Artistas I-O

I

IANELLI, Arcangello (1922). Nascido em São Paulo. Filho de imigrantes napolitanos, desde a adolescência voltou-se para as artes plásticas, frustrando o desejo paterno de o ver engenheiro. Após curta iniciação autodidática em Desenho, recebeu alguma orientação em Pintura de Colette Pujol, por volta de 1942, e em 1944 freqüentou por cerca de seis meses o ateliê de Waldemar da Costa. Rigorosamente, pode porém ser considerado um autodidata - "não por qualquer demérito de tão ilustres professores, mas pela efemeridade desse magistério, e sobretudo, pelo caráter rebelde, insubmisso, de Arcangello Ianelli, alguém firmemente decidido a palmilhar com seus próprios pés os caminhos que se traçou" (Paulo Mendes de Almeida). No que concerne aliás ao seu aprendizado, o próprio Ianelli esclareceria anos depois, numa entrevista:
- A escola de muitos artistas de minha geração era a de freqüentar grupos, que discutiam e criticavam o trabalho um do outro. Às vezes, pintávamos juntos, num mesmo ateliê, observando e aprendendo nessa convivência.
Fiel a tal orientação, Ianelli integrou por longos anos o Grupo Guanabara, ao qual pertenceram entre outros Fukushima - em torno a quem o grupo organizou-se, no ateliê-oficina de molduras por ele mantido no Largo Guanabara, de onde o seu nome -, Takaoka, Tomoo Handa, Jorge Mori, Mabe, Wega e Tomie Ohtake. Não se tratava a rigor de uma academia de arte, e nem de um pugilo de pintores unidos por um ideal estético: os membros do Grupo Guanabara simplesmente aproximaram-se para trocarem idéias sobre pintura, e para juntos trabalharem ao ar livre, no modelo vivo e na natureza-morta. E foi pelo nu e pelo retrato, pela paisagem e pela natureza-morta que Ianelli principiou sua carreira pictórica, partindo de inícios não propriamente acadêmicos, mas de qualquer maneira conservadores, muito embora já desde os primeiros trabalhos se tivesse destacado pelo excelente nível expressivo e artesanal alcançado.
Por toda a década de 1940 e anos iniciais da de 1950, Ianelli teve como ponto de referência a natureza e o mundo objetivo, que lograva superar por força de sensibilidade e expressividade incomuns. Já as paisagens, marinhas, interiores e figuras produzidas por volta de 1949 eram obra de um artista refinado, que caminhava a passos largos para a contenção, formal e cromática, que terminaria por se tornar sua marca registrada. As pinturas desse momento acusam influência de diversos artistas mais experientes - de Gino Bruno a Pancetti -, influências que por vezes podem também corresponder a afinidades estilísticas. Assim, em certo instante da evolução de Ianelli há um território comum que ele compartilha com Pancetti, notadamente em marinhas e ancoradouros, de grande despojamento expressivo.
Fiel, durante cerca de 15 anos, a uma concepção naturalista da arte - o que o levou a expor reiteradas vezes em certames como o Salão Nacional de Belas Artes, que quase lograva salvar com sua mera participação, ano após ano - Ianelli já então se diferenciava nitidamente dos demais expositores acadêmicos, e tais diferenças iriam finalmente determinar o passo decisivo em sua carreira: ele, que permanecera figurativista até os derradeiros anos da década de 1950 - muito embora cada vez mais interessado na síntese plástica dos temas, e menos na sua mera duplicação ou reprodução -, abraçou finalmente o Não-Figurativismo por volta de 1960. A tal respeito escreveria Paulo Mendes de Almeida, na monografia que dedicou ao pintor em 1978:
- É nas marinhas, a contar de 1957, que começam a se manifestar mais pronunciadamente algumas qualidades características de sua maneira de interpretar as formas visíveis da natureza e da realidade que o circunda, e de recriá-las em valores eminentemente plásticos, predicado que jamais abandonaria na evolução posterior de sua obra: o sentido da esquematização da síntese da geometria. Já estava, assim, prenunciado, de maneira bastante clara, seu trânsito para a abstração pura. E sua fixação nessa tendência ocorreria pouco tempo depois. Em suas últimas marinhas e ancoradouros da fase figurativa, que de resto constituem alguns dos mais altos momentos de toda a sua pintura, salta à vista do mais desprevenido observador a preocupação, do artista, de ordenar os elementos tangíveis segundo uma concepção lidimamente geométrica, recorrendo para tanto aos objetos mais propícios à consecução desse intento, em compatibilidade com a natureza do tema proposto, como os mastros e velas latinas e os cascos de embarcações, em suma visualizados como linhas retas verticais, triângulos e quadriláteros. Os outros elementos porventura presentes, como o céu e o mar, não são mais que a superfície, o plano, o suporte em que aquelas entidades geométricas realizam o seu jogo. A passagem para uma abstração pura, uma pura geometria, era o corolário inevitável. E assim sucedeu.
Composições como Estaleiro, Barcos, Mastros e Barcos, Natureza-Morta, Casas ou Paisagem Imaginária, realizadas entre 1958 e 1960, são ainda figurativistas, embora se situem já no extremo limite da tendência - mais interpretações, do que representações da realidade objetiva; mas, nas numerosas naturezas-mortas produzidas logo a seguir, nota-se como o artista enveredou logicamente pelo Abstracionismo, reduzindo formas de mesas, garrafas ou frutas a puros esquemas geométricos, aos quais imprimiu um colorido sensível. Em 1961, todavia, Ianelli abruptamente abandona o rumo até então percorrido, e adota uma abstração de tipo informal, caracterizada por acentuada busca de texturas e por um cromatismo no qual predominam os tons cavos e graves. Restos de paisagens e de naturezas-mortas imiscuem-se em sua produção de então, sendo esse um momento de transição em sua carreira, marcada até ali pela coerência, cada fase emergindo naturalmente da anterior e desembocando sem rupturas na subseqüente. Esse momento transicional foi todavia breve, dando vez pouco depois a uma série de telas de grandes dimensões, nas quais o colorido se refina ao mesmo tempo em que se atenuam os jogos epidérmicos de textura, observando-se, inversamente, um vivo interesse de natureza gráfica, traduzido em traçados evocativos de rabiscos infantis ou dos anônimos grafitti dos muros citadinos, meros riscos, como se feitos a giz sobre a pintura.
Até fins da década de 1960 permaneceriam, na pintura de Ianelli, as constantes estilísticas acima citadas; contudo, a partir de 1971 o artista retoma seu anterior geometrismo e sua necessidade de organização, voltando-se novamente para a estruturação formal e para a síntese, despindo-se o quadro de rugosidades e grafismos para assumir uma ascética pureza elementar. Numa entrevista então concedida ao jornalista Luís Ernesto Machado Kawall, Ianelli assim firmava sua profissão-de-fé:
- O quadro deve falar apenas por si, sem necessidade de dissertações. Deve transmitir algo às pessoas sensíveis, somente pelo conteúdo pictórico. Nunca com a finalidade de "contar uma história, revelar estados psíquicos", etc. Devemos deixar esse problema aos literatos, que se expressam muito melhor em seus livros. Um pintor deve ter em mente realizar, antes de mais nada, pintura. Um quadro não é um livro contador de histórias, descritivo, destrutivo ou explicativo. Pouco importa o que possa representar. Antes de mais nada terá que ser observado e analisado como pintura, na correlação das formas e das cores, em suma, valores plásticos na sua visão mais pura e essencial. E o essencial é que deve irradiar aquela sublime sutileza, aquela misteriosa mensagem, tão difícil de descrever, mas que se sente através dos olhos e da sensibilidade e que se chama simplesmente - Arte.
Os primeiros quadros da década de 1970 já foram descritos por alguns críticos como "realizações concretistas", ou ao menos como obras produzidas num espírito afim ao do Concretismo; são formas losangulares ou de quadrados dispostos em diagonal, resolvidas cromaticamente em tonalidades sóbrias ou frias, e que, ao criarem na retina do espectador uma vibrátil impressão de atração e repulsa aproximam-se também da Op Art. Os títulos das pinturas dessa fase - Balé das Formas, Encontro e Desencontro, Desencontro de Losangos por exemplo - dizem bem das preocupações rítmicas e formais de Ianelli, naquele instante de sua evolução pictórica. Mas a fase dos losangos em contraponto mais ou menos em 1973 seria substituída pela série dos retângulos em superposição, na qual, com um mínimo de recursos expressivos, o artista aprofunda sua busca cromática, obtendo ao mesmo tempo efeitos de textura e de transparência extremamente sutis. É a sensibilidade de Ianelli, externada principalmente pela sábia utilização da cor, que faz com que todos esses numerosos quadros, regidos pela linha e pelo ângulo retos e obedientes a um só esquema composicional, não resvalem para a repetição, a aridez e a monotonia, tornando-os, muito pelo contrário, como que partes de um único todo, dentro daquela tendência serial que Murilo Mendes detectou entre as constantes de sua personalidade criadora. Ianelli, ele mesmo, explica tal tendência à seriação com simplicidade, dizendo:
- Há sempre alguma coisa não resolvida no quadro anterior que procuro solucionar no subseqüente.
Esse processo por assim dizer maiêutico, mediante o qual cada obra como que brota de dentro da anterior, indo por sua vez determinar a subseqüente, revela a incansável busca de Ianelli pela essencialidade da pintura, em gradativos aprofundamentos que suscitaram a Paulo Mendes de Almeida as seguintes palavras:
- Essa perseverança de um homem na investigação daquilo que é a sua verdade pessoal íntima, infenso às inovações passageiras, é o que lhe permite, como bem assinalou Mário Pedrosa, "um crescimento interno em profundidade". Ele é o contrário da biruta, sempre dócil às variações do vento, o contrário da borboleta, que vai de flor em flor... Porque é um artista necessário, um artista convicto e fiel como foi Segall, buscando sempre num mesmo veio, recôndito e inesgotável – bem consciente de que o ouro não está na superfície e que, para extraí-lo, é imprescindível cavar, até que sangrem as mãos...
A partir de princípios da década de 1980 Ianelli levou a cabo seu definitivo aprimoramento expressivo: a conquista da cor pura, uma cor tonal que eliminou a linha e a forma para se impor, sozinha e triunfante, a toda a extensão do quadro. Ele, que sempre soubera pautar-se pela razão e pela medida, torna-se mais sensível e mais sensual, e sua pintura passa a ser um vibrante canto de transparências e luminosidades que parecem irradiar-se do âmago mais íntimo da obra até atingir-lhe a superfície, banhando-a de uma pulsante matéria colorida.
Arcangello Ianelli tem recebido numerosas e importantes premiações dentro e fora do Brasil, devendo ser citados em especial o Prêmio Governo do Estado de São Paulo, no Salão Paulista de Arte Moderna de 1961, o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro no Salão Nacional de Arte Moderna de 1964 (graças ao qual passou os anos de 1965 a 1967 na Europa, com permanência maior na Itália), o Primeiro Prêmio de Pintura da Bienal da Bahia em 1969, o Grande Prêmio Especial Melhor Conjunto de Obras no Primeiro Salão de Artes Visuais da Universidade do Rio Grande do Sul em 1970, o Prêmio Museu de Arte Moderna de São Paulo, no Panorama de Arte Atual Brasileira de 1973, o Primeiro Prêmio de Pintura da I Bienal Ibero-americana do México em 1978 e, nesse mesmo ano, o Prêmio Gonzaga Duque, da Associação Brasileira de Críticos de Arte, pela mostra retrospectiva que realizou no Museu de Arte Moderna de São Paulo, Ianelli do Figurativo ao Abstrato, Prêmio de Pintura da Bienal de Cuenca em 1991 etc. Entre as diversas individuais que tem efetuado, no país e no exterior, mencionem-se as de 1961, no Museu de Arte Moderna de São Paulo e no do Rio de Janeiro, a acima citada retrospectiva de 1978 no Museu de Arte Moderna de São Paulo e a retrospectiva Ianelli - 40 Anos de Pintura, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (1984) - além de mostras pessoais em Lima (1962 e 1977), Roma, Milão, Munique, Bonn e Madri (1966), Paris e Berlim (1967), Washington e Nova Iorque (1974), México e El Salvador (1977), Bogotá (1986). É também muito extensa, a partir de 1960, sua participação em certames como a Bienal de São Paulo, a Bienal de Medellin e a Bienal Ibero-americana do México, os Panoramas de Arte Atual Brasileira organizados pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo e em coletivas como Homenaje a Ia Pintura Latino-Americana (El Salvador, 1977), Arte Atual Ibero-americana (Madri, 1977), América Latina Geometria Sensível (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1978) ou os Grandes Mestres do Abstracionismo (Madri, Paris, Roma, Londres, Lisboa e Haia, 1984), Berlim (1988), Quito (1991) etc. Em 1993, comemorando 50 anos de carreira, Ianelli foi homenageado com retrospectivas no MASP, no MAM-RJ e no Paço Imperial também do Rio de Janeiro.

Natureza morta, óleo s/ tela, 1960;
0,70 X 0,83, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

Natureza morta, óleo s/ tela, 1960;
0,70 X 0,83, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

Composição em branco e azul, óleo s/ tela, 1981;
1,80 X 1,30, Museu de Arte Contemporânea da USP.    

K

KATZ, Renina (1926). Nascida em Niterói(RJ). Ingressando aos 18 anos na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, freqüentou também as aulas de Carlos Oswald e de Axl von Leskoschek no Liceu de Artes e Ofícios e na Fundação Getúlio Vargas, com eles aprendendo as técnicas da gravura em metal e em madeira. Essencialmente desenhista e gravadora, se bem que com periódicas incursões à pintura, Renina sentiu a principio - e como toda a sua geração de pós-guerra - o impacto do Realismo Social, da qual foi entre nós um dos expoentes ao lado de Scliar. Mais tarde sua arte evoluiu para um gradativo afastamento da figura, e finalmente enveredou abertamente pelo Não-Figurativismo, com refinado uso de texturas e transparências de cor em aquarelas e estampas. Sua participação em salões e coletivas é extensa, e abrange premiações no antigo Salão Nacional de Belas Artes e no Salão Nacional de Arte Moderna, além de presença destacada em mostras como a Bienal de Veneza (1956 e 1986), Xylon Internacional (Zurique, 1956), por diversas vezes na Bienal de São Paulo, etc. Sua primeira individual ocorreu no Museu de Arte (SP, 1952). Renina, que em 1951 estabeleceu-se em São Paulo, com freqüentes temporadas no Rio de Janeiro, lecionou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade e no Instituto de Arte Contemporânea, ambos em São Paulo. Para a crítica de arte Radha Abramo, ela é a "artista plástica padrão. Representa a seriedade, a tenacidade, a pesquisa e o estudo permanente das técnicas, da filosofia, da sociedade e do próprio homem, atitudes indispensáveis ao produtor intelectual".

Favela, xilogravura, 1956;
0,26 X 0,21, coleção particular

Ode ao negro I, água-forte, 1989;
0,53 X 0,39, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

KRAJCBERG, Frans (1921). Nascido em Kozienice (Polônia). Combatente do Exército Soviético durante a II Guerra Mundial, viveu algum tempo na Alemanha depois do conflito, tendo estudado entre 1945 e 1947 na Academia de Belas Artes de Stuttgart como aluno do célebre Willy Baumeister. Emigrando em 1948 para o Brasil, fixou-se inicialmente em São Paulo, exercendo nessa cidade humildes ofícios, como os de pedreiro e faxineiro, antes de se tornar ajudante de montagem da I Bienal de São Paulo, em 1951. Nesses primeiros anos da permanência no Brasil praticava uma pintura influenciada pelo Cubismo e pelo Expressionismo, estribada num desenho sintético e numa paleta baixa, na qual predominavam cinzas e terras. Suas figuras e naturezas-mortas davam prova de um despojamento vizinho da pobreza, característica explicável, talvez, pela dura realidade do imediato pós-guerra. Até 1952 Krajcberg permaneceu em São Paulo, efetuando nesse último ano sua primeira individual, no Museu de Arte Moderna.
Mudando-se logo em seguida para o interior do Paraná, onde viveria até 1956, Krajcberg afastou-se do circuito das artes, mas não da atividade artística; muito ao contrário: retemperou sua visão e afinou seus instrumentos de trabalho no contato com a natureza local. Desse mergulho prolongado no hinterland paranaense, surgiram-lhe em 1956 e 1957 as séries Florestas e Arvores, ainda tão medularmente expressionistas. Já aqui, contudo, não se está diante da produção de um artista que busca representar a natureza, mas sim de alguém que parte da observação da natureza para superá-la, para interpretá-la em termos unicamente pictóricos. Conquistando em 1957 o prêmio de Melhor Pintor Nacional na IV Bienal de São Paulo, transfere-se para o Rio de Janeiro, residindo nessa cidade até 1958, quando passa a alternar sua vida entre Paris e Ibiza, nas Baleares, com constantes retornos para reciclagem ao Brasil (Rio de Janeiro, Minas Gerais e, posteriormente, Bahia).
Tivesse permanecido nos puros limites da pintura, ainda assim Krajcberg seria mesmo assim nome de extraordinária importância no cenário artístico nacional, um dos expoentes do Expressionismo Abstrato; no entanto, a partir de uma primeira experiência em 1962 com as terras naturais de Ibiza, o artista sentiria a crescente necessidade de abandonar, primeiro, o bidimensionalismo do plano pictórico pelo tridimensionalismo do relevo ou da escultura, e em seguida, a própria idéia de representação ou de interpretação da Natureza, pela sua apropriação. Numa de suas vindas ao Brasil, em 1964 - logo após ter conquistado na XXXII Bienal de Veneza o Prêmio Cidade de Veneza -, Krajcberg visitou Itabirito, efetuando então aquele que seria o passo decisivo de sua carreira artística. Referindo-se a esse momento da evolução de Krajcberg, o crítico Frederico de Morais escreve essas palavras elucidativas:
- Foi em Minas, depois de um contato muito íntimo com a sua natureza, cuja face interna ele quis mostrar, que sentiu a necessidade de dar o salto decisivo de sua arte. Sentiu que não bastava romper com a figura para negar a pintura, pois a ótica continuava sendo a do quadro de cavalete, com todos os seus vícios, que datam do Renascimento. Não bastava, portanto, fazer arte abstrata ou substituir as bisnagas de tinta por pedras. Precisava romper com o próprio comportamento do pintor, a mania da composição e da representação no espaço. Se possível com a cor. Foi quando descobriu as raízes. Nelas encontrou o elemento vital de toda a natureza, a sua força mais viva. Seu contato com a natureza não é fortuito, epidérmico. Acostumado a ela, enxergava-a por dentro. Por isso ama as raízes e detesta as flores. Na raiz tem início o ciclo vital. A flor é o prenúncio da morte. Aquele momento mesmo em que a raiz violenta à superfície da terra, agressivamente, é este momento (que é um grito, uma afirmação) que quer trazer ao homem. Raízes retorcidas, disformes, machucadas, ansiosas por libertar-se do sono mineral das Minas Gerais.
A partir desse instante pode-se dizer ter atingido Krajcberg sua maturidade como artista, produzindo admiráveis gravuras em relevo e esculturas pintadas nas quais utiliza pedras, árvores, raízes e os mais diferentes materiais de origem mineral e vegetal, numa atitude que ele próprio assim buscou explicar, numa entrevista-depoimento ao crítico Walmir Ayala:
- A minha preocupação é penetrar mais a natureza. Há artistas que se aproximam da máquina, eu quero a natureza, quero dominar a natureza. Criar com a natureza, assim como outros estão querendo criar com a mecânica. Não procuro a paisagem mas o material. Não copio a natureza. Sinto que hoje a gente foge cada vez mais da natureza. Estamos cada dia mais afastados dela por causa da mecanização.
Krajcberg, que desde 1973 mantém um ateliê permanente em Nova Viçosa, no litoral sul da Bahia, é sem sombra de dúvida, dentre os artistas brasileiros contemporâneos, um dos raros que trouxeram uma contribuição pessoal ao desenvolvimento da arte contemporânea. Suas exposições têm sido numerosíssimas, em cidades como Paris, Oslo, Milão, Jerusalém, Roma, Ibiza etc., destacando-se a série que realizou em 1975, primeiro em Paris, no Centre National d'Art Contemporain, e em seguida em diversos museus provinciais de França. Mas, embora acostumado ao ambiente das grandes cidades, Krajcberg parece dar preferência à vida simples interiorana, e assim é que, em suas freqüentes temporadas no Brasil, tem efetuado viagens com longas permanências na Amazônia (1974, 1978, 1980) ou no pantanal matogrossense (1984-85). Da permanência amazônica entre junho e setembro de 1978, em companhia do pintor Sepp Baendereck e do crítico de arte francês Pierre Restany, surgiria o Manifesto do Rio Negro - Naturalismo Integral, revelador de um novo conceito de Naturalismo, partindo da constatação de que "no espaço-tempo da vida de um homem, a Natureza é a medida de sua consciência e de sua sensibilidade", para chegar à certeza de que "a natureza original deve ser exaltada como uma higiene da percepção, e um oxigênio mental: um naturalismo integral, gigantesco catalisador e acelerador das nossas faculdades de sentir, pensar e agir".

Vaso de flores, óleo s/ tela, s/ data;
0,45 X 0,46, Palácio Bandeirantes, SP.

Relevo I, guache, 1960;
0,70 X 2,00, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Esculturas, instalação, 1986;
coleção particular.

L

LEE, Wesley Duke (1931). Nascido em São Paulo. Iniciou seus estudos de arte nos cursos do Museu de Arte de São Paulo, em 1951, e no ano seguinte viajou para Nova York, onde freqüentou a Parson’s School of Design, estudou tipografia no American Institute of Grafic Arts, conheceu Marcel Duchamp e presenciou o nascimento dos trabalhos de Jasper Johns e Robert Raunschenberg e dos happenings de John Cage. De volta a São Paulo em 1955 passou a trabalhar em publicidade, recebendo duas menções honrosas no I Salão da Propagadanda, efetuado nesse mesmo ano. Em 1957 teve aulas de pintura e desenho com Karl Plattner, embarcando em 1958 rumo a Paris. Na capital francesa estudou desenho na Academia da Grande Chaumière e gravura com Johnny Friedlaender, além de participar em 1959 da campanha publicitária da Régie Renault, o que lhe valeu uma citação no Oscar de la Publicité Française. Ainda em 1959 realizou juntamente com Plattner um grande mural a têmpera no camarote presidencial do Teatro do Festival de Salzburgo, na Áustria. Retornando ao Brasil em 1960, passou desde então a alternar as técnicas tradicionais de pintura e desenho a procedimentos não-convencionais, que incluem o movimento e o espaço reais, e os mais avançados recursos da comunicação.
Inquieto e paradoxal, em 1963, em São Paulo, foi o principal representante do movimento do Realismo Mágico, passando a defender a Figuração e centrando seu fazer estético numa realidade poética e subjetiva não sem pontos de contacto com o Surrealismo. No mesmo ano organizou, no João Sebastião Bar, aquele que historicamente pode ser considerado o primeiro happening brasileiro - Wesley Realista Mágico Apresenta a Exposição. Em 1964 ingressou no movimento internacional Phases, de cujas mostras, no Brasil e no estrangeiro, participou desde então. Também em 1964 lecionou Desenho na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Estendendo sua influência a um grupo de jovens alunos, em 1966 torna-se o elemento aglutinador do Grupo Rex, integrado por Geraldo de Barros, Nelson Leirner, Baravelli, José Resende, Nasser e Fajardo. Já desde 1965 começara a elaborar grandes estruturas tridimensionais que transbordavam pelos suportes bidimendsionais de telas, madeiras ou muros, e que incluem O Trapézio (1965), A Zona: considerações - Retrato de Chateaubriand (1968), Helicóptero (Tóquio, 1970), entre outros ambientes, todos patenteando sua criatividade e a constante predileção pela ambigüidade, intermesclando presente e passado, real e imaginário, sentido e pressentido, objetividade e subjetividade, numa incessante glosa autobiográfica dos seres e dos objetos, ele que um dia afirmou: "Arte, para mim, é na verdade soma".
Em 1976 Wesley retorna à pintura bidimensional e realiza em São Paulo a mostra As Sombra Ações, na qual cada pintura apresentava sombras de instrumentos de trabalho projetadas sobre a tela, criando mais
uma vez uma atmosfera ambígua. Porque, se nos ambientes a linguagem metafórica se espraiava pelo espaço real, nas pinturas da série
As Sombra Ações é a realidade do ateliê, através de suas sombras projetadas, que age sobre o espaço idealizado. Como a seu respeito escreveu um de seus mais chegados críticos, Pedro Manuel, Wesley
é um "inventor convicto de formas novas e ambíguas", que se entrega de corpo e alma "à narração de uma série de histórias que, no fundo, são como a Comédia Humana, de Balzac, ou como um seriado de televisão, com o mocinho mascarado de Zorro, ou disfarçado em piloto do helicóptero de Leonardo da Vinci".

Wesley Duke Lee realizou sua primeira individual em 1961 na Galeria Sistina, de São Paulo, e desde então tem mostrado seus trabalhos em São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Porto Alegre, Milão, Viena e Tóquio, com destaque para a importante retrospectiva que fez em 1992/93 no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e no Centro Cultural Banco do Brasil, do Rio de Janeiro. Tem também participado de importantes coletivas nacionais e internacionais, como a IV Bienal de Paris (1965), Opinião 65 (1965, Rio de Janeiro), a Bienal de Córdoba (1966), as XXXIII e XLIV Bienal de Veneza (1966, 1991), a VII Bienal de Tóquio (1966), Arte da América Latina desde a Independência (1965, Austin), Mostra Internacional de Arte e Tecnologia de Los Angeles (1970), Expressionismo no Brasil: Heranças e Afinidades (1985, São Paulo), Imaginários Singulares (1987, São Paulo), Figura & Objeto 63/66 (1988, São Paulo), Armadilhas Indígenas (1990, São Paulo), O que faz você, Geração 60 (1992, São Paulo), Bienal Brasil Século XX (1994, São Paulo) e Opinião 65 - 30 Anos (1995, Rio de Janeiro), entre muitas outras. Coube a Walter Zanini assim sintetizar a trajetória de Wesley, sem dúvida um dos artistas mais representativos do panorama brasileiro atual:
- Vindo da prática publicitária e do aprendizado junto a Karl Plattner, motivado por viagens e estágios no estrangeiro, ele fermentou uma linguagem narrativa de impaciente indagação da realidade, porém projetada em fértil espaço psicológico. Seu permanente compromisso autobiográfico aureola-se de humor refinado e irreverente. Configurada inicialmente em desenho e pintura, e depois também em criações ambientais, de complexos agenciamentos técnicos e materiais, a obra de Wesley percebe o nexo cotidiano dos fatos e das coisas quando liberado nos contatos com o pensamento visionário. Percebia a importância da integração das artes, como ocorreu com O Trapézio e o Helicóptero. O trabalho que desenvolveu, evoluindo por fases ou ciclos de sábias e surpreendentes prospecções da vivência, estendeu-se à ação pessoal. Wesley Duke Lee gerou influências no meio.

Arkadin d'y Saint Amèr, têmpera e pastel s/ papel, 1964;
1,57 X 1,57, Museu de Arte Contemporânea da USP.

LEIRNER, Nelson (1932). Nascido em São Paulo. De uma família de artistas, estudou engenharia têxtil em Lowell, Massachusets, entre 1947 e 1952, antes de dar início em 1956 a seus estudos de arte, o que fez sob Joan Ponç e Samson Flexor. Em 1958 participou pela primeira vez de uma exposição: o VII Salão Paulista de Arte Moderna, no qual recebeu medalha de bronze, realizando três anos depois sua primeira individual, na Galeria São Luiz de São Paulo. Pelos próximos anos realizaria outras individuais em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Austin, Washington e Nova York, culminando com as retrospectivas de 1994 no Paço das Artes de São Paulo e de 1997 no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Tem também marcado presença em coletivas como a Bienal de São Paulo (1963, 1965, 1967, 1969, 1989), Propostas 65 (São Paulo), a Bienal de Tóquio (1967), o IV Salão de Arte Contemporânea (1968, Brasília), o Panorama de Arte Atual Brasileira (1978, São Paulo), Modernidade (1987, Paris), Figura & Objeto 63/66 (1988, São Paulo), Bienal Brasil Século XX (1994, São Paulo), Infância Perversa (1995, Rio de Janeiro e Salvador) etc.
Nelson Leirner conquistou notoriedade em 1967 ao realizar trabalhos de rua na mostra Bandeiras na Praça, em São Paulo, participar da mostra Nova Objetividade Brasileira no MAM-RJ, ser premiado nas Bienais de Tóquio e São Paulo e talvez sobretudo por ter tido aceito no Salão de Arte Moderna de Brasília, como obra de sua autoria, um simples porco empalhado, adquirido a um taxidermista qualquer. O fato serviu de ponto de partida para cáusticas investidas através dos jornais contra o sistema das artes, pondo em cheque uma crítica que nem sequer distiguia um porco empalhado de uma obra de arte; mas serve também para colocar em evidência o caráter eminentemente crítico e contestatório da arte de Nelson, desde o momento em que fazia pinturas aos seus posteriores desdobramentos no campo da participação do espectador (Quebra-Cabeça, 1967; Play-Ground, 1969), do happening (cobertura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP com 5.000 metros quadrados de plástico preto, em 1970) e dos múltiplos, em todos os quais se afirma intenso o espírito da antiarte.
Um dos fundadores e principais representantes do Grupo Rex, surgido em São Paulo em 1966, Nelson Leirner foi, pelos meados da década de 1960, dos primeiros a assimilar em nosso país o impacto da Pop Art norte-americana, manipulando com destreza ferina o que Walter Zanini chamou de "humor neo-dada". Na série Homenagem a Fontana, de 1967, o artista utilizou tecidos sotopostos de diferentes cores, os quais vão sendo pouco a pouco desvelados à medida em que são abertos os zípers que os escondem. Esse apelo à participação do contemplador, somado à atitude crítica, parece caracterizar perfeitamente o fazer estético de Leirner, que é também dos mais influentes professores de arte de sua geração, ativo primeiro na Fundação Armando Álvares Penteado, de São Paulo, e depois de sua mudança para o Rio de Janeiro (onde atualmente vive) na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. O crítico Wilson Coutinho assim se referiu à sua produção, exposta no Rio de Janeiro por ocasião da grande retrospectiva de 1997:
- O humor, a manipulação do kitsch e uma invenção cênica fazem parte do trabalho de Leirner, que é uma espécie de sequestrador de sentidos. Muito de sua obra tem o caráter de expropriação dos ready mades, mas com uma significação alterada pela maneira como é exposta.

Você faz parte II, madeira, aço e espelho, 1964;
1,13 X 1,13, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Altar de Roberto Carlos, instalação, 1967;
2,60 X 2,52, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.

LEONILSON, José (1957-1993). Nascido em Fortaleza (CE) e falecido em São Paulo. Vivendo desde 1962 em São Paulo, matriculou-se em 1977 no curso de licenciatura em artes plásticas da FAAP (que abandonou em 1980), ali tendo sido aluno de Nelson Leirner, Julio Plaza e Regina Silveira. Simultaneamente cursava a Escola de Artes Aster, onde de novo teve como mestres a Julio Plaza e Regina Silveira, além de Dudi Maia Rosa. Em 1981 viajou para a Espanha e mais tarde viveu em Milão e Bolonha, realizando sua primeira individual na Casa do Brasil em Madrid e participando, a convite de Achille Bonito Olivo, da mostra Giovane Arte Internazionale em Lecce (Itália). De novo em São Paulo em 1983, no mesmo ano expõe na Galeria Luisa Strina desta cidade (onde voltaria a expor em 1985, 1987 e 1989) e na Galeria Thomas Cohn do Rio de Janeiro , na qual efetuaria outras quatro individuais até 1993. Em 1984 toma parte na exposição Como vai você, Geração 80? no Parque Lage do Rio de Janeiro e no ano seguinte na XII Bienal de Paris. Outras coletivas em que mostrou seus trabalhos a partir de então incluem, entre inúmeras outras dentro e fora do Brasil, A Nova Dimensão do Objeto (MAC-USP, 1986), Moving Mountain Kunstforum (Munique, 1987), Modernidade - Arte Brasileira do Século XX (1987-88, MAM de Paris e MAM-SP), Brasil Já (Alemanha, 1988-89), Viva Brasil Viva (Estocolmo, 1991), Brasil: La Nueva Generación (Caracas, 1991), Bienal de São Paulo (1985, 1993, 1996, 1998) e Bienal Brasil Século XX (São Paulo, 1994). Para lhe preservar a obra e a memória, catalogar sua produção e organizar seus arquivos, um grupo de familiares e de amigos fundou em São Paulo, em março de 1995, o Projeto Leonilson, que já levantou mais de 800 desenhos, pinturas, bordados e objetos de sua autoria, além de organizar exposições como a de 1995/96 na Galeria de Arte do SESI em São Paulo, acompanhada da publicação de livro de Lisette Lagnado sobre o artista.
A arte de Leonilson não pode ser totalmente apreendida sem que se leve em consideração suas orígens nordestina e católica e sem que se avalie o tremendo impacto, sobre o seu mundo-de-ideias, de tudo quanto logrou ver nas constantes permanências no exterior. Personagem emblemático da geração finissecular brasileira, além do mais coroado com o martírio da morte aos 36 anos, Leonilson é artista confessional e autobiográfico, que manipula com extrema sutileza as pequeninas formas e coisas que povoam seu universo todo particular. É grande a bibliografia hoje existente a seu respeito: escolhemos dois textos que em nosso entender caracterizam perfeitamente diferentes momentos de sua produção, a começar por um de 1985 de Frederico Morais:
- Cada vez mais pintor, Leonilson começa a criar estruturas complexas, superpondo tempos e espaços, diversificando seu vocabulário temático, manipulando técnicas pouco ortodoxas. Usa rolos e pincéis, faz uso de impressões, cria sutis efeitos de matéria e textura. Persiste um ar deliberadamente displicente, com o aproveitamento do branco do tecido e até de suas dobras. O colorido também mudou; ele estimula os contrastes, jogando amarelos e vermelhos vibrantes contra uns tons pardacentos, ocres, terras, tonalidades surdas, ou fica só nestas cores sujas, como se a tela fosse uma lona de caminhão, guardando as marcas da estrada e do tempo.
E Casemiro Xavier de Mendonça completava em 1991:
- Leonilson vem organizando uma espécie de cartilha secreta, um livro de iniciação onde cada trabalho acrescenta um elemento novo ao perfil do próprio artista. Das telas gigantes e recortadas em formas irregulares, ele passou para os pequenos objetos que lembram relicários e peças religiosas. Pérolas, rendas, veludos e lonas - os fragmentos de tecidos dados pelos amigos - tudo isto se transforma numa iconografia inconfundível.

M

MABE, Manabu (1924-97). Nascido em Kumamoto Ken (Japão) e falecido em São Paulo. Tinha dez anos quando em 1934 sua família, composta por pai, mãe e oito filhos, emigrou para o Brasil, fixando-se no interior de São Paulo. Viveu inicialmente em Birigui, mudando-se em 1940 para Lins, e como todos os demais familiares dedicava-se ao cultivo do solo. Rememorando anos depois sua chegada ao Brasil, confessaria o impacto sofrido com as cores locais:
- Quando cheguei ao Brasil vi muitas cores, tons que jamais havia visto em minha vida. Eram cores brasileiras, cores fortes.
Foi em 1945, decerto ainda sob o impacto dessas "cores brasileiras, cores fortes", que Mabe pintou suas primeiras telas - autodidaticamente, copiando clichês de revistas. Só alguns anos mais tarde, após ter recebido ainda em Lins pequena orientação do veterano pintor japonês Teisuke Kumasaka (que na mocidade recebera aulas de Antonio Parreiras e de outros grandes mestres no Rio de Janeiro), Mabe iria mudar-se para São Paulo. Num breve retrospecto biográfico feito em 1971, a pedido de Luis Ernesto Machado Kawall, o já então internacionalmente famoso pintor assim sintetizaria sua evolução:
- Após chegar do Japão, fixei-me no interior do Estado, em Lins, Birigui e Guararapes, trabalhando como colono durante muitos anos em fazendas de café. Meus primeiros quadros datam dos meados da década de 1940. Vindo para a Capital, fui morar no Jabaquara, onde comprei uma pequena casa, que hoje, grandemente ampliada, é minha residência e também meu ateliê. Era ajudante de tintureiro. Tingia e pintava gravatas, que vendia aos amigos e em algumas lojas da cidade. Autodidata, admirando muito o pintor japonês Takaoka, radicado em São Paulo, iniciei-me na pintura figurativa e logo passei à abstrata.
Em 1951 Mabe participou pela primeira vez de uma coletiva - o Salão Nacional de Belas Artes (Divisão Moderna). No ano seguinte, após efetuar no Clube Linense sua primeira individual, e em face do sucesso obtido, comunicou à mulher, Ioshino, sua decisão fundamental:
- Vamos passar fome, mas não sei fazer outra coisa. Vou pintar até morrer.
Pintava, por essa época, principalmente naturezas-mortas e paisagens, fortemente influenciadas por artistas como Picasso e sobretudo Braque. Seu Figurativismo Expressionista iria perdurar até 1957, quando Mabe adotou em definitivo o Não-Figurativismo, filiado à corrente do Abstracionismo Informal. Essa passagem do Figurativismo ao Abstracionismo fez-se por assim dizer naturalmente, mesmo porque correspondia a uma inclinação atávica da personalidade oriental de Mabe. Na verdade, a partir de então a pintura de Mabe não fez senão combinar, num todo de rara felicidade, as experiências internacionais do Informalismo e a arte tradicional japonesa do signo caligráfico. Desde 1957 e até falecer, com efeito - com a breve exceção do interlúdio néo-figurativista ocorrido em 1971, e ao qual nos referimos mais adiante -, Mabe manteve-se fiel aos postulados da pintura gestual, dando provas de uma impermeabilidade a novas pesquisas que seus admiradores classificaram como coerência estilística, e seus desafetos como sinal de esgotamento criador.
Embora participando com freqüência de salões e coletivas por toda a década de 1950 - do Salão Nacional de Arte Moderna entre 1952 e 1960, com isenção de júri em 1958; da Bienal de São Paulo a partir de 1953 e do Salão Paulista de Arte Moderna após 1956 -, Mabe obteria sua consagração nacional e internacional apenas em 1959 - o "Ano Manabu Mabe", como escreveu a revista Time em sua edição do dia 2 de novembro de 1959. Nesse ano, com efeito, Mabe recebeu o prêmio de Melhor Pintor Nacional na V Bienal de São Paulo e o Prêmio de Pintura na I Bienal de Paris, isso numa época em que as premiações internacionais significavam muito. Em 1960, nova premiação importante: o Prêmio Fiat, na XXX Bienal de Veneza; finalmente, em 1962, o prêmio de pintura da I Bienal Americana de Córdoba, na Argentina. Admitido assim ao restrito clube dos artistas de trânsito verdadeiramente internacional, Mabe realizou de 1960 em diante exposições de sucesso em cidades como Montevidéu, Buenos Aires, Roma, Paris, Washington, Lima, Nova Iorque, México, Tóquio, Londres, Kumamoto, Kamakura, Osaka, Miami, Coral Gables e Panamá, além de expor várias vezes no Brasil. Mantendo ateliê em São Paulo e Nova Iorque, com permanências anuais também em Tóquio, Mabe foi dentre todos os pintores nipo-brasileiros, aquele de maior prestígio internacional, autêntico chefe de escola.
Desde os seus primórdios, ainda quando produzia uma pintura figurativista, à sombra da dos grandes mestres como Picasso e Braque, comprazendo-se na execução de paisagens e mormente de naturezas-mortas, Mabe dava já provas de um autêntico talento pictórico, chegando pelo instinto a resultados a que muitos não chegam sequer após longos anos de academia. Salvava-o da mediocridade geral, além do instinto, uma férrea disciplina, a vontade, que sempre possuiu, de vir a ser um grande artista. No momento em que, dando por concluído o ciclo figurativista iniciado em 1945, o pintor deu vazas à própria imaginação e vitalidade, deixando fluir livremente sobre a tela o gesto criativo, caligráfico e original, conjugando num todo uno suas origens nipônicas e a tônica do Abstracionismo Informal então dominante no mundo ocidental, o resultado foi uma pintura requintada, cujos esquemas cromáticos e opulentos recursos de textura eram regidos por sensibilidade evidente e certeira intuição poética.
Tais começos do informalismo de Mabe, contudo, seriam com o passar de alguns anos ainda mais depurados, chegando o artista a uma pintura mais pensada e mais elaborada - menos espontânea, se quiserem, mas de uma sutileza infinitamente superior, e de maior profundidade. Empastes e transparências, cromatismos violentos alternando-se a outros de extrema delicadeza passam então a dominar sua produção, sucedendo-se a cada quadro novas conquistas expressivas, como se o artista quisesse demonstrar à saciedade a riqueza de seus recursos e a fonte inesgotável de sua criatividade.
Por volta de 1971, uma ruptura: Mabe executa o percurso inverso, retoma o Figurativismo - não, obviamente, o figurativismo de seus começos expressionistas e neo-braqueanos, mas um figurativismo diferente, no qual, como nos testes de Rorschach, as figuras humanas e formas animais são apenas sugeridas ou insinuadas a partir de manchas de cor. Realce-se, nessas obras figurativistas de começos da década de 1970, o elevado conteúdo erótico e certa tendência cósmica e metafísica. Ninguém melhor do que o crítico Jayme Maurício, porém, para analisar essa fase da evolução de Mabe, ele que foi dos mais lúcidos e constantes exegetas de sua arte:
- Agora, nesta visita de junho de 1971, Mabe mostrou-nos uma semi-figuração, conseqüência de uma nostalgia permanente da figura, que ele realmente nunca abandonou, em telas que nunca expôs, ao longo da sua fulgurante carreira. Sem rejeição brusca da linha e características pictóricas da produção anterior - as grandes superfícies, o espaço, a matéria rica, o empaste, as transparências, as cores, a pincelada mesmo -, Mabe transforma as suas formas em figuras humanas, em animais, em símbolos cósmicos, delineando volumetricamente algumas atitudes e situações expressivas das reações e condicionamentos dos homens e dos animais. Consegue manter as suas qualidades plásticas no lirismo com que une abstração e figuração. O novo Mabe pede uma percepção mais atenta, uma reflexão mais profunda sobre o virtuosismo e a sinceridade da sua proposta ambivalente. O compromisso com a figura é tênue - não fixa detalhes anatômicos definitivos ou claros, mas consegue criar um nítido clima figurativo, dando às suas formas o contorno humano e animal. E o faz enfocando aspectos bastante comprometidos com o erotismo, a religiosidade, o cósmico, a família, o protesto ou o pungente. O mundo continua bom e poético para Manabu Mabe, que não exalta nem avilta ou degrada a figura, tratando-a simplesmente como ela o é, de fato, em várias situações.
Já em 1972 Mabe retomava a anterior veia da pintura gestual, até certo ponto forçado por exigências do mercado, e nos próximos anos não imprimiria, a rigor, nenhuma nova orientação à sua linha estilística - imutável até seus últimos dias.

Estranho, óleo s/ madeira, 1959;
1,05 X 1,22, Museus Castro Maya, RJ.

A fome, óleo s/ tela, 1961;
2,50 X 2,00, Palácio Bandeirantes, SP.

Abstracionismo, óleo s/ tela, 1967;
1,81 X 2,01, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Equador II, óleo s/ tela, 1973;
1,80 X 2,00, Museu de Arte Contemporânea da USP.

MALFATTI, Anita Catarina (1889-1964). Nascida e falecida em São Paulo. De pai italiano e mãe norte-americana, foi levada aos três anos à Itália, a fim de se submeter a uma intervenção cirúrgica no braço e na mão direitos, congenitamente atrofiados. Retornando ao Brasil praticamente sem melhoras, adestraria mais tarde a mão esquerda e, formando-se em 1908 pelo Mackenzie, começaria a lecionar, ajudando a mãe que, enviuvando, dava aulas de Idiomas e Pintura. Sua primeira mestra de pintura foi aliás a mãe, por volta de 1907. Poucos anos mais tarde, com a ajuda financeira de um tio e padrinho, embarcou para a Alemanha, a fim de estudar seriamente arte. Em setembro de 1910, em Berlim, ingressava no ateliê de Fritz Burger, e no ano seguinte achava-se matriculada na Academia Real de Belas Artes.
Em 1912, visitando a IV Sonderbund - uma exposição coletiva de arte de vanguarda - teve a revelação da arte moderna, através de originais de Cézanne, Gauguin, Van Gogh, Matisse e Picasso entre outros. Pela mesma época passou a estudar com Lovis Corinth e com Bischoff-Culm, iniciando-se também na técnica da gravura em metal. Anos mais tarde, evocando seus começos na Alemanha, Anita afirmaria, entre outras coisas:
- Em Berlim continuei a busca e comecei a desenhar. Desenhei seis meses dia e noite. Um belo dia fui com uma colega ver uma grande exposição de pintura moderna. Eram quadros grandes. Havia emprego de quilos de tinta, e de todas as cores. Um jogo formidável. Uma confusão, um arrebatamento, cada acidente de forma pintado com todas as cores. O artista não havia tomado tempo para misturar as cores, o que para mim foi uma revelação e minha primeira descoberta. Pensei: o artista está certo. A luz do sol é composta de três cores primárias e quatro derivadas. Os objetos se acusam só quando saem da sombra, isto é, quando envolvidos na luz. Tudo é resultado da luz que os acusa, participando de todas as cores. Comecei a ver tudo acusado por todas as cores. Nada neste mundo é incolor ou sem luz. Procurei o homem de todas as cores, Lovis Corinth, e dentro de uma semana comecei a trabalhar na aula desse professor.
Após uma breve passagem por Paris, Malfatti regressou em 1914 ao Brasil, realizando nesse mesmo ano sua primeira individual, em São Paulo. Foi acolhida com simpatia paternalista por Nestor Rangel Pestana, que fazia a crítica de arte em O Estado de São Paulo:
- É incontestável que a Srta. Malfatti possui um belo talento - os estudos têm uma espontaneidade, um vigor de expressão e uma largueza de execução, de que só dispõem os temperamentos verdadeiramente artísticos, nos quais o poder de síntese logo se revela nos menores estudos e esboços.
Pouco tempo depois da mostra a pintora de novo embarcava - agora para Nova Iorque, matriculando-se na Art Students League. Ali se tornaria aluna de Homer Boss - "um grande filósofo incompreendido e que deixava os outros pintar à vontade" -, o qual durante o verão de 1915 a levaria, com o resto da turma, a pintar na Ilha de Monhegan. Até meados de 1916 Malfatti permaneceu em Nova Iorque realizando nessa cidade alguns dos quadros mais importantes de sua carreira: O Japonês, Mulher de Cabelos Verdes, Homem Amarelo e vários outros. Foi ainda nessa permanência que conheceu pessoalmente Juan Gris e Marcel Duchamp, Isadora Duncan e Leon Bakst, Máximo Gorki e Sergei Diaghilev.
Em meados de agosto de 1916 achava-se de novo em São Paulo. Em 1917 ainda participa do Salão Nacional de Belas Artes, mas em fins do mesmo ano, instada por Di Cavalcanti, abre uma exposição de seus trabalhos na Rua Líbero Badaró, número 111, em São Paulo. A mostra foi a princípio bem recebida, com quadros vendidos e algumas críticas compreensivas; mas a 20 de dezembro Monteiro Lobato, em O Estado de São Paulo, publicava o artigo "A propósito da Exposição Malfatti", no qual, em termos contundentes, fazia uma crítica reacionária à artista, classificando a arte que praticava como fruto ou da paranóia, ou da mistificação. A despeito de artigos favoráveis (como o de Oswald de Andrade, no Jornal do Commercio de 11 de janeiro de 1918) e do apoio dos amigos, Malfatti sentiu-se fundamente atingida pelo ataque de Lobato, chegando em 1919 a se matricular como aluna de Pedro Alexandrino, efetuando, assim, um recuo estético que bem demonstra sua insegurança. No importante estudo que consagrou à pintora, Marta Rossetti Batista assim se refere a essa fase penosa da carreira de Anita:
- A desestruturação de sua linguagem expressionista - fato que ainda hoje causa perplexidade na crítica - parece ter sido progressiva: os germes de desânimo que o meio começara a lhe incutir no ano de 1916-1917 desenvolveram-se depois dos acontecimentos da exposição, atingindo, provavelmente em 1919 e 1920, seu ponto de maiores concessões. Para isso concorreram, sem dúvida, dois importantes fatores, que não podem ser separados: de um lado, a personalidade da pintora, suas condições emocionais muito particulares, mas de outro, o meio em que estava atuando, limitante, imobilista quanto à criatividade - o contrário dos ambientes efervescentes e libertadores nos quais tinha desenvolvido sua obra.
Ao participar do Salão Nacional de Belas Artes de 1919, Anita diz-se, no catálogo, "discípula das Escolas de Belas Artes da Europa, dos Estados Unidos e de Pedro Alexandrino": não poderia certamente dar prova mais concludente de desorientação artística. No entanto, foi pouco depois, no ateliê de Pedro Alexandrino, que travou conhecimento com Tarsila do Amaral, três anos mais velha do que ela, mas que dava início, na ocasião, à sua aprendizagem. Pode ter sido por influência de Tarsila que Anita passou a estudar com o pintor alemão Georg Fischer Elpons, em começos de 1920, numa atitude sintomática de que não mais a satisfaziam, então, os métodos acadêmicos do velho mestre das naturezas-mortas. Já na exposição realizada em São Paulo em fins de 1920, a artista parecia ter reencontrado parcialmente sua perdida personalidade, e colocado um ponto final à fase de concessões e de incertezas. Continuaria porém estudando com Elpons até fins de 1921.
Em fevereiro de 1922 Malfatti era uma das expositoras da mostra de artes plásticas realizada no saguão do Teatro Municipal de São Paulo como parte integrante da Semana de Arte Moderna: expôs, na ocasião, nada menos de 20 obras - o que representava certamente uma homenagem dos organizadores àquela que já então era considerada a pioneira e a proto-mártir do Modernismo no Brasil. Eram doze telas a óleo e mais oito gravuras e desenhos, achando-se entre os óleos obras já conhecidas da mostra "maldita" de 1917, como Estudante Russa, O Homem Amarelo, O Japonês, Mulher de Cabelos Verdes ou Ventania; outras, porém, indicavam orientação mais recente, e mesmo apontavam para os desdobramentos futuros de sua produção (Impressão Divisionista por exemplo). Curiosamente, no próprio dia da inauguração da Semana, o Conselheiro Antonio Prado tudo fez para adquirir O Homem Amarelo, que Mário de Andrade comprara pouco antes, o que revela que - como escreveu num depoimento a própria artista - "a plantinha havia vingado".
Em junho de 1922 Anita Malfatti passou a integrar o efêmero Grupo dos Cinco, ao lado de Tarsila (recém-chegada da Europa) e dos escritores Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Mário de Andrade. O ateliê de Tarsila na Rua Vitória, local de reunião habitual do Grupo dos Cinco, era um ponto de convergência modernista em São Paulo, tendo chegado a merecer visitas do todo-poderoso Senador Freitas Vale. Foi aliás durante uma visita à célebre Vila Kyrial, residência do senador em Vila Mariana, que Anita recebeu a notícia, dada solenemente pelo anfitrião, de que acabara de ser contemplada com o pensionato artístico do Estado de São Paulo - uma bolsa de estudos na Europa que solicitava desde 1914.
Em agosto de 1923 Anita Malfatti outra vez seguia para a Europa, fixando-se em Paris para longa temporada de cinco anos. No início da permanência tornou-se por pouco tempo aluna de Maurice Denis, freqüentando também cursos livres de arte, academias e ateliês diversos, conforme explicou anos mais tarde:
- Os nomes em evidência eram, então, o do francês Derain, o espanhol Picasso, e alguns outros como o russo (sic) Vlaminck, os franceses Marquet e Matisse. Não recebi influência de nenhum desses grandes nomes, embora nos dois primeiros anos de minha permanência em Paris eu fosse apenas uma colegial… É o que eu fui, pois precisava inteirar-me de tudo quanto acontecia ali. Freqüentei as academias de cursos livres, visitei os ateliês, rebusquei nos salões o que se fazia de mais avançado... E, depois, mantive-me independente dentro do movimento da época. Aprofundei-me nos primitivos, aproveitei a sua técnica, a sua maneira simples e fortemente característica. Nesses dois primeiros anos de procura nem sei o que fiz... Sou muito curiosa e daí a minha peregrinação exaustiva pela grande cidade, à procura do que ver, do que aprender. Ver, distinguir... Eu escolhia rigorosamente: se havia algo aproveitável, aproveitava; se não havia passava adiante levando a experiência que falhava.
No decurso dessa estada parisiense Anita participou do Salão de Outono em 1924, 1925 e 1927, e do Salão dos Independentes em 1926, tendo também realizado, nesse mesmo ano, uma individual na pequena Galerie André. De um modo geral a crítica manifestou-se favoravelmente em todas essas ocasiões, se bem colocasse os desenhos acima das pinturas - nas quais se observava, ainda, uma certa falta de unidade.
Em setembro de 1928 a pintora regressava a São Paulo, realizando em fevereiro de 1929 uma individual dos trabalhos produzidos na Europa. Retomando em seguida suas atividades de professora de Desenho na Escola Normal Americana e na Escola Normal do Mackenzie College, organizou em fins da década de 1930 uma exposição de trabalhos de seus pequenos alunos que bem pode ter sido uma das primeiras de arte infantil efetuadas no Brasil. Posteriormente participaria do Salão Revolucionário, em 1931, e enveredaria por uma trilha inquietante - a retomada do enfoque por assim dizer acadêmico, com ênfase nos recursos de perspectiva, correção anatômica e fidelidade linear, apelando para o claro-escuro e para o colorido atmosférico (Torreando Café, Salão de 1931; Caboclo, Salão Paulista de 1934: duas telas que, conforme Marta Rossetti Batista, "mostram, nestes anos, a coexistência em Anita Malfatti da moderna e da acadêmica"). A artista tinha, ela mesma, consciência de sua dispersão, e numa entrevista de 1931, referindo-se aos primórdios de sua carreira, não deixou de afirmar, com certa melancolia:
- Foi a fase trágica da minha carreira artística, não deixando de ser um dos melhores períodos da minha vida. Foi nesse período que consegui a minha verdadeira expressão de arte.
Em 1932 esteve entre as 39 personalidades da vida artística de São Paulo que criaram a SPAM, Sociedade Pro-Arte Moderna, tendo participado, no ano seguinte, da decoração do Carnaval na Cidade de SPAM, bem como da I Exposição de Arte Moderna da SPAM. A partir de 1934, e pelos próximos três anos, enviou também quadros para o Salão Paulista de Belas Artes, de orientação acadêmica se bem que do primeiro justamente em 1934) tivessem tomado parte, além de Anita, artistas de orientação moderna, como Tarsila, Volpi, Flávio de Carvalho, Guignard e Bonadei. Após 1937 passou a expor nos salões anuais do Sindicato dos Artistas Plásticos, então criado. Em setembro de 1933 começou a lecionar na Associação Cívica Feminina a um grupo de senhoras e senhoritas, para logo depois, abandonando a Associação, passar a ensinar Desenho e Pintura no ateliê de sua casa da Rua Ceará, o que faria pelos próximos vinte anos, tendo sido discípulos seus, entre outros, Sofia Tassinari, Oswald de Andrade Filho, Flávio Mota e Anésia Pacheco Chaves. Na década de 1930 Anita fez muitos retratos e quadros de flores, além de dar início às suas "tabuinhas", pequenas pinturas a óleo sobre madeira que enfocavam episódios circenses, brincadeiras infantis, cenas caipiras e religiosas etc.
Em 1935 e 1937 a pintora realizou duas individuais, a primeira em São Paulo, a outra no Rio, apresentando como "novidade", na primeira delas... "as telas lembrando os afrescos de Pompéia e a orientação seguida pelos artistas do Quatrocentto". A mostra carioca - única em toda a sua carreira - teve lugar no Palace Hotel, e suscitou, por sua heterogeneidade, o seguinte comentário de um crítico:
- A Sra. Malfatti faz o viajante percorrer os séculos e os gêneros. É primitiva, clássica e moderna avançada, faz retratos e naturezas-mortas.
Tão logo encerrada a mostra do Rio de Janeiro Malfatti participou da I Exposição da Família Artística Paulista. Voltaria a tomar parte nas outras duas mostras coletivas da Família, em maio de 1939 em São Paulo, e em setembro de 1940 no Rio de Janeiro. Em 1939 expôs também no III Salão de Maio, publicando, no respectivo catálogo, um depoimento sobre sua exposição de 1917. Em fins de 1940, com o falecimento de Alexandre de Albuquerque, tornou-se diretora do Sindicato dos Artistas Plásticos, colaborando a partir de então e por alguns anos na organização de vários salões da entidade.
Mais ou menos por essa época tem início a fase final da carreira da artista, marcada pela crescente influência do assunto brasileiro, tratado com humildade e sem sofisticações, desinteressada como estava de todo pela problemática da "grande pintura", e mesmo sem levar mais em conta a dualidade arte moderna e arte acadêmica. Em 1944 tomou parte em Belo Horizonte na Exposição de Arte Moderna, sendo homenageada na capital. Visitou, na ocasião, Ouro Preto, Mariana e Congonhas do Campo, fixando a paisagem mineira em algumas telas e tabuinhas. Do encontro com o Brasil interiorano continuavam a lhe brotar as festas populares, as procissões e outros temas caipiras ou regionais - abundantes em sua mostra individual de 1945 no Instituto dos Arquitetos de São Paulo, lado a lado com retratos, pinturas realizadas na França na década de 1920 e as telas históricas da década de 1910, pintadas nos Estados Unidos da América.
Em 1949 tinha lugar, no Museu de Arte de São Paulo, a primeira retrospectiva de Anita Malfatti, que apresentava numa sala as obras antigas, e na segunda obras recentes da artista. A crítica não deixou de observar que, se aquelas pinturas de começos da carreira denunciavam uma personalidade forte e original, as mais recentes refletiam sem dúvida uma Anita "acomodada e serena diante de um nacional meigo que ela interpreta num contínuo movimento pasmado. Pasmadas são suas casas adormecidas de Itanhaém e suas crianças ao redor do coreto ou de beira de estrada. É uma espécie de Brasil de recorte de janela de trem, esse que sente a pintora. Um Brasil com alguns traços a um tempo ingênuos e desesperados de ex-votos".
Em 1951 Anita participou do I Salão Paulista de Arte Moderna e da I Bienal de São Paulo, fazendo-o sem qualquer distinção ou regalia, antes submetendo humildemente seu envio ao corpo de jurados: para o Salão foram obras recentes, e para a Bienal, três telas das realizadas em 1915/6 nos Estados Unidos: Mulher dos Cabelos Verdes, A Boba e O Farol. Numa conferência realizada na Pinacoteca do Estado, no mesmo ano, a pintora rememorou os inícios de sua carreira, depoimento ainda hoje básico para o conhecimento de seu mundo de idéias. Retirando-se para uma chácara em Diadema pouco depois do falecimento da mãe, em 1952, Anita aprofundaria ainda mais seus estudos da Ciência Cristã, afastando-se gradativamente da pintura, embora ainda realizasse mostras individuais em 1955, no Museu de Arte de São Paulo, e em 1957 (desenhos), no Clubinho dos Artistas. Sua atitude perante a arte e perante a vida podem bem ser aquilatadas por esse trecho de uma singela Carta para Mário de Andrade - Caminho do Céu - Estrada da Saudade, que publicou num jornal por ocasião da passagem do 10º aniversário da morte do grande escritor:
- Eu moro longe de São Paulo, tomo conta do meu jardim, arranco o mato e planto as flores e as árvores, rego quando posso, arrumo a casa e pinto as festinhas do nosso povo que dão alegria ao coração da gente simples. O grandioso e o majestoso, assim como a glória e o mágico sucesso me deixam calada, triste, mas as coisas fáceis de pintar, simples de se compreender, onde mora a ternura e o amor do nosso povo, isto me consola, isto me comove.
E mais adiante:
- Tenho medo de ter desapontado a você. Quando se espera tanto de um amigo, este fica assustado, pois sabe que por nós mesmos nada podemos fazer e ficamos querendo, querendo ser grandes artistas e tristes de ficarmos aquém da expectativa. Procurei todas as técnicas e voltei à simplicidade, diretamente: não sou mais moderna nem antiga, mas escrevo e pinto o que me encanta...
Anita Malfatti faleceu a 6 de novembro de 1964, após ter recebido, no ano anterior, duas merecidas homenagens: uma exposição na Casa do Artista Plástico, e uma sala especial na VII Bienal de São Paulo, integrada por 39 obras e com texto introdutório, no catálogo, do crítico Paulo Mendes de Almeida.

Nu masculino sentado, carvão, cerca de 1916;
0,59 X 0,42, Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

Estudante russa, óleo s/ tela, 1917;
0,76 X 0,60, Museu de Arte de São Paulo.

Tropical, óleo s/ tela, 1917;
0,77 X 1,02, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Retrato de Lalive, óleo s/ tela, 1917;
0,90 X 0,76, Palácio Bandeirantes, SP.

Ouro Preto, óleo s/ tela, 1948;
0,64 X 0,80, Museu Nacional de Belas Artes.

MARIA LEONTINA Franco da Costa (1917-1984). Nascida em São Paulo e falecida no Rio de Janeiro. Após ter iniciado estudos de desenho em 1938 com Antonio Covello, estudou pintura com Waldemar da Costa entre 1940 e 1945, além de cursar Museologia no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro (1946-1948). Em 1946 participou da mostra Seis Novos de São Paulo, realizada no IAB-RJ, e já no ano seguinte recebe medalha de bronze no Salão Nacional de Belas Artes (Divisão Moderna). Ainda em 1947 tomou parte na exposição do Grupo dos 19, em São Paulo, nela recebendo o segundo prêmio de pintura. Praticava então uma pintura expressionista de tons dramáticos, não sem afinidade com as de Segall e Flávio de Carvalho. Em artigo então publicado Sérgio Milliet ressaltou "quanto havia de doentio em sua pintura acinzentada e quente, feita quase toda de fusões e de impulsos, também de muita melancolia, senão de amargura".
A partir de 1949, com uma série de naturezas-mortas despojadas, Leontina começou a despertar o interesse da crítica. Em 1951, além de ter participado da I Bienal de São Paulo, obteve o prêmio de viagem ao país do Salão Paulista de Arte Moderna. Com bolsa de estudos do Governo Francês, viaja para a Europa em 1952 na companhia do marido, o pintor Milton Dacosta, demorando-se em Paris até 1954 e ali participando do Salon de Mai, além de ter estudado gravura com Johnny Friedlaender. Surge por essa época a série Jogos e Enigmas, à qual se sucederiam várias outras: Narrativas, Episódios, Da Paisagem e do Tempo, Formas, Da Paisagem Ontológica etc., testemunhas de uma busca de expressão que a própria Leontina assim explicou:
- Em todo artista, ao longo de sua evolução, há um desdobrar-se de associações plásticas, que o levam de uma fase à outra na continuidade do que quer dizer, na tentativa de expressar o seu ser integral, embora o faça por fragmentos... As fases são novas temáticas - que amadurecem ou então brotam espontaneamente, dentro dele, novas maneiras de sentir e exprimir. Têm que ser depois filtradas plasticamente. Mas é preciso, antes, que o artista as deixe fluir livremente. Não podem ser inibidas, reprimidas, senão soam falsas, inautênticas. Isto que estou dizendo qualquer um sente e sabe, não tem nada de insólito. Cada fase ele denomina genericamente, apenas para distinguir as mudanças de um desenrolar psicológico. Qualquer artista tem logicamente suas mudanças dentro de si, que elimina ou filtra, à sua maneira, contanto que conserve sua unidade íntegra.
Por volta de 1963, com a série Estandartes, Maria Leontina adota uma linguagem não-figurativista, fazendo uso de esquemas composicionais simplificados ao extremo, dentro de uma atmosfera de intenso lirismo. Nas diversas séries seguintes - Páginas, Os Reinos e as Vestes, Novas Páginas, Orantes, Objetos Litúrgicos - ela ora persegue o anterior caminho abstracionista, ora retoma o figurativismo, sempre porém imersa em atmosfera poética, com extrema suavidade cromática e fazendo uso de linhas estruturais reduzidas ao essencial. Projeções, série iniciada em 1977, representa a síntese de todos os estágios anteriores de sua pintura, confirmando sua personalidade emotiva e ao mesmo tempo contida, sensível sem deixar de ser racional, exprimindo uma linguagem pessoal na qual as alusões ao mundo concreto assumem forma de símbolos. Não sem motivo, ao comentar como um todo a pintura de Maria Leontina, Ferreira Gullar incluiu-a na família espiritual dos Klee e dos Mirò.
Maria Leontina realizou a partir de 1950 mais de 30 individuais em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, culminando com as grandes retrospectivas de 19981, no Instituto de Arquitetos do Brasil - Rio de Janeiro e 1994 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Sua obra também foi exposta em coletivas como a Bienal de São Paulo (1951, 1955, 1957, 1965, 1989), Prêmio Nacional Guggenheim (1960, Nova York), Tradição e Ruptura (1984, São Paulo), A Cor e o Desenho do Brasil (1984, Paris, Londres, Madrid, Lisboa, Roma e Haia), Modernidade: Arte Brasileira do Século XX (1987, Paris), Bienal Brasil Século XX (1994, São Paulo), I Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 1997) etc. A respeito dessa artista - dos maiores, dos mais puros valores da arte brasileira do Séc. XX -, assim escreveu Walmir Ayala:
- Leontina falava pouco. Sua antieloquência era fecunda de reflexão e disciplina. Era um ser atento à vida e ao mundo visível, procurando e projetando os toques invisíveis das formas conhecidas e catalogadas. Não partia certamente de temas figurativos para se filtrar em transparências e extensões metafísicas. O mais certo é o encontro simultâneo do tempo inferior da forma, com a sua tradição significante. E sintetiza mesmo, num exercício pictórico dos mais elaborados, no sentido de denominação, seja uma veste, uma vela de barco, uma folha de papel de seda, uma nuvem, a sombra de uma asa, o instante de um gesto.

Natureza morta, óleo s/ tela, 1951;
0,64 X 0,51, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Natureza morta, óleo s/ tela, 1957;
1,65 X 0,86, Palácio dos Bandeirantes, SP.

Pintura, óleo s/ tela, 1967;
1,50 X 1,50, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

MEIRELES, Cildo (1948). Nascido no Rio de Janeiro. Mudando-se aos 10 anos para Brasília, iniciou sua aprendizagem aos 15 freqüentando o ateliê-escola do pintor peruano Félix Berranechea instalado pela Fundação Cultural do Distrito Federal no aeroporto da capital. Em 1966, a convite de Mário Cravo, realizou sua primeira individual, de desenhos, no MAM da Bahia. Voltando a residir no Rio de Janeiro, cursou dois meses a Escola Nacional de Belas Artes e o ateliê de gravura do MAM-RJ. Em 1969 fundou com Frederico Morais e Guilherme Vaz a Unidade Experimental do MAM, da qual seria o primeiro diretor. Também em 1969 recebeu o 1º Prêmio do Salão da Bússola, do qual participou com obras experimentais e ritualísticas. No ano seguinte, na exposição "Do Corpo à Terra" organizada por Frederico Morais em Belo Horizonte, efetuou uma queima pública de galinhas, transformando a violência e a brutalidade em realização estética. Vivendo de 1971 a 1973 em Nova York, adotou ao regressar ao Brasil o audio-visual como meio expressivo, expondo nesse último ano em São Paulo suas "Inserções em Circuitos Ideológicos" e "Inserções em Circuitos Antropológicos". Em 1974 participou da mostra Arte de Sistemas / América Latina realizada em Paris e Londres pelo CAYC de Buenos Aires, e no ano seguinte apresentou no MAM-RJ e na Galeria Luís Buarque de Holanda da mesma cidade a mostra em dois tempos Ghetto - Blindhotland e Eureka - Blindhotland, explicando em texto no catálogo que em seu trabalho a realidade visual cedera espaço a uma realidade cega, com ênfase no gustativo, no térmico, no sonoro, no oral, na densidade etc. Co-editor em 1975 da revista Malasartes, em 1979 sua obra foi tema de um documentário realizado por Wilson Coutinho, e em 1984 lançou com grande repercussão a nota de zero dólar. Tendo realizado em 1978 uma individual de desenhos na Pinacoteca de São Paulo, voltaria nos próximos anos a expor individualmente em Medellin, São Paulo, Londres, Valência (1995, retrospectiva), Porto, Boston (1997, retrospectiva) e Nova York, além de participar de importantes coletivas, como Information (1970, MoMA, Nova York), Bienal de Veneza (1976), Bienal de Paris (1977), Bienal de Sidney (1984), Modernidade (1987, MAM de Paris), O Espírito Latino-Americano (1988, Mm DO Bronx), Missões 300 Anos - A Visão do Artista (1987/1988, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, na qual compareceu com uma instalação de 4 x 11 x 11 metros formada por 2.000 ossos, 600.000 moedas, 800 hóstias 86 placas de granito tecido), Mágicos da Terra (1989, Centro Pompidou, Paris), Bienal de São Paulo (1989), Documenta de Kassel (1992), Bienal Brasil Século XX (São Paulo, 1994), Face à História (Paris, 1997) e Bienal do Mercosul (1997), entre outras.
Não sendo propriamente um pintor, mas alguém particularmente interessado em questionar o sistema das artes, para isso lançando mão de técnicas e linguagens não convencionais, Cildo Meireles é, no dizer de Aracy Amaral, "a mais interessante personalidade não-objetual surgida no Brasil", alguém que, segundo escreveu em 1981 Eudoro Augusto Macieira de Sousa "procura aprofundar incisivamente a contravenção duchampiana, que em si já constituía uma radicalização da linguagem plástica, até então acomodada a uma perspectiva inseparável da história "visual" da arte". O próprio artista, em depoimento prestado em 1975 a Ronaldo Brito, assim explicou o seu trabalho, não sem alguma ironia:
- A oralidade é o suporte ideal para o trabalho de arte. Ela não só prescinde da posse do objeto, como é de fácil trasmissão e expansão social. Um trabalho pode ser "contado", sem grande perda de substância. Com isso, se pensarmos bem, veremos que a oralidade é o elemento essencial das relações sociais no Brasil: a realidade brasileira é muito mais rica na conversa e na dança do que na escrita, por exemplo. O seu dinamismo se passa sobretudo no plano da criação verbal cotidiana, e não há razão para que os chamados artistas plásticos não explorem esse fato. Gostaria que meus trabalhos pudessem ser "manipulados", mesmo por aqueles que tenham apenas ouvido falar neles. Mesmo porque, como a língua, a arte não tem dono.

Parla, granito, madeira e couro, 1982;
1,25 X 0,50 X 0,90, Museu de Arte Contemporânea da USP

MILHAZES, Beatriz (1960). Nascida no Rio de Janeiro. Formada em Comunicação Social, freqüentou a Escola de Artes Visuais do Parque entre 1980 e 1982, e já no ano seguinte obtinha prêmio de aquisição no Salão Nacional de Artes Plásticas. Outras coletivas de que participou incluem Como vai você, Geração 80? (1984, Parque Lage), Bienal Latino-Americana de Arte sobre Papel (1986, Buenos Aires), El Escrete Volador (1986, Guadalajara), II Bienal de Cuenca (1989), BR/80 Pintura Brasil Década de 80 (1991, Rio de Janeiro), Brasil: La Nueva Generación (1991, Caracas), The Art of Contemporary Brazil (1993, Washington), The Exchange Show (1994, Rio de Janeiro e San Francisco) e XXIV Bienal de São Paulo (1998). Sobre sua pintura assim se manifestou em 1993 Stella Teixeira de Barros:
- Nas pinturas de Beatriz Milhazes o rigor conceitual e a disciplina construtiva se debatem apaixonadamente com as imagens de insinuação barroca, gerando tensões autofágicas. Trabalhando com um método de monotipia onde as imagens são preparadas sobre plástico transparente na medida inversa em que serão impressas na tela, a artista controla a espessura reduzida da matéria pictórica, esconde o gesto da pintura e congela a imagem decalcada. Nesse assentamento da fina película de tinta sobre a tela, pele sobre pele, derme sobre derme, o embate das formas circulares com o princípio geométrico cria uma pintura de sensibilidade hiperbólica, que nasce da luta desvairada entre figuração abarrocada e construção rigorosa - não da luta de um elemento contra outro, de uma vertente contra outra, mas da exaltação mútua que governa a sensualidade barroca revestida de cor matissiana e libera a emoção construtiva embrionária da obra. As formas circulares reforçam núcleos ao mesmo tempo que geram deslocamentos ora concêntricos, ora expansivos e perturbam qualquer desejo de hierarquia que a construção racional insiste em reinventar. Por isso são pinturas que não se oferecem ao primeiro olhar.

MOHALYI, Yolanda Lederer (1909-1978). Nascida em Kolozsvar (Hungria) e falecida em São Paulo. Após estudar na Real Academia de Belas Artes de Budapeste, em 1931 emigrou para o Brasil, fixando-se em São Paulo e logo se integrando ao movimento artístico local, passando a fazer parte do Grupo dos Sete, ao qual pertenciam entre outros Brecheret e Antonio Gomide. No dizer de Wolfgang Pfeiffer, um de seus exegetas mais constantes, "suas figuras e paisagens da época apresentavam motivos com forte concentração formal, seja nas suas formas compactas, seja nas cores carregadas e densas". Era, em resumo, uma artista que sentira o impacto do pós-impressionismo e que se avizinhara de um brando expressionismo, praticando uma arte estribada em denso cromatismo e num desenho discretamente deformado. Foi com essas pinturas iniciais que, em 1935, conquistou no Salão Paulista de Arte Moderna uma pequena medalha de ouro.
Ligando-se, em começos da década de 1930, a outros artistas brasileiros ou estrangeiros no Brasil radicados, sentiu Yolanda Mohalyi a influência toda especial de Segall, mesmo porque sua pintura possuía evidentes afinidades com a desse grande artista expressionista, oriundo, como ela própria, da Europa Central. Por algum tempo sua arte será como que um pastiche atenuado da de Segall, distinguindo-se da produção do mestre apenas por detalhes de colorido, menos profundo, e de expressão, menos dramática. É que, como escreveu Walter Zanini, praticava um Expressionismo "sem paixões e veemências", fiel a um "temperamento introspectivo", suavemente nostálgico e elegíaco.
Durante a década de 1940, continuando embora figurativista, Yolanda Mohalyi afasta-se paulatinamente da marcante presença de Segall, e tenta estruturar melhor suas composições. Do mesmo modo, sob o impacto das primeiras Bienais de São Paulo, vai-se afastando aos poucos da representação das formas e cores naturais, ao mesmo tempo em que se aproxima do Abstracionismo. Primeiro em guaches, por volta de 1956, logo em seguida em pinturas a óleo, essa mudança estilística faz-se sentir muito nítida na arte de Mohalyi, que permanecerá contudo excepcional colorista. E será pela sábia modulação das cores, impregnadas de luminosidade e transparência, que a artista irá se transformando aos poucos numa das mais típicas representantes do não-figurativismo expressionista no Brasil, inculcando em toda a sua produção um extraordinário sentimento cósmico e profundo misticismo. Yolanda Mohalyi, ela mesma, assim se referiu a essa faceta de sua personalidade, num dos raríssimos momentos em que se externou sobre a própria arte:
- O subconsciente religioso, na minha vida particular, me equilibra, e na arte me levou a um profundo sentido místico cósmico, à totalidade, à atividade entre a vida e a morte.
E no que concerne à essência expressionista de sua pintura:
- Além do sentimento puramente humano em relação ao sofrimento humano, tenho, e certamente todos temos, em escala diferente, uma consciência coletiva que nos questiona, nos culpa e nos impõe um dever com o próximo. É isto que eu sinto e a que procuro responder.
Yolanda Mohalyi realizou numerosas exposições, a partir da de 1945 no Instituto dos Arquitetos do Brasil - Seção de São Paulo: em São Paulo em 1950, 1954, 1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965 (Sala Especial na VIII Bienal), 1971 (Sala Especial na XII Bienal), 1976 (Retrospectiva no Museu de Arte Moderna), 1979 (Sala Póstuma na XVI Bienal); no Rio de Janeiro (1964, 1965), Nova Iorque (1955, 1970), Buenos Aires (1956), Paris (1957), Munique (1963), Lima (1964), México (1968), Washington (1970, 1974), etc. Participou também de importantes coletivas, como as Bienais de São Paulo e Tóquio, Córdoba e Bogotá, mostras de arte brasileira em Genebra, Zurique, Lugano, Santiago, México, Argentina e Japão, e bem assim dos Panoramas de Arte Atual Brasileira do MAM de São Paulo, em 1970 e 1973, e da grande mostra Brasil Bienal Século XX (São Paulo, 1994). Entre suas numerosas premiações, cite-se a de melhor Pintor Nacional, obtida em 1963 na VII Bienal de São Paulo. Além da pintura, praticou o vitralismo, fez painéis em mosaico para diversas residências paulistanas e em 1951 executou um mural na Igreja Cristo Operário em São Paulo. Lecionou ainda, a partir de 1960 e até 1962, na Escola de Arte da Fundação Armando Álvares Penteado.
Após a morte da pintora, seus familiares doaram ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo seus arquivos, bem como um significativo número de pinturas a óleo e de aquarelas de diferentes fases, possibilitando assim aos estudiosos a recomposição de toda a sua trajetória estética.

Composição, guache e nanquim s/ cartão, 1959;
0,74 X 1,10, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Em alguma parte, óleo s/ tela, 1970;
1,75 X 1,50, Museu de Arte Contemporânea da USP.

MOTA, Agostinho José da (1824-78). Nascido e falecido no Rio de Janeiro. Matriculando-se em 1837 na Academia Imperial de Belas Artes, fez curso brilhante, ao término do qual conquistou a viagem à Europa, no Sexto Concurso do Prêmio de Viagem (1850), partindo a 25 de março do ano seguinte para a Itália. Em Roma, onde se fixou, tornou-se aluno do paisagista francês Jean-Achille Benouville. Datam da longa permanência italiana algumas de suas mais poéticas paisagens, "peças esplêndidas, executadas com a segurança de um grande artista, perspectiva perfeita, colorido harmonioso, tons quentes e de uma grande poesia", como delas escreveu Lígia Martins Costa. Vista de Roma, por exemplo, "é obra de inestimável valor pela precisão do toque, pela poética combinação da cor" (Arte brasileira, 1888).
Retornando ao Brasil após longa permanência, em 1859 teve Agostinho José da Mota o destino que a Academia reservava aos que nela se destacavam: tornou-se seu professor, inicialmente de Desenho, e após 1860, de Paisagem, exercendo o magistério até o fim da curta vida. Mas, a despeito de ter exposto com grande sucesso nas diversas Exposições Gerais de Belas Artes (tanto que na de 1852 obteve medalha de ouro, e nas de 1868 e 1871 mereceu sucessivamente a Ordem da Rosa e a Ordem de Cristo) não chegou a desfrutar de popularidade, talvez porque, como explicou Araujo Viana, não gozasse das simpatias gerais por ser "irônico, pilhérico e mordaz". Em compensação, recebeu grande apoio da Imperatriz, que o tinha em alta conta e lhe encomendou paisagens e peças de flores, essas últimas pintadas a aquarela e por ela remetidas a seus parentes na Itália.
Para o pouco reconhecimento público de Mota outros fatores iriam colaborar, como explica Gonzaga Duque:
- Era inteligente, porém inativo, quase preguiçoso. Para tudo e a todos dizia sempre, com sua vozinha aflautada, débil, de menino raquítico: "Sim, mais tarde... Há de se fazer... Com vagar, filho, com vagar..."
E prossegue o grande crítico:
- A natureza não foi o primeiro cuidado de Agostinho da Mota. Muitas vezes ele a desprezou para criar, combinar, harmonizar linhas que podem dar conta da fina delicadeza de seu gosto, porém nunca da sinceridade da sua comoção, e da espontaneidade das suas impressões. Convencionalista, não por inabilidade, porém por preguiça, vinha fazer quadrinhos de cavalete, no ateliê, muito a gosto, metido no casaco de brim pardo, devagueando por fantasias douradas, entre duas fumaradas de cigarro e uma chávena de chá.
Gonzaga Duque acusa portanto Mota de nem sempre pintar do natural, muito embora o próprio artista rechaçasse com veemência esse tipo de acusação, como escreveu o já citado Araújo Viana num artigo que comemorava o 25º aniversário de sua morte:
- Os desafetos o acusavam de nem sempre pintar do natural, calúnia que ele esmagava, fazendo com seus alunos, constantes exercícios de paisagem no Trapicheiro e em diferentes sítios pitorescos dos arredores da cidade.
Por conseguinte, a afirmativa de que não executava suas paisagens do natural era classificada como calúnia por alguém que, mesmo não o tendo conhecido pessoalmente, privou da intimidade de diversos alunos seus, como Modesto Brocos, Bernardelli, Pedro Peres ou José Maria de Medeiros.
Se já da Vista de Roma, da década de 1850, diz Gonzaga Duque ser tirada do natural, cabe inegavelmente a Agostinho José da Mota papel pioneiro na história da pintura de ar livre brasileira, pois leva sobre Grimm prioridade de mais de 30 anos! Também do natural foram realizadas as paisagens que por solicitação de Dona Teresa Cristina pintou por volta de 1857, uma das quais - Paisagem do Rio de Janeiro desde o Caminho para Petrópolis, vendo-se a Baía de Guanabara, o Pão-de-Açúcar e outros morros do maciço carioca -, encontrada em 1979 na Áustria, foi vendida num leilão em São Paulo dois anos depois, e hoje se encontra numa coleção privada nessa cidade.
Agostinho José da Mota praticou, além da paisagem, a natureza-morta - em que era mestre inexcedível, existindo, no Museu Imperial de Petrópolis e em algumas coleções particulares, exemplos admiráveis dessa segunda faceta do seu temperamento. E - coisa curiosa: se as paisagens, apesar de se constituírem numa novidade pelo fato de serem pintadas do natural, parecem mais convencionais, as naturezas-mortas são personalíssimas no que respeita a composição, atmosfera, tudo, oferecendo aspecto ao mesmo tempo ingênuo e arcaico, e evocando simultaneamente os primitivos norte-americanos, que ele não conheceu obviamente, e um pintor erudito como Carlo Magini (1720-1806), com cuja obra bem pode ter tomado contato durante os anos em Roma.
Extraordinário artista e grande pintor, talvez o mais importante do seu tempo no Brasil, Mota levou uma vida de privações hoje incompreensível, sendo obrigado a pintar até tabuletas comerciais para viver e assinando-as não sem amarga ironia: A. J. da Motta, professor da Academia.

Melão e ananás, óleo s/ tela, s/ data;
0,35 X 0,52, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

N

NAVARRO da Costa, Mário (1883-1931). Nascido no Rio de Janeiro e falecido em Florença. Estudou por muito pouco tempo com José Maria de Medeiros e Rodolfo Amoedo, sem nunca porém ter cursado a Escola Nacional de Belas Artes. Suas marinhas começaram a ser notadas no Salão de 1907, quando lhe garantiram uma menção honrosa de 1º grau e motivaram a Gonzaga Duque uma análise cheia de simpatia e compreensão:
- Promete por seu sentimento estético preencher o vazio deixado pelo pranteado Castagneto e, talvez, ser notabilizado no gênero.
Foi ainda premiado nos Salões de 1912 (medalha de bronze) e 1920 (prata). Expôs individualmente pela primeira vez em 1910, na Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro, e em 1912 e 1913 participou dos salões organizados pela Sociedade Juventas, núcleo da futura Sociedade Brasileira de Belas Artes.
Em 1914 realizou no Teatro João Caetano do Rio de Janeiro sua segunda individual; no mesmo ano ingressou na carreira diplomática como auxiliar de consulado, sendo enviado a Nápoles. Aproveitando a permanência nessa cidade freqüentou a Academia de Belas Artes, tornando-se aluno de Ulrico Pistilli e Attilio Pratella. O último, marinhista notável, iria marcá-lo com certa intensidade, e não seria demasiado vincular à maneira do pintor napolitano certos efeitos e empastamentos visíveis na arte do brasileiro.
Pouco ficaria porém em Nápoles, já que, com o advento da Guerra, é transferido para Lisboa, em cuja vida artística e cultural integra-se. Em 1916 quatro de suas telas participam da exposição anual da Sociedade Nacional de Belas Artes, e uma delas - Porto de Pozzuoli à Tarde - é contemplada com medalha de primeira classe. É na mesma Sociedade que em fevereiro de 1917 expõe 34 óleos, 21 pastéis e aquarelas, várias dessas obras tendo sido já feitas em Portugal, outras trazidas da Itália e mesmo do Rio de Janeiro. Em fins do mesmo ano efetua na Galeria da Misericórdia, do Porto, nova exposição: nada menos de 53 óleos e 7 pastéis, todos já com motivos portugueses. Sua notoriedade é grande, em Portugal: Columbano, Souza Pinto e Carlos Reis são seus admiradores, Malhoa lhe executa inclusive o retrato. Quando deixa a capital lusitana, transferido para Paris, leva no peito as insígnias de Comendador da Ordem de São Tiago da Espada.
Por um ano permanece em Paris, ocasião em que sua visão pictórica aprofunda-se e amadurece. Ao contato com a obra dos impressionistas, sua paleta torna-se mais luminosa; por outro lado, é quase certo que tenha visto, na efervescente Paris do imediato pós-guerra, manifestações de arte de vanguarda. Sentiu de perto, e isso se reflete em sua paleta, o impacto do Fovismo: telas como O Sena em Saint-Germain-en-Laye, Pont Royal e Pont Solferino intermesclam ingredientes herdados do Impressionismo, com outros obviamente fovistas.
Nova remoção na carreira consular leva-o a Munique. Ali, e em rápidas escapadas aos Países Baixos e à Bélgica, realiza relativamente poucas obras: com freqüência as saudades do sol meridional levam-no a procurar o Sul. Então, refugia-se em Veneza, onde produz Pérgola de Veneza, Casa de Tintoretto, Palácios do Gran Canale e muitas outras.
Em meados da década de 1920 está no Rio de Janeiro, onde expõe em 1926 e onde pouco depois funda com outros artistas a Associação de Artistas Brasileiros, da qual será o primeiro presidente. Infelizmente, poucos anos restavam-lhe de vida, pois Navarro da Costa faleceu aos 48 anos, em Florença, quando se preparava para assumir o consulado brasileiro em Livorno.
Se pintores como Castagneto pertencem totalmente ao Séc. XIX, Navarro da Costa, ao contrário, não pode ser entendido sem o Séc. XX no qual atuou. Nada deve a Grimm, muito embora suas primeiras marinhas mostrem nítida influência de Castagneto. Mas sua arte é mais construída e menos espontânea que a desse célebre marinhista, além de a nortear, também, um sentimento cromático muito mais intenso. O pintor com que mais se assemelha, entre os brasileiros, é sem dúvida Garcia Bento, não apenas pela utilização, que ambos fizeram, da espatulagem, como sobretudo por um tipo específico de visão. Mas Navarro da Costa possui maior inteligência pictórica que Garcia Bento, mesmo porque, devido à sua atividade de diplomata, logrou ver, na Europa, as novas tendências estéticas no momento, quase, em que faziam sua aparição no cenário artístico. Depõe de maneira positiva, em seu favor, o ter ele buscado entender e mesmo aceitado, ao menos parcialmente, algumas de tais tendências, adaptando-as embora à sua visão particular. Se nos é impossível ver, na obra de Navarro da Costa, qualquer marca cubista (como chegaram a aventar alguns dos seus críticos), é inegável que por ela perpassa vaga influência fovista, residindo na cor e na textura os pontos mais modernos de sua produção.
A tendência da crítica, desde há alguns anos, é lhe conceder o primeiro lugar entre todos os nossos marinhistas. É o que fizeram Nogueira da Silva e Ronald de Carvalho e, mais recentemente, Celso Kelly e Pedro Caminada Manuel Gismondi. O próprio Quirino Campofiorito parece ser da mesma opinião, ao escrever:
- No Brasil, a luminosidade tropical dos temas marinheiros não teve pintor que superasse os registros de sua intensidade que lhe asseguraram as tintas da paleta de Mário Navarro da Costa através de seus pincéis, sempre guiados por uma irrefreável espontaneidade e um marcado domínio do ofício.

Porto de Leixões, Portugal, óleo s/ tela, 1901;
0,80 X 1,00, Pinacoteca do Estado de SP.

Porto de Leixões, Portugal, óleo s/ tela, 1901;
0,80 X 1,00, Pinacoteca do Estado de SP.

Sol de Verão em Veneza, óleo s/ tela, 1923;
1,34 X 1,60, Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, RJ.

NERY, Ismael (1900-34). Nascido em Belém (PA) e falecido no Rio de Janeiro. Ismael Nery possuía nas veias sangue lusitano, indígena e holandês. Aos dois anos veio para o Rio de Janeiro, e tinha apenas 15 quando se matriculou na Escola Nacional de Belas Artes, da qual foi aluno rebelde e inadaptado. Seu talento já então causava admiração a contemporâneos como Lúcio Costa, consubstanciando-se numa quantidade de guaches e de aquarelas hoje perdidos. De 1920 a 1921 esteve na Europa, estudando os Velhos Mestres em França e na Itália. Ao regressar foi nomeado desenhista-arquiteto da antiga Diretoria do Patrimônio Nacional do Ministério da Fazenda, casando-se em 1922 com Adalgisa Nery, com quem teria dois filhos. Em 1927 fez sua segunda viagem à Europa, conhecendo então André Breton e Marc Chagall e se ligando aos surrealistas. Em 1929 iria à Argentina e ao Uruguai. Caindo enfermo no ano seguinte, com tuberculose pulmonar, foi internado em 1931 no Sanatório de Correias, onde permaneceu dois anos. Em julho de 1933, aparentemente curado, passou a morar em Teresópolis, logo retornando ao Rio. Mas em dezembro a tuberculose atacou-lhe a laringe, falecendo o artista a 6 de abril de 1934, aos 33 anos. Envergava, na ocasião, o hábito franciscano, com o qual foi enterrado.
Com Ismael Nery deparamo-nos com o caso, único na história da arte brasileira, de um grande pintor para quem a pintura não representava senão uma preocupação secundária, porquanto à filosofia e à poesia dedicava ele o melhor de seu esforço e de sua atenção. Chegou mesmo a construir um sistema filosófico, que nunca escreveu, baseado, segundo Murilo Mendes, "na abstração do Tempo e do Espaço, na seleção e cultivo dos elementos essenciais à existência, na redução do Tempo à unidade, na evolução sobre si mesmo pela descoberta do próprio essencial, na representação das noções permanentes que darão à arte a universalidade ". Era o Essencialismo, de inspiração fundamente católica, neo-tomista. No que respeita à poesia, deixou-nos Ismael Nery poemas em prosa - como O Ente dos Entes, Os Filhos de Deus e sobretudo Testamento Espiritual - que se inscrevem entre o que de mais puro e elevado jamais se escreveu entre nós. Príncipe do espírito, para Mário Pedrosa, pintor maldito do Modernismo Brasileiro, no dizer de Antonio Bento, seu reconhecimento como um dos nossos maiores pintores e desenhistas é relativamente recente - datando de não mais de 30 anos -, porquanto em vida apenas realizou duas individuais - uma em Belém do Pará em 1928 e a segunda no Rio de Janeiro em 1929 -, conseguindo vender, em ambas, um único quadro. Mesmo porque, no depoimento de Manuel Bandeira, Ismael "negava a pé firme a qualidade de pintor".
Tendo começado a produzir num tempo em que a preocupação por uma temática nacionalista empolgava alguns de nossos melhores artistas, Ismael Nery paradoxalmente nunca se preocupou com tal busca por uma pintura brasileira, antes situando sua produção em plano absolutamente internacional. Isso, e a circunstância de a figura humana ser o motivo exclusivo de toda a sua obra - como o foi para Michelangelo e para Modigliani -, tornam-no pintor de características ímpares no Brasil. Não se conhecem com efeito, de Ismael, paisagens, naturezas-mortas, cenas de gênero, mas sim única e exclusivamente interpretações do corpo e do rosto humanos, uma exigência do seu espírito sempre às voltas com elucubrações de natureza antes filosófica que propriamente artística. O pintor que, quando estudante na Escola Nacional de Belas Artes, comprazia-se em recriar a seu modo cópias em gesso de velhas esculturas gregas e romanas, atingia assim um classicismo deliberado, no qual os corpos, solitários ou em grupo, de homens e mulheres idealizados, eram, mais do que um pretexto para o sutil diálogo entre formas, linhas e cores, a ilustração de seus ideais essencialistas e do seu humanismo cristão. Seu classicismo é confirmado, aliás, pela admiração ilimitada que devotava aos venezianos da Renascença, como Ticiano, Tintoretto e Veronese, bem como a Michelangelo e Rafael, uma admiração que contrapunha (e mesmo antepunha) à que consagrava a Chagall, Picasso e Max Ernst entre os modernos.
No que respeita à sua produção, pode a mesma ser dividida em três fases, em cada qual predominando um estilo: expressionista, cubista e surrealista Cronologicamente, o expressionismo de Nery estender-se-ia entre 1922 e 1923 apenas, época de execução do Auto-Retrato como Toureiro, do Retrato de Murilo Mendes ou de A Espanhola. De 1924 a 1927, sob a influência da fase azul de Picasso, produziu Ismael Nery várias obras de conotação cubista, em que também predominavam as tonalidades azuis (Retrato de Adalgisa Nery, 1924). É comum, também, combinarem-se num mesmo quadro as duas tendências - a expressionista e a cubista -, como ocorre no Nu Feminino de 1925, ou no Auto-Retrato, de 1926.
A fase surrealista vai de 1927 ao fim da vida do artista e se acha diretamente ligada a Chagall, que parece ter devotado ao brasileiro, em Paris, amizade e admiração verdadeiras. Pertencem a essa fase obras como o Auto-Retrato com a Torre Eifell e o Pão-de-Açúcar, a Cena Surrealista, de 1928 ou Adalgisa com ramo de flores, de 1929. As formas desarticuladas de corpos humanos, lado a lado com obras de conotação mais lírica (O Encontro, 1928) e outras de inspiração religiosa (Anunciação, 1930), encerram o ciclo produtivo de Nery, cuja obra como pintor é muito pequena: uma centena e meia de óleos, se tanto.
Do ponto de vista artístico não parece haver dúvidas de que o período cubista-expressionista de Ismael é o mais importante, quer qualitativa, quer quantitativamente, de toda a sua produção. Historicamente, porém, há que se levar em conta a circunstância de Ismael ter sido o primeiro pintor surrealista brasileiro, introduzindo praticamente em nossa arte o insólito e o irracional.
Ismael não foi apenas pintor: foi ainda desenhista extraordinário, e muitos são os que concedem, a seus desenhos, dos quais sobrevivem algumas centenas, importância igual e até superior à dos óleos. Seu maior exegeta, Murilo Mendes, a quem de resto se deve o resgate de praticamente quanto nos ficou de tais desenhos (que, mal concluía, Ismael atirava ao cesto de papéis, imprestáveis), afirma dos mesmos que constituem "um dos grandes patrimônios culturais do Brasil", ao passo que Mário Pedrosa não hesita em afirmar que Ismael "revela, sobretudo no desenho, os dons de especulação plástica, os maiores, talvez, da geração".
Um dos pontos mais elevados do desenho de Nery é a série de obras produzidas entre 1927 e 1929 sob o influxo de Marc Chagall. Em muitas aquarelas e guaches os personagens, momentaneamente libertos da lei da gravidade, flutuam no espaço, enquanto casas e linha do horizonte assumem posições antitetônicas. Num desses desenhos, de 1927, o pintor brasileiro chegou mesmo a escrever, em sua finíssima caligrafia, a inscrição reveladora: Como meu Amigo Chagall, tal a marca do artista russo naquele momento de sua evolução. Evocações de sonhos, imagens que se interpenetram de corpos humanos, vísceras em arranjos inéditos, estudos de formas humanas que se duplicam ou se desarvoram, mesmo certas alusões críticas, satíricas ou bem-humoradas perpassam ainda por tais desenhos, nos quais a qualidade maior, onipresente, é a fluência e a sensibilidade linear.
Projetos arquitetônicos e de arquitetura de interiores, trabalhos cenográficos e estudos de trajes ocorrem ainda na produção gráfica de Ismael Nery, que pode bem ter assistido, ao tempo de sua permanência em Paris, a espetáculos de balé e teatro de vanguarda. E há que falar ainda no único livro que ilustrou: os Contos e poemas bíblicos, de Nélson Catunda, em 1925.
Personalidade genial, Ismael Nery morreu no momento em que mal dava início a uma carreira inigualável. A que alturas não teria atingido, tivesse acaso vivido, como é lícito supor, mais 30, 35 anos Mesmo morrendo aos 33, contudo, deixou-nos um acervo inestimável de óleos e desenhos, nos quais é fácil perceber a excepcionalidade de sua contribuição.

Composição cubista, guache, s/ data;
0,24 x 0,18, coleção particular.

Duas amigas, detalhe, óleo s/ tela, 1925.

Nu no cabide, óleo s/ cartão, cerca de 1927;
0,55 X 0,46, Palácio Bandeirantes, SP.

Figura, óleo s/ tela, cerca 1928;
1,05 X 0,70, Museu de Arte Contemporânea da USP.

O

OHTAKE, Tomie (1913). Nascida em Quioto (Japão). Chegando ao Brasil em 1936, radicou-se em São Paulo, onde se casou e levou a vida comum de uma dona-de-casa até 1951, quando passou a estudar com o pintor japonês Keisuke Sugano, então de passagem pela cidade:
- Eu pintava o que queria, ele me dava bastante liberdade. Mas depois me criticava e também me dava aulas de História da Arte.
Ligando-se aos poucos a artistas e grupos, integrou-se dentro de mais alguns anos ao Grupo Seibi, em cujos salões anuais passou a expor, recebendo menção honrosa em 1953. Mais tarde seria ainda contemplada com a pequena e a grande medalhas de ouro, em 1959 e 1960.
Quase todas as pinturas dessa fase inicial da carreira de Tomie se perderam, destruídas numa grande inundação que assolou o bairro em que vivia. Mas já a partir de 1954 observa-se, na pintura da artista, uma radical mudança de orientação, no sentido de soluções plástico-formais que nada mais tinham a ver com a reprodução das formas e das cores naturais. Quando, em 1957, realiza no Museu de Arte Moderna de São Paulo sua primeira individual, Geraldo Ferraz observa:
- A senhora Tomie Ohtake tornou-se uma pintora de importância, a considerar-se a comovida aproximação que ela realiza com a obra de arte autêntica, com direta apropriação de um conjunto de meios expressivos em que todos os elementos que fazem a pintura se acham presentes e atuantes.
A partir de então sucederam-se as exposições individuais e coletivas, e a participação, com sucesso crescente, em certames nacionais e internacionais como o Salão Paulista de Arte Moderna, Salão Nacional de Arte Moderna, Bienal de São Paulo, Bienal de Córdoba, etc., culminando com as grandes retrospectivas de 1983 no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e de 1996 na Bienal de São Paulo. Hoje, Tomie Ohtake é unanimemente reconhecida como um dos maiores valores da pintura brasileira e das mais típicas e importantes representantes da pintura não-figurativista em nosso país.
Tomie Ohtake começou sua carreira nas pegadas de seu mestre Sugano, quando praticava uma pintura figurativa eivada de tímidos ingredientes fovistas. Da cópia da natureza ao Abstracionismo a artista atravessaria vários estágios. No início, pintou figuras humanas e paisagens, que logo abandonaria por uma gradativa tendência abstratizante. Em fins da década de 1950 e começos da seguinte, momento de maior efervescência da pintura não-figurativista no Brasil, sua arte se caracterizava por grandes manchas de cor e preciosismos de textura. A eles, Tomie contrapunha fundos lisos, monocromáticos, com resultados agradáveis embora algo superficiais. Com o passar do tempo, e ao contrário do que sucedeu a tantos outros, Tomie persistiu em sua fidelidade à linguagem não-figurativista. Linguagem a que chegara de modo natural, e não mediante forçadas adaptações a ismos em moda. Por outro lado, sua maneira de articular tal linguagem evoluiu no sentido de um maior rigor formal, sem prejuízo do conteúdo emotivo. A artista passou a estruturar com maior rigor suas formas, concedendo menos realce aos jogos de relevo com a tinta e a matéria e abrandando a cor, que desde inícios da década de 1970 começa a aparecer mais contida.
É justamente a partir desse momento que se verifica o aprofundamento maior de sua obra. Um pouco sob a influência da litografia e da serigrafia, técnicas que então começara a praticar, Tomie construiu um repertório de formas quase geométricas, dotando-as de textura perfeitamente adequada a esse despojamento. O colorido passou a adquirir delicadas transparências. E o que antes era instinto e fantasia apenas, tornou-se razão e medida. Mesmo sem se tornar uma apologista da linha reta e dos ângulos e curvas perfeitos, Tomie aderiu a uma tendência que tem ocorrido com freqüência na arte brasileira: a vertente construtivista, daqueles que dão prioridade à organização sobre o improviso, valorizando a intensidade da expressão mediante uma parcimoniosa aplicação de recursos pictóricos. A própria artista explica, de modo sucinto, a evolução de sua carreira:
- No começo, pintei aquilo que via. Só depois pintei o que sentia.
Do mesmo modo, Casemiro Xavier de Mendonça tem palavras exatas para definir a artista e o seu trabalho:
- Ela soube unir uma disciplina ancestral, o recato e uma pesquisa persistente até descobrir que podia pintar também com enorme prazer. Se ainda hoje existe algo oriental em sua obra, é simplesmente o conhecimento de que não houve pressa para unir dois mundos e conseguir uma fluência que agora chega à plenitude. A senhora Tomie Ohtake hoje está, como artista, em seu momento de maior intensidade. Aliás, ela própria sabe disto. Tanto assim que nas telas mais recentes transparece em sua suavidade, uma serena e comovida alegria.

Concretismo, óleo s/ madeira, 1959;
3,50 X 1,30, Palácio Bandeirantes, SP

Pintura, óleo s/ tela, 1969;
1,53 X 1,35, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Cinza e vermelho, óleo s/ tela, 1977;
1,54 X 1,54, Palácio Bandeirantes, SP.

Vermelho, acrílica e óleo s/ tela, 1985;
1,70 X 1,70, Museu de Arte Contemporânea, RJ.

OITICICA, Hélio (1937-80). Nascido e falecido no Rio de Janeiro. Estudou com Ivan Serpa após 1954, e entre esse ano e 1956 integrou o Grupo Frente, aderindo posteriormente ao Movimento Neoconcreto e tomando parte nas mostras realizadas entre 1959 e 1961 no Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Integrou também a representação do Brasil na exposição internacional de arte concreta realizada em 1960 em Zurique, na Suíça, e esteve presente nas coletivas de vanguarda Opinião 65 e Opinião 66, Nova Objetividade Brasileira e Vanguarda Brasileira, realizadas entre 1965 e 1967 no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, expondo ainda na Bienal de São Paulo (1957, 1959 e 1965) e na da Bahia (1966).
Até 1959 Oiticica ainda se conservou fiel aos veículos e suportes tradicionais da pintura. Reduziam-se seus quadros de então a efeitos cromáticos e de textura obtidos unicamente com a aplicação de branco, e revelavam um ascetismo que o desenvolvimento posterior de seu trabalho iria desmistificar. Nesses primeiros quadros via-se já muito nítida a tendência do artista a superar o plano bidimensional, pela utilização da cor com evidentes intenções espaciais. Abandonando o quadro e adotado o relevo, bem cedo incursionaria Hélio por novos domínios, criando seus núcleos e penetráveis, para chegar em seguida à arte ambiental, em que melhor daria vazas a seu temperamento lúdico e hedonista. Ou, como escreveu Mário Pedrosa:
- Tendo partido naturalmente da gratuidade dos valores plásticos, já hoje rara entre os artistas vanguardeiros atuais, se mantém fiel àqueles valores, pelo rigor estrutural de seus objetos, o disciplinamento das formas, a suntuosidade das cores e combinações de materiais, pela pureza em suma de suas confecções. Ele quer tudo belo, impecavelmente puro e intratavelmente precioso, como um Matisse no esplendor de sua arte de "luxo, calma e voluptuosidade". Baudelaire das Flores do Male, talvez o padrinho longínquo desse adolescente aristocrático, passista da Mangueira (sem contudo o senso cristão do pecado do poeta maldito). O aprendizado concretista quase o impedia de alcançar o estágio primaveril, ingênuo da experiência primeira. Sua expressão toma um caráter extremamente individualista e, ao mesmo tempo, vai até à pura exaltação sensorial, sem alcançar no entanto o sólio propriamente psíquico, onde se dá a passagem à imagem, ao signo, à emoção, à consciência. Ele cortou cerce essa passagem. Mas seu comportamento subitamente mudou: um dia, deixa sua torre de marfim, seu estúdio, e integra-se na Estação Primeira, onde fez sua iniciação popular dolorosa e grave, aos pés do Morro da Mangueira, mito carioca. Ao entregar-se, então, a um verdadeiro rito de iniciação, carregou, entretanto, consigo para o samba da Mangueira e adjacências onde a barra é constantemente pesada, seu impenitente inconformismo estético.
Surgem assim, de 1965 em diante, suas manifestações ambientais, com capas, estandartes, tendas (parangolés), uma sala de sinuca (1966), Tropicália (1967, um jardim com pássaros vivos entre plantas, lado a lado com poemas-objetos), Apocalipopótese (1968, reunindo várias manifestações de outros artistas, no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro), etc. Todas essas experiências serão objeto de importante exposição efetuada em 1969 na Whitechapel Gallery, de Londres - no seu dizer, "uma experiência ambiental (sensorial) limite". Com sagacidade, diz então o crítico britânico Charles Spencer:
- O dado básico da obra de Oiticica é a impermanência - ele não a trouxe para a Galeria Whitechapel, nem dali a retirará: fazê-la foi a sua experiência, a nós transmitida.
Em setembro de 1971, de Nova York onde se fixara, o próprio Hélio Oiticica, em texto difundido na imprensa carioca, assim se expressava:
- Se há gente interessada em minha obra anterior, melhor, mas não vou expô-la ou ficar repetindo ad infinitum as mesmas coisas; não estou aqui para fazer retrospectivas, como um artista acabado; estou no início de algo maior; quem não entender que se dane; procurem-se informar melhor e respeitar idéias e trabalho feito.
E pouco adiante:
- Minhas experiências têm mais a ver hoje com o circo do que com promotores de arte; não estou a fim de alegrar burguesias interessadas em arte. São uns chatos, além das conhecidas qualidades reacionárias; portanto, basta. Essas experiências mencionadas acima, foram sempre assumidas, por mim, como autênticas experiências (manifestações ambientais, sensoriais, participação pública, etc.), não como "uma exposição a mais", o que parece ser a preocupação da maioria de artistas aí, aqui, alhures, e com os quais nada quero ter a ver: são entediantes, não muito brilhantes, sem qualquer compromisso com idéias mais profundas ou limite. Pensam que estou brincando quando digo que a pintura acabou; quando durante dez anos (só um louco!) não falo em outra coisa; minha própria obra (desconhecida no Brasil, praticamente; não sei que interesse possa causar; moda hearsay, alienação característica local), é o caminho duro dessa desintegração; não faço "vestimenta de vanguarda", como muitos, para esconder idéias conservadoras: não me calo, também, esperando um "reconhecimento futuro": estou vivo, falando. Quem não souber o que digo, que se cale e não encha o saco; me esqueça; eu não existo.
Hélio Oiticica, que em 1970 tomou parte em Nova Iorque na mostra Information, organizada pelo MOMA, recebendo nesse mesmo ano bolsa de estudo da Fundação Guggenheim, viveu nos Estados Unidos até 1978, quando regressou ao Brasil e de novo se fixou no Rio de Janeiro, iniciando então a última fase de sua breve carreira. Em 1981, um ano apenas após sua morte, seus irmãos Cesar e Cláudio criaram o Projeto Hélio Oiticica, destinado a preservar material e conceitualmente a obra do artista de quem a Galeria São Paulo, em 1986, levou a cabo importante exposição intitulada O q faço é Música, cujo título retoma um texto de sua autoria:
- Descobri que o que faço é MÚSICA e que MÚSICA não é "uma das artes" mas a síntese da conseqüência da descoberta do corpo.
Nos últimos anos, a nível inclusive internacional, a importância de Hélio Oiticica como artista seminal dos novos desdobramentos da arte ocidental de fins do século e do milênio tem sido posta em destaque através de exposições itinerantes realizadas entre 1992 e 1994 em Paris, Roterdã, Barcelona, Lisboa e Mineápolis, sala especial na Bienal de São Paulo em 1994 e participação nas Bienais de 1996 e 1998 etc. Por fim, ressalte-se a criação no Rio de Janeiro, em 1996, do Centro de Artes Hélio Oiticica.

Metaesquema I, guache, 1958;
0,52 X 0,64, Museu de Arte Contemporânea da USP.

Parangolé, tecidos, 1964;
1,50 X 1,10 X 0,20, Projeto Oiticica, RJ.