, 1967;
1,15 X 1,46, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

PERSPECTIVISTA, PINTURA. Também chamada pintura arquitetônica, ilusionistica, di sotto in sù ou em trompe-l'oeil, é aquela, executada em forros ou tetos, mais usualmente de igrejas mas também em edifícios profanos, a qual, observada de baixo para cima, suscita no observador uma ilusão espacial, ao figurar cenas da vida de Cristo, da Virgem, dos santos e dos mártires entre enquadramentos arquitetônicos em perspectiva.
Esse tipo de pintura floresceu em Roma no último estágio evolutivo do Barroco, quando tetos, cúpulas e ábsides de igrejas como que eram anulados ao toque dos pintores, para se transformarem numa antevisão do céu. Giovanni Battista Gaulli, il Baciccia (1639-1709) foi o primeiro grande representante do gênero, derivado das conquistas espaciais de Bernini e levado às últimas conseqüências pelo irmão jesuíta Andrea Pozzo (1642-1709) no teto da nave da Igreja de Santo Inácio em Roma (O Triunfo de Santo Inácio de Loyola, 1691-94). Pozzo publicou em 1693 seu tratado Prospettiva di pittori e architetti, no qual fornecia as fórmulas de como criar espaços matemáticos a partir de um dado ponto de fuga. O livro teve enorme repercussão, principalmente no Norte da Europa mas também em outras regiões do Continente.
Em Portugal, a nova pintura ilusionística já era conhecida em 1710, quando o florentino Vincenzo Bacherelli (1682-1745) concluiu um teto em perspectiva no saguão de entrada do Mosteiro de São Vicente de Fora. Continuaria sendo praticada pelos continuadores de Bacherelli, como Antônio Lobo, Jerônimo de Andrade, Antônio de Pimenta Rolim, Antônio Simões Ribeiro e Vicente Nunes, os dois últimos coautores da decoração dos tetos de três salões na Biblioteca de Coimbra (1723-24). Emigrando para o Brasil em 1735, Simões Ribeiro radicou-se em Salvador, onde no mesmo ano realizou a pintura perspectivista da abóbada da capela-mor da Igreja da Santa Casa da Misericórdia, que se perdeu, e se tornando o iniciador do gênero na Bahia, preludiando Domingos da Costa Filgueiras, José Joaquim da Rocha, José Teófilo de Jesus e Antônio Joaquim Franco Velasco.
Mas não foi Antônio Simões Ribeiro o autor do primeiro teto ilusionístico feito no Brasil: precedeu-o Caetano da Costa Coelho, que entre 1733 e 1736 realizou a pintura do teto da capela da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no Rio de Janeiro, representando Cristo Ressuscitado com a Virgem Maria, São Francisco e anjos.
Os melhores tetos perspectivistas brasileiros são de elaboração relativamente tardia: os de São Pedro dos Clérigos em Recife, obra de João de Deus Sepúlveda (1764-68), Nossa Senhora da Conceição da Praia em Salvador, trabalho de José Joaquim da Rocha (1774), e São Francisco de Assis em Ouro Preto, pintado por Manoel da Costa Ataíde entre 1800 e 1809.
Pintura na Igreja de Santo Antonio, detalhe, Santa Bárbara, MG.

POP ART. Expressão inglesa (de Popular Art) para designar um movimento que se manifestou inicialmente na arte britânica e logo em seguida na norte-americana em começos da década de 1960. Propunham-se seus adeptos "denunciar a ignomínia do modus vivendi contemporâneo" (Werner Haftrnann), para tanto utilizando as próprias sobras da civilização tecnológica e focalizando, em suas obras, os aspectos mais banais, vulgares e corriqueiros da sociedade de consumo - imagens em série de televisão, historietas em quadrinhos, rebotalhos da produção massificada, cenas de supermercados ou de publicidade, etc.
Nascida embora na Europa, a Pop Art encontraria nos Estados Unidos terreno fértil onde medrar, e nem por outro motivo ali trabalharam artistas, como Stuart Davis, Edward Hooper e Marcel Duchamp, hoje considerados pioneiros da nova tendência. A partir de 1962, quando o Museu de Pasadena organizou a mostra The New Painting of Common Objects, a Pop Art tornou-se um estilo norte-americano - a arte de Dísneyland, na expressão do crítico Martin Ries.
É claro que ecos dessa revolução estética iriam atingir também o Brasil, quando mais forte se firmava aliás a hegemonia do Abstracionismo Expressionista entre nós, em meados da década de 1960. Embora outras manifestações esporádicas de arte de vanguarda tivessem lugar no Rio de Janeiro e em São Paulo, pode-se dizer que foi com a coletiva Opinião 65 que a nova tendência fez sua aparição no país. No texto de apresentação da mostra, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, sua organizadora Ceres Franco citava, como pontos de partida da jovem arte brasileira, "o exemplo vitorioso da Pop Art americana e as realizações do Novo Realismo europeu".
Entre os artistas brasileiros que melhor se integraram no espírito da Pop Art podem ser mencionados Rubens Gerchman, Nelson Leirner, Carlos Vergara e Cláudio Tozzi.

Rubens Gerchman, A bela Lindonéia, serigrafia;
0,50 X 0,50, Museu NAcional de Belas Artes, RJ.

Claudio Tozzi, O bandido da luz vermelha, 1967;
0,95 X 0,95, coleção particular.

POPCRETO. Termo cunhado por Waldemar Cordeiro em 1964 para designar o tipo de pintura, por ele então produzido, que buscava harmonizar Pop Art e Arte Concreta, assim conciliando, num produto artístico, "coisas de consumo prático e de consumo teórico" (Max Bense). No dizer de Walter Zanini o Popcreto, "embora talvez não muito significativo no conjunto de sua produção, aparece como uma necessidade de recuperação da realidade depois de afastar-se dela completamente".
    
POPULAR, PINTURA. Capítulo importantíssimo do Folclore (do inglês folk, povo, e Lore, saber, conhecimento), a arte popular enfeixa as manifestações estéticas oriundas do saber popular, em oposição ao saber erudito que caracteriza as sociedades civilizadas. É arte eminentemente ingênua, não-acadêmica (pressupondo embora um aprendizado, geralmente transmitido de pai para filho), baseada no fazer tradicional e lidando mais com coisas concretas do que com idéias abstratas. Manifesta-se em comunidades rurais ou campesinas, isoladas mas não sem contatos com os principais centros de cultura, e uma de suas características principais deriva justamente desse isolamento: o apego ao passado, sua quase total impermeabilidade aos estilos e à moda.
Se bem que a arte popular imite ou mesmo parodie a sofisticada, não é de modo algum uma degenerescência dessa. Tem, por outro lado, papel social totalmente diverso: nas sociedades civilizadas, as Belas Artes são produzidas por indivíduos - os artistas - para uma elite que os sustenta, sendo cada obra expressão de uma complexa individualidade; quanto à arte popular, expressa os ideais, crenças, anseios e predileções de toda uma coletividade, a cujo dia-a-dia acha-se intimamente ligada, possuindo por conseguinte uma finalidade por assim dizer mais prática. O talento artístico é externado na forma de certos utensílios, na ornamentação de um objeto. Muitos dos integrantes da comunidade possuem eles próprios aptidões artísticas, embora alguns se destaquem por sua habilidade excepcional.
Regional, provinciana ou colonial, conforme os fatores geográficos, culturais ou políticos que sobre ela atuem, a arte popular, embora eminentemente tradicional, renova-se constantemente através de símbolos que, tendo perdido seus significados originais, viram-se transformados em motivos puramente ornamentais para logo em seguida adquirirem novos significados, impostos por novas experiências ou condições de vida.
No seio da riquíssima arte popular brasileira não desempenha a pintura senão papel muito discreto, se comparada à escultura, à cerâmica, às rendas, colchas e bordados, mesmo à xilografia. É dela exemplo mais significativo o ex-voto ou milagre, representação de curas sobrenaturais por interferência de Deus e dos santos, existindo ainda em escala menor figurações de cenas religiosas, em estandartes e bandeiras de procissão, ou de costumes e folguedos para festividades como o São João.

PORTINARISMO E ANTIPORTINARISMO. Em 1935, na exposição de arte moderna internacional organizada em Pittsburgh pelo Instituto Carnegie, Cândido Portinari obteve, com sua grande composição Café, uma menção honrosa. Tal distinção dada nos Estados Unidos da América a um pintor moderno brasileiro representou ao mesmo tempo a consagração do artista e o triunfo da arte moderna em nosso país. Abriu-se a partir de então para Portinari uma fase de fecundas realizações, tanto mais que o governo o cumulava de encomendas, a ponto de em certo momento ter-se ele tornado uma espécie de artista oficial do Estado Novo, tal como no campo da Música ocorria com Villa-Lobos. Claro, o patrocínio do Governo Getúlio Vargas a Portinari não podia ser visto com bons olhos pela maioria dos artistas e intelectuais. Não se discutia a qualidade e a importância da contribuição pictórica de Portinari, mas sim a admiração irrestrita e ilimitada que lhe votavam, e principalmente o apoio oficial de que usufruía, e que gostosamente aceitava.
Coube a Luís Martins, em artigo publicado em agosto de 1939 na revista Cultura sob o título "Que é isso, Mário?" interpretar o pensamento dos que se opunham ao portinarismo. No artigo dizia ele, entre outras coisas:
- Afirmei no Salão de Maio, em São Paulo, e reafirmo aqui que a tendência para se criar uma nova arte oficial está resultando na criação de tabus. E baseado na intolerância dos adeptos, acrescentei calmamente que essa mentalidade ameaça transformar Cândido Portinari num tabu. Em resposta a isso, os meus contraditores me informaram generosamente que Portinari é um grande pintor. Muito obrigado, mas eu já sabia antes deles, eu próprio já o disse por várias vezes e aproveito aqui a ocasião para repetir que tenho uma imensa admiração por ele. Não sou nem cego nem, tampouco, estúpido assim. Mas, como não tenho jeito para girl, não consigo me incorporar ao coro dos que fazem fundo da cortina em que o notável artista de Brodósqui se movimenta. Ele dá uma pincelada. O coro: oh! oh! admirável. Ele dá outra pincelada. O coro virando-se para o outro lado: ah! ah! maravilhoso. Ele pára um pouquinho para descansar. O coro: ih! ih! genial, estupendo, sublime. Cândido Portinari é um grande e autêntico pintor e não precisa naturalmente desses excessos contraproducentes de propaganda.
O artigo suscitou resposta de Carlos Drummond de Andrade, então chefe de Gabinete do Ministro da Educação Gustavo Capanema, estampada no Dom Casmurro poucos dias depois. Sustentava Drummond que o governo não vinha apoiando apenas Portinari, mas sim dezenas e dezenas de artistas, escritores e cientistas, de alguns dos quais citava inclusive os nomes, para concluir indagando:
- Poder-se-á chamar a isto "arte oficial", " literatura oficial", "ciência oficial"? Mas é a arte, a ciência, a literatura do Brasil.
Ocorre que em começos de 1940 um novo fato veio pôr nova água na fervura. Comemorando a grande exposição realizada por Portinari em fim do ano anterior no Museu Nacional de Belas Artes sob o patrocínio do Ministério da Educação e Saúde, a prestigiosa Revista Acadêmica, dirigida por Murilo Miranda, publicou um número especial consagrado ao pintor Ao que se disse na ocasião, a publicação, na qual colaboraram inúmeros críticos e escritores, fora custeada pelo Governo. Poucas semanas depois, pelo Dom Casmurro e sob o titulo de "Homenagem Municipal ", os antiportinarianos voltavam à carga. O artigo, aliás não-assinado, dizia entre muitas outras coisas:
- É necessário observar que, ao tratar tão amplamente de Portinari, a Revista Acadêmica tenha desconhecido a existência, no País, de qualquer outro pintor. Um estrangeiro que lesse essa revista chegaria à conclusão de que nós só possuímos um pintor, o qual deve ser o maior do mundo, um dos maiores de todos os tempos, etc., nada existindo, além dele, na pintura brasileira. Os autores dos artigos e notas não fazem a mais leve referência à pintura nacional antiga ou moderna. Antes de Portinari, nada. Com ele, nada. Haverá alguma coisa depois?
De todos os campeões do antiportinarismo, nenhum levaria contudo tão longe a sua desaprovação ao mestre como Oswald de Andrade, autor de um contundente artigo, "As pinturas do Coronel", também estampado em Dom Casmurro, em dezembro de 1939:
- Portinari, agora, é o Coronel Candinho, nada mais, nada menos, com capangas, moleques de cria, eleitores fanáticos, soltadores de rojão. Ninguém mais pode honestamente olhar a sua pintura, fazer este ou aquele reparo aos seus painéis, sem ser imediatamente considerado o inimigo n° 1 das artes nacionais. É bom, é ótimo, é único, está acabado. Porque é do Coronel Candinho. O seu triunfo tem que ser unânime, irretorquível e ecumênico.
Vista a uma distância de meio século, essa polêmica entre portinarianos e antiportinarianos parece-nos quase incompreensível; na época, contudo, teve considerável repercussão. Dela transpira, além da natural ciumeira tão comum no ambiente artístico, certa justificada mágoa por ter Portinari compactuado através de sua pintura com o Estado Novo e a ditadura que vigorou entre 1937 e 1945 no Brasil.

PRIMITIVA E PRIMITIVISTA, PINTURA. A denominação de pintura primitiva possui vários significados, todos mais ou menos equivocados. Assim, chama-se de primitiva a pintura e as demais manifestações artísticas dos chamados povos primitivos contemporâneos, que não são intelectualmente inferiores, apenas se acham num estágio inferior de desenvolvimento tecnológico se comparados a outros povos. Como num exame superficial essa pintura primitiva parece corresponder a culturas que operaram há milhares de anos, é provável que a designação que se lhe dá corresponda antes de mais nada a uma indicação de natureza cronológica. Chama-se também de primitiva, de modo aliás totalmente errôneo, à pintura dos povos pré-históricos, como se chama de primitiva a pintura de diversos povos europeus no início do seu desenvolvimento pictórico-primitivos italianos dos Sécs. XIII e XIV, primitivos flamengos do Séc. XV, primitivos portugueses dos Sécs. XV e XVI, etc. Nesse sentido seria aliás possível falar-se numa pintura dos primitivos brasileiros, os quais seriam nossos pintores ativos antes da chegada ao Brasil da Missão Artística Francesa de 1816, que estabeleceu entre nós o ensino artístico acadêmico.
Numa acepção mais corriqueira, nem por isso mais correta chama-se ainda primitiva a pintura dos denominados pintores ingênuos ou ínsitos, e mesmos a dos amadores, pintores-de-domingo e similares.
Quanto ao termo primitivista, designa o pintor que, dotado embora de escolaridade específica, e de mentalidade que o exclui das camadas da sociedade em que soem ocorrer os autênticos ingênuos ou primitivos, possui com essses uma afinidade temática ou estilística, que busca intuitiva ou deliberadamente. A Cícero Dias, no início de sua carreira, ninguém certamente denominaria de pintor primitivo ou ingênuo, mas sim de alguém que procurava conscientemente atingir um primitivismo indispensável para a tradução de seu mundo-de-idéias à época.
Djanira, Festa do Divino em Paraty, óleo s/ madeira, 1962;
3,14 X 4,72, Palácio Bandeirantes, SP.
José Antônio da Silva, Caboclo violeiro, óleo s/ tela,1965;
0,50 X 0,60.
Alberto da Veiga Guignard, Os noivos, óleo s/ madeira, 1927;
0,58 X 0,48, Museus Castro Maya, RJ.

PSICODÉLICA, PINTURA. Pintura que procura refletir ou representar concretamente as modificações psíquicas causadas pelo uso de alucinógenos como o ácido lisérgico. Surgiu nos Estados Unidos da América na década de 1960, geralmente associada à música de rock, e teve adeptos inclusive no Brasil, onde experiências com o LSD, controladas ou não por médicos, foram em começos da década de 1970 de praxe entre alguns artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

R
REALISMO BURGUÊS. O crítico iugoslavo Aleksa Celebonovic chama de Realismo Burguês a um estilo de pintura que floresceu após 1860 e até começos do Séc. XX primeiro em França e em seguida, com intensidade maior ou menor, em todos os países do Ocidente e obviamente também no Brasil. Esse tipo de Realismo, diametralmente oposto ao Realismo de um Courbet, manteve-se à margem dos movimentos de renovação pictórica, antes refletindo as predileções e preocupações da burguesia, então no apogeu de seu desenvolvimento histórico. O crítico observa que, durante os mais de 50 anos de vigência do estilo, ocorreu como que "uma íntima conivência entre os pintores e as classes dominantes", cabendo àqueles glorificar e dar realce aos valores, conquistas e ideais dessas, que por sua vez os sustentavam, proporcionando-lhes reconhecimento e cobertura moral e material. Examinando-se com efeito a temática, a técnica e o estilo que vigoraram naquele espaço de tempo, vê-se que diziam respeito a uma só classe social, a burguesa, e somente relacionados a ela adquirem toda a sua significação. Por isso o Realismo Burguês reflete muito mais precisamente que o Impressionismo ou outro qualquer movimento pictórico a classe média, no auge de sua prosperidade.
De modo muito geral pode-se dizer que os mestres e pequenos mestres do Realismo Burguês buscavam retomar a tradição antiga, considerando-se herdeiros e guardiães do passado; por isso concediam grande importância à técnica, revelando-se excelentes no domínio do métier. É também essa fidelidade ao passado que explica sua predileção pela forma em detrimento da cor. Todavia, no que respeita a conteúdo, as diferenças são gritantes, e mesmo quando se trata de desenvolver velhos temas, como cenas religiosas, alegorias ou retratos, os mesmos são tratados dentro de um espírito essencialmente burguês, obedientes a uma ideologia fin-de-siècle.
A estética do Realismo Burguês repousa portanto numa ética, à qual se subordina. E embora alguns artistas englobados pela tendência tivessem autêntico talento, o fato é que, como um todo, o Realismo Burguês revelou-se formalmente vazio, com seu apelo ao anedótico e ao sentimental. Mesmo assim, ou por isso mesmo, o estilo atravessou o oceano para chegar ao Brasil, onde, adaptando-se às circunstâncias, impôs-se a bom número de adeptos, até cair afinal em desuso, isso já na segunda década do Séc. XX.
Exemplo típico de Realismo Burguês, entre nós, é Arrufos, de Belmiro de Almeida, representação de uma crise conjugal. Não por outro motivo sobre ele escreveu Gonzaga Duque, em Arte brasileira, essas significativas frases:
- Ainda no Rio de Janeiro não se fez um quadro tão importante como é este. Os assuntos históricos têm sido o maior interesse dos nossos pintores que, empreendendo-os, não se ocupam com a época nem com os costumes que devem formar os caracteres aproveitáveis na composição dessas telas. Belmiro é o primeiro, pois, a romper com os precedentes, é o inovador, é o que compreendendo por uma maneira clara a arte do seu tempo, interpreta um assunto novo. Vai nisto uma questão séria - menos o de uma predileção do que a de uma verdadeira transformação estética. O pintor desprezando os assuntos históricos para se ocupar de um assunto doméstico, prova exuberantemente que compreende o desiderato das sociedades modernas, e conhece que a preocupação dos filósofos de hoje é a humanidade representada por essa única força inacessível aos golpes iconoclastas do ridículo, a mais firme, a mais elevada, a mais admirável das instituições - a família.
E pouco mais adiante:
- Um chefe de família, ainda moço e instruído, não irá suspender ao muro do seu gabinete ou da sua sala quadros de assuntos bíblicos, ou militares. A casa de família, sendo um alegre santuário de paz, não comporta o peso sanguinolento dessas cenas de guerra, dessas trágicas representações dos suplícios inquisitoriais nem a representação estúpida das solenidades oficiais. Nela, na casa de família, a mobília como tudo quanto fizer parte da decoração devem ter um caráter real e firme, devem, antes de tudo, ter um cunho de honestidade e verdade.
Exemplos de pinturas vinculadas ao Realismo Burguês são incontáveis na Belle Époque brasileira, que praticamente dominam.

Belmiro de Almeida, Arrufos, óleo s/ tela, 1887;
0,89 X 1,16, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

José Ferraz de Almeida Júnior, Saudade, óleo s/ tela, 1899;
1,97 X 1,01, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
REALISMO MÁGICO. Grupo ativo em São Paulo entre 1963 e 1966, do qual participavam os pintores Wesley Duke Lee, Bernardo Cid e Maria Cecília, o fotógrafo Otto Stupakoff, o poeta Carlos Felipe Saldanha, o compositor Sérgio Mendes e o crítico de arte Pedro Caminada Manuel-Gismondi. Segundo Pedro Manuel, teórico do movimento, sob o rótulo do Realismo Mágico trabalhavam artistas "que, embora tendo afinidades com os surrealistas, procuravam apresentar uma realidade logicamente construída, resultando o aspecto mágico da ligação de elementos reais por meio de relações intuitivas e inesperadas". De acordo, sempre, com o mesmo crítico, outro dos aspectos do Realismo Mágico "é a metáfora, que anula a diferença entre o que está dentro e o que está fora da moldura, entre o palco e a platéia no teatro, entre o autor e o público, abrindo caminho para a arte ambiental e a obra aberta. Todos os artistas ligados à magia do real - de Cencini a Berti, de Odriozola a Maria Cecília, sem falar em Wesley - experimentaram saídas para o prosaico tridimensional cotidiano, mas nem sempre realizaram assim o melhor de sua obra".

Wesley Duke Lee, Cedric, óleo s/ tela, 1964;
0,97 X 1,27, coleção particular.

REALISMO SOCIAL E REALISMO SOCIALISTA. O Realismo Social originou-se provavelmente em França com Gustave Courbet, em meados do Séc. XIX, e tem-se manifestado de quando em quando na pintura de diferentes países. Os adeptos da tendência fazem uma nítida distinção entre arte pura e arte social, denunciando aquela como alienada e irresponsável, e pretendendo demonstrar que em nenhum tempo ou lugar foi a arte uma atividade desinteressada ou desligada de suas superiores funções sociais. Enfatizam temas extraídos ao quotidiano das classes menos favorecidas da escala social - camponeses, operários, pequenos burgueses -, enfocando-os com realismo, isto é, com estrita fidelidade às formas e cores naturais, com um mínimo de deformação e abstendo-se de interpretações subjetivas que apenas falseariam a verdade, Ainda assim, emprestam a tais temas certa aura de estoicismo e grandeza, sacralizando-os, envolvendo-os em atmosfera quase mística. Predominam nas obras dos realistas sociais o desenho sobre o colorido e o conteúdo sobre a forma.
Quando porém o artista acha-se decididamente a serviço de uma ideologia cuja meta é a emancipação das massas pela cultura - uma cultura concebida especialmente para as multidões e por elas facilmente reconhecível, ao contrário da cifrada cultura "anárquica, irresponsável, individualista, formalista e decadente das civilizações alienadas e hostis" (Deinecka) -, está-se diante não mais do Realismo Social, porém do Realismo Socialista, segundo o qual a arte é uma arma contra a ignorância, a indiferença e a insensibilidade e sua função é ajudar o proletariado a tomar consciência de sua força e importância, de modo a poder cumprir o seu alto destino. Por isso os seguidores do Realismo Socialista exaltam o povo e a nação, os líderes revolucionários, as lutas e as vitórias proletárias e a fé inabalável no futuro, desprezando, inversamente, qualquer tema que não se preste à glorificação da comunidade, como, por exemplo, a natureza-morta ou o nu. O perigo com que se tem defrontado é resvalar para o sentimental e o piegas, para o simbolismo fácil, o panfleto e o academicismo.
No Brasil, sobretudo a partir da década de 1930, foram numerosos os pintores que praticaram algum tipo de Realismo Social em ao menos algum instante de sua evolução estilística, devendo mencionar-se entre eles Lasar Segall, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Portinari, Eugenio Sigaud e Clovis Graciano. Quanto ao Realismo Socialista fez sua irrupção no imediato após-guerra de 1945, alcançando seu apogeu com os Clubes de Gravura criados no fim da década no Rio Grande do Sul (e logo em outras unidades da federação), e do qual foram expoentes artistas como Carlos Scliar e Glauco Rodrigues.

Henrique Oswald, A inflação, água-forte, 1945;
0,23 X 0,32, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Eugênio Proença Sigaud, A torre de concreto, têmpera, s/ tela, 1936;
0,76 X 0,54, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

REALISTA, PINTURA. Do ponto de vista estritamente formal, aquela que reproduz a aparência das coisas - as formas visíveis - com um mínimo de deformação e de decoração, aproximando-se assim do documento fotográfico. Nesse sentido, Jantar a Bordo do Regina Margherita e Cheque Mate, ambas de autoria de Pedro Weingärtner (1853-1929) são pinturas realistas, como delas escreveu Angelo Guido, na monografia que consagrou ao artista:
- Não são precisamente obras que recomendem a pintura de Pedro Weingärtner, pois este não conseguiu sair, nas mencionadas telas, de um realismo tão rigorosamente fotográfico, que as fotografias das mesmas nos dão a impressão de que foram tiradas diretamente a bordo e não de quadros.
Do ponto de vista do conteúdo, pintura tematicamente comprometida com fatos, mais que com idéias, com a realidade mais que com a imaginação, e com o tempo presente mais que com o passado ou o futuro, debruçando-se assim sobre assuntos considerados "menos belos" ou mesmo "feios" pelo homem comum. Nesse sentido, é realista uma pintura como a Faiseuse d'Anges, do mesmo Pedro Weingärtner.

Pedro Weingärtner, La faiseuse d'anges, detalhe de um tríptico, óleo s/ tela, 1908;
1,51 X 3,51, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

REGIONALISTA, PINTURA. É regionalista a pintura que, por suas particularidades formais, temáticas ou de ambiência evidencie ter sido condicionada por características predominantes numa dada região, entendendo-se grosso modo por região uma extensão geográfica na qual se verifiquem peculiaridades culturais bem definidas. Tanto em pintura quanto em música ou em literatura, foi o Romantismo que preparou o caminho para o Regionalismo, ao valorizar o cenário local e a paisagem, as tradições populares, o patriotismo, etc. O abandono dos temas nobres, substituídos por outros mais próximos da realidade comum, seria também um dos fatores que levariam, em seu devido tempo, ao regionalismo pictórico.
A imensa extensão territorial do Brasil, que possui regiões culturais nitidamente distintas, explica a importância da pintura regionalista no País, desde pelo menos fins do Oitocentos até praticamente a atualidade. Assim, foram regionalistas em pelo menos algum momento de sua evolução pintores como o gaúcho Pedro Weingärtner e o pernambucano Teles Júnior, o carioca (por algum tempo ativo no Nordeste) Carlos Chambelland, o norueguês (ativo no Paraná) Andersen, o catarinense Martinho de Haro, o mato-grossense Humberto Espíndola e o paulista José Antônio da Silva, para ficar somente num pequeno grupo de artistas de origens, épocas e estilos bem diversificados entre si.

José Antônio da Silva, Algodoal, óleo s/ tela, 1950;
0,51 X 1,00, Museu de Arte Contemporânea da USP.

RISCADORES DE MILAGRES. Pintores de extração popular que, possuindo aptidão especial para o desenho ou a pintura mas pouca ou nenhuma formação profissional, incumbem-se da elaboração de ex-votos. Como escreveu Clarival do Prado Valladares, "o autor desses desenhos e pinturas há que ser descritivo no detalhe e expressionista na representação. Todos os objetos figurados adquirem a intenção narrativa. As cores valem em nome das emoções. Um saveiro em naufrágio é um ente que necessita ser salvo. Uma parturiente tem a barriga do tamanho da casa e a ambulância chega à porta em forma de criatura".
Compete ao riscador de milagres recriar, em imagens, a narrativa que lhe confia o cliente, o qual é também com freqüência o sujeito a quem, por interferência de Deus ou dos santos, foi concedida uma graça, em ocasião de iminente perigo.
Vários foram os riscadores de milagres que se destacaram de maneira especial, entre eles João Duarte da Silva, que se assinava Toilette de Flora, ativo na Bahia em começos do Séc. XX.

 ROMÂNTICA, PINTURA. Em sua acepção mais ampla é romântica qualquer pintura, independente da época em que foi produzida, na qual a emoção e a imaginação suplantem a razão e o intelecto. Sob esse ponto de vista atemporal é romântica tanto a pintura de Giorgione, que morreu em 1510, quanto a de Pancetti, falecido quase 450 anos depois. Em seu senso histórico, porém, são românticas as pinturas executadas a partir de fins do Séc. XVIII e por toda a primeira metade do Séc. XIX, e que obedecem aos postulados do Movimento Romântico, assim reagindo ao Neoclassicismo que dominava a arte européia desde meados do Setecentos. O início dessa reação pode ser detectado na obra de alguns escritores de fins do Séc. XVIII, como por exemplo Novalis, que escreveu:
- Emprestando ao trivial um sentido nobre, ao comum um aspecto misterioso, ao corriqueiro a dignidade do que não o é e ao transitório uma aura de perenidade, estou romantizando.
Foi também através de um escritor, Gonçalves de Magalhães, que a palavra Romantismo fez sua aparição no Brasil, em 1839. Mas o espírito romântico já então permeava a obra de muitos poetas e de alguns pintores, podendo-se afirmar que tanto Nicolas-Antoine Taunay quanto Jean-Baptiste Debret, os dois principais vultos da Missão Artística Francesa de 1816, foram artistas pré-românticos, assim como românticos foram Thomas Ender e Johann-Moritz Rugendas. Figura de proa do Romantismo brasileiro foi o pintor e poeta Manuel de Araújo Porto-alegre, cuja influência sobre a arte brasileira far-se-ia sentir de modo muito intenso através de seus ensinamentos e de sua atuação à frente da Academia Imperial de Belas Artes. Discípulo de Porto-alegre foi, por exemplo, Vitor Meireles, autor de obras de acentuado romantismo, como Primeira Missa no Brasil e Moema.
Como tantos outros estilos artísticos, o Romantismo chegou tardiamente ao Brasil, estimulado, como se viu, pela ação de certo número de artistas imigrantes. Suas conseqüências foram múltiplas. No retrato, as fisionomias dos retratados assumem aspecto melancólico ou nostálgico, enquanto seus corpos mostram-se em atitudes e poses mais simplificadas, recortando-se contra cenários paisagísticos em que a natureza aparece envolta em significados simbólicos (Retrato do Marinheiro Simão Carvoeiro, de José Correia de Lima). Surge como gênero autônomo a paisagem, não mais relegada a simples cenário de outros gêneros, mas objeto da especialização e da predileção de diversos pintores, como Félix Emile Taunay, Souza Lobo e Agostinho José da Mota. A pintura histórica alça-se a seu nível mais alto, marcada pelo sentido de grandiosidade e de monumentalidade na obra de um Pedro Américo e, com menos intensidade, na de um Vítor Meireles e na de um Zeferino da Costa. Finalmente, o Indianismo irá impor-se como tema de reflexão e de inspiração e motivará algumas obras marcantes. Nutrindo-se na tradição que vai dos canibais de Montaigne ao Bom Selvagem de Rousseau, o Indianismo faria sua aparição no Brasil através da Europa e da América do Norte, com Chateaubriand e outros escritores ou artistas europeus e norte-americanos; pois é forçoso reconhecer que pinturas como Moema, de Vítor Meireles, Iracema, de José Maria Medeiros, e mesmo Marabá e Último Tamoio, de Amoedo, acham-se mais próximos do espírito de Les Natchez, por exemplo, que do legítimo indígena brasileiro, que etnógrafos como Kari von den Steinen e Koch-Gruenberg revelariam ao mundo em sua áspera realidade.
Manuel Lopes Rodrigues, Dois véus, óleo s/ tela, s/ data;
1,94 X 1,43, Museu de Arte da Bahia.
Berthe Abraham Worms, Canção sentimental, 1904;
0,80 X 0,65, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

S
SIMBOLISTA, PINTURA. Surgido em França em 1886, visando não mais representar mas sugerir idéias, emoções e sentimentos, para tanto lançando mão de símbolos revestidos em opulenta linguagem formal, o Simbolismo repercutiu intensamente nas letras brasileiras (como o comprovam as quase 1.300 páginas do Panorama do movimento simbolista brasileiro, de Andrade Muricy), mas poucas marcas deixou em nossa pintura. Não tivemos, na verdade, senão raros pintores simbolistas - Heitor Malaguti, Maurício Jubim, Capplonch, de certo modo Helios Seelinger, antes marcado pelo misticismo germânico -, mas tivemos pintores não-simbolistas que, em certo momento de sua evolução estilística, sentiram-se marcados pelo Simbolismo e produziram obras caracterizáveis como simbolistas. Assim, Visconti (que segundo certas fontes teria chegado a conviver com Paul Gauguin em Paris em começos da década de 1890) é autor de várias pinturas nitidamente simbolistas, como Gioventú, Oréades, As Três Fases da Vida, Recompensa de São Sebastião, A Providência Guiando Cabral ou Sonho Místico; Rodolfo Amoedo, em Narração de Filetas e Jesus em Cafarnaum também se aproxima da tendência, ele que estudou, em Paris, com Puvis de Chavannes; e Despertar de Ícaro é obra simbolista, de um autor, Lucílio de Albuquerque, fortemente tocado pelos ideais da Fraternidade Rosa-Cruz, Finalmente, simbolista foi o maior critico de artes plásticas ativo nos dois decênios que vão de fins do Séc. XIX a começos do Séc. XX, Gonzaga Duque, tido aliás como o maior prosador da tendência no Brasil, ao lado de Nestor Vitor.
Oscar Pereira da Silva, Perfil de mulher, óleo s/ tela, 1930;
0,58 X 0,45, Palácio Bandeirantes, SP.
Henrique Bernardelli, Estudo para um painel do Ministério da Aviação, óleo s/ tela, s/ data;
0,55 X 0,73, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

SURREALISTA, PINTURA. Segundo escreveu André Breton no seu Manifesto de 1924, baseia-se o Surrealismo "na aceitação da realidade superior de certas formas de associação até então negligenciadas, na onipotência do sonho e no jogo desinteressado do pensamento", objetivando destruir todos os demais mecanismos psíquicos. Os artistas surrealistas efetuaram sua primeira exposição de grupo em 1925 em Paris, voltando a exibir seus trabalhos em vários ensejos, até bem avançada a década de 1960, muito embora como movimento organizado, vivo e atuante, o Surrealismo tivesse praticamente deixado de existir em 1939, com a eclosão da II Guerra Mundial.
No que diz respeito ao Brasil, não se pode afirmar que tenhamos tido pintores surrealistas, mas sim pinturas surrealistas ou - mais apropriadamente ainda - pinturas com ingredientes surrealistas. Assim, pitadas de surrealismo permeiam certas pinturas ingênuas de Cardosinho, as aquarelas da fase inicial de Cicero Dias, as pinturas e aquarelas de determinada época da produção de lsmael Nery, as colagens de Jorge de Lima, o Abaporu e outras produções antropofágicas de TarsiIa, certas assombrações de Lula Cardoso Aires, etc., merecendo referência à parte o pintor Walter Levy, nascido na Alemanha em 1905, radicado em 1937 no Brasil e que a partir de 1939 passou a praticar uma arte de nítidos contornos surrealistas, com abundante emprego de formas vegetais, minerais e animais equilibradas de modo sui-generis em meio a espaços ambíguos entre a realidade e o sonho.
Entre as demais repercussões do surrealismo no Brasil devem ser citadas a exposição Surrealismo e Arte Fantástica, organizada por Félix Labisse em 1965 no âmbito da VIII Bienal de São Paulo - com participação de numerosos artistas estrangeiros, e dos brasileiros lsmael Nery, Maria Martins e Walter Levy -, e a I Exposição Surrealista (XIII Exposição Internacional do Surrealismo), organizada em 1967 em São Paulo por iniciativa de Sérgio Lima, tendo por tema "a mãe mágica e o andrógino primordial". A mostra, preparada longamente desde 1964, apresentou trabalhos de Magritte, Yves Tanguy, Matta, Lam, Bellmer, Duchamp e outros expoentes internacionais da tendência, além de dezenas de originais de Ismael Nery. Na mesma ocasião apareceu o primeiro e único número da revista A Phala, com textos diversos e uma homenagem ao poeta Benjamin Péret, cuja presença no Brasil entre 1929-31 e novamente em 1956 era enfatizada.
Walter Lewy, Sem título, óleo s/ tela, 1965;
0,80 X 1,80, Museu de Arte Contemporânea da USP.

T
  
TRANSVANGUARDA. Vocábulo criado em fins da década de 1970 pelo crítico italiano Achille Bonito Oliva para designar, na Itália, o Neo-Expressionismo. Tem circulação internacional, do mesmo modo que seu correspondente norte-americano, Bad Painting. Vicente Kutka, Rubens Oestroem, Daniel Senise e Luís Pizarro, foram entre outros, típicos representantes brasileiros da Transvanguarda.
Daniel Senise, Sem título, acrílica s/ tela, 1984;
2,20 X 1,90, Museu de Arte Contemporânea da USP

TROPICALISMO. Movimento de curta duração originado por volta de 1967 na música popular brasileira, através da contribuição de compositores como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Da música o Tropicalismo propagou-se a outras áreas do fazer artístico, atingindo inclusive as artes visuais, sendo detectável sua influência em algumas manifestações ambientais de Hélio Oiticica, na cenografia de Helio Eichbauer (Rei da Vela, 1967) e em pinturas de artistas como Rubens Gerchman e Carlos Vergara, pesquisadores do folclore urbano. O Tropicalismo pictórico caracterizou-se pela utilização de cores "psicodélicas", com predomínio do verde e do amarelo, e pelo emprego de elementos formais identificáveis com a realidade cultural brasileira no que possui de mais óbvio - da banana ao Pão-de-Açúcar, da escola-de-samba ao papagaio. Esses temas brasileiros articulam-se porém segundo uma sintaxe internacional, na qual repercute fortemente a presença da Pop Art norte-americana. Em determinados momentos, o Tropicalismo pictórico aproxima-se epidermicamente de movimentos remontando à década de 1920, como o Antropofagismo e o Pau-Brasil de Tarsila e Oswald de Andrade.


Obscuros pintores oriundos da classe operária, quase todos imigrantes ou filhos de imigrantes, é sintomático que nenhum dos componentes do Grupo tenha jamais pertencido à SPAM ou ao CAM. Também não participaram do I Salão de Maio, de 1937: contentavam-se com o Salão Paulista de Belas Artes, dominado pelos acadêmicos, também seus costumeiros interlocutores no Café Patriarca, situado ao lado da Igreja de Santo Antônio, ponto habitual de reunião de artistas. Vivendo por conseguinte à margem do público e da crítica, não conhecendo outro estímulo que não sua férrea vontade de fazer arte, os membros do Grupo do Santa Helena seriam porém descobertos por Paulo Rossi Osir, que costumava visitá-los, tal como Vittorio Gobbis, Arnaldo Barbosa, Joaquim Figueira e outros artistas. Foi praticamente para os revelar que Rossi Osir organizou, em novembro de 1937, a I Exposição da Família Artística Paulista, da qual participaram todos os integrantes do Grupo, e ainda Malfatti, Armando Balloni, Arnaldo Barbosa, Artur P. Krug, Hugo Adami, Joaquim Figueira, Paulo Rossi Osir e Valdemar da Costa.
Essa exposição inicial não melhorou a posição dos pintores do Santa Helena junto aos modernistas, que os desprezavam por acadêmicos, e nem muito menos junto aos acadêmicos, que os tinham por perigosos futuristas... Somente a partir da II Exposição, em 1939, e sobretudo depois da publicação do célebre artigo de Mário de Andrade Esta Paulista Família (O Estado de São Paulo, 2 de julho de 1939), foi que pintores como Graciano, Volpi, Bonadei ou Rebolo começaram a ocupar o lugar a que de fato faziam jus no panorama da pintura paulista.
No artigo, Mário de Andrade punha em destaque a importância que os membros do Grupo concediam à técnica - importância que atribuía à atuação, no meio artístico de São Paulo, de Segall, Rossi Osir e Gobbis, os dois últimos, "homens capazes de conversar sobre as diferenças de pincelada de um Rafael e um Tiziano e sabendo o que é ligar uma cor à sua vizinha". Mas essa mesma preocupação pela cozinha da pintura suscitaria aos rapazes do Grupo do Santa Helena a acusação, desfechada por Geraldo Ferraz, de "tradicionalistas, defensores do carcamanismo artístico da Paulicéia, a morrer de amores pelos processos de Giotto e Cimabue". Na verdade, mais razão tinha Sergio Milliet, quando em poucas palavras sintetizou a atuação do Grupo como "uma reação da pintura de matizes e atmosfera contra as correntes mais avançadas mas menos artesanais".
O Grupo do Santa Helena não foi uma sociedade, nem constituiu um movimento: os artistas que o formaram uniram-se, aliás por bem pouco tempo, por circunstâncias fortuitas, e tinham em comum a origem proletária e o apego à tradição artesanal da pintura. Eram a ala moderada do Modernismo paulista, tal como pela mesma época no Rio de Janeiro os integrantes do Núcleo Bernardelli eram a ala moderada do Modernismo carioca. Seu mérito maior foi ter revelado alguns dos mais importantes pintores brasileiros do Séc. XX, como Alfredo Volpi e Aldo Bonadei por exemplo.

GRUPO SEIBI (Seibikai). Grupamento de pintores nipo-brasileiros ativo em São Paulo entre 1935 e 1972, com o intervalo de alguns anos, a partir de 1942, motivado pelo estado de beligerância entre o Brasil e o Japão. Seu nome, que é uma sigla formada pelas iniciais de vocábulos que significam, em Japonês, "Grupo de Pesquisas de Artes Plásticas de São Paulo", foi registrado a 30 de março de 1935.
Surgiu o Seibikai de uma troca de idéias entre os pintores Tomoo Handa, Walter Shigeto Tanaka e Kioji Tomioka por ocasião de uma exposição de artistas amadores patrocinada pelo Consulado do Japão em São Paulo, em começos da década de 1930. Sua finalidade era congregar os artistas da colônia japonesa, de modo a que pudessem aprimorar-se tecnicamente, através da troca de informações e de experiências. Como todos os seus componentes tivessem outras profissões, praticando a pintura apenas nos intervalos dessas atividades, reuniam-se somente à noite, depois do trabalho, e não possuíam uma sede fixa para tais reuniões. Pintores à maneira ocidental, dentro de uma linha estilística que, partindo do Impressionismo, ia desaguar nas várias tendências da Escola de Paris, praticavam preferencialmente a paisagem, a figura e a natureza-morta, do mesmo modo como os pintores do Grupo do Santa Helena e de outros grupos surgidos em São Paulo e no Rio, no decurso da década de 1930.
O Seibikai foi originariamente formado pelos três pintores acima citados, com o apoio na divulgação dos jornalistas Kokuo Furuno e Yoshiomi Kimura; mais tarde ingressariam os pintores Yoshiya Takaoka e Yuji Tamaki (que então viviam no Rio de Janeiro), Hajime Kigaki, Kichizaemon Takahashi, Masato Aki e Iwakichi Yamamoto.
Em 1938 o Grupo realizou o seu primeiro Salão; tornaria a organizá-los quase anualmente, com poucos intervalos, como o causado pela guerra, a partir de 1942. Como escreveria, muitos anos mais tarde, a pintora Tomie Ohtake, "mostrar, nessa época, o trabalho, significava expor em salões, galerias, mas os novos tinham menos possibilidades; um dos locais que havia para expor conjuntamente, e aí, iniciantes e veteranos, era o Salão anual do Grupo Seibi. Embora restrito à colônia japonesa, o Salão sempre possibilitou o aparecimento de novos valores".
Em 1942 as atividades do Seibikai praticamente cessaram, embora ainda continuassem as reuniões dos seus componentes, agora mensais; só em 1947 seriam elas retomadas publicamente, participando então do Grupo, além dos elementos originais, ainda Flavio Shiró e seu pai Massami Tanaka, Nishimura, Kenjiro Massuda, Mitsuo Tsumori Toda, Massao Okinada, Minoro Watanabe, Kasuo e, quando se achava em São Paulo, Tadashi Kaminagai. Várias outras adesões importantes ocorreriam nos próximos anos, entre as quais a da acima citada Tomie, as de Takeshi Suzuki, Fukushima e Manabu Mabe.
Após 1948, vários artistas do Seibikai integraram-se no Grupo 15, ou do Jacaré, criado nesse ano: na verdade, dos 15 pintores do Grupo Jacaré nada menos de dez vinham do Grupo Seibi, entre eles Tomoo Handa e Takaoka, sem dúvida seus mais destacados valores. Com a década de 1950 dividem-se estilisticamente os componentes do Seibikai entre os adeptos do Figurativismo e os defensores do Não-Figurativismo, recém-chegado ao Brasil; os figurativistas ainda podiam ser divididos em duas facções - a dos que praticavam uma arte acadêmica ou academizante, à sombra da tradição, e a dos que se abriam às novas conquistas do Modernismo. Todos porém conviviam harmoniosamente.
Em 1970 o Grupo Seibi realizou seu último salão anual; já no ano anterior, Tomoo Handa dele se retirara, ao mesmo tempo em que decidia não mais expor ou participar de competições. Privado de seu elemento-chave e desgastado já por anteriores defecções, o Seibikai ainda resistiria até 1972, quando deixou de existir: fora, de todos os grupamentos de artistas surgidos no Brasil, o de vida mais longa, e um dos de atuação mais fecunda, responsável pelo aparecimento, na cena artística brasileira, de toda uma legião de pintores nipo-brasileiros, alguns hoje de fama internacional.