SACILOTTO, Luís (1924). Nascido
Em 1949 tornou-se um dos pioneiros do Concretismo
Sacilotto participou várias vezes da Bienal de São Paulo entre 1951 e 1965. Entre outros eventos importantes nos quais figurou devem ser citados o Projeto Construtivo Brasileiro em Arte (São Paulo e Rio de Janeiro, 1977), Tradição e Ruptura (São Paulo, 1984), Bienal Brasil Século XX (São Paulo, 1994) e I Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 1997). Sua obra foi exposta em retrospectiva em 1980 no MAM de São Paulo, além de merecer sala especial no Salão Paulista de Arte Contemporânea de 1986. Em
- Concretista rigoroso, Sacilotto emprega um vocabulário geométrico deliberadamente restrito, com o claro propósito de se concentrar, sempre, no essencial. Visualidade pura. E para isso se vale de uma gama muito variada de recursos - interrupções rítmicas, torsões, cortes, dobras, relevos, superposição de tramas lineares etc. Na aparente simplicidade, ou contenção de sua obra, reside toda uma inteligência visual: há nela clareza, propriedade e transparência. Rigorosas e processuais, suas obras não devem ser vistas, no entanto, como frias equações ou demonstrações de teoremas matemáticos, mas como verdadeiras obras de arte.
Figura, carvão, 1947;
0,48 X 0,33, coleção particular.
Concretion, esmalte s/ alumínio, 1956;
0,60 X 0,80, Museu de Arte Contemporânea da USP.
- É nesse mundo que ele mergulha, procurando um reencontro com as raízes de seu sangue, e de onde regressa com seus pássaros de fogo, bichos monstruosos, anjos, caçadores, santos, serpentes, cachorros e profetas. Seu universo - como o da gravura popular nordestina, da qual ele é, ao mesmo tempo, o herdeiro e o rei - é povoado de pavões misteriosos, a ave-insígnia da Beleza, que mereceu esse título por ter as penas semelhantes a pedras preciosas incrustradas, a cabeça de serpente do Mal e os pés de ladrão maldosos e grosseiros do Feio, também integrado no ser do mundo; de bois encantados e cavalos marcados com o sino-salomão; de guerreiros do ar ou de virgens que saem de palmas como quem sai de um incêndio ou do fogo da sarça-ardente; de traições, estandartes e demônios.
Para a pintura - arte, seja dito en passant, pela qual se iniciou - Samico carreou, em verdade, todo o seu apuro formal e um mundo de idéias fincado no chão de sua realidade nordestina, com excepcionais recursos de desenho e sobretudo aguda sensibilidade cromática. Não é de modo algum um gravador que pinta, mas um grande gravador que é também um extraordinário pintor. Seus 40 anos de gravura foram comemorados em 1997 com importante exposição no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.
A luta dos anjos, xilogravura, 1968;
0,54 X 0,33, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
A artista realizou numerosas individuais em cidades como Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Niterói, Vitória, Lisboa, Londres, Stuttgart, Viena, Oslo, Graz, Washington, Nuremberg e Nova York; quanto às demais coletivas de que tomou parte incluem mais cinco versões da Bienal de São Paulo - em 1967 (aquisição), 1969 (menção honrosa), 1981 (têmperas sobre madeira da série I Ching), e postumamente em 1989 (Sala Especial Pintura Abtrata Efeito Bienal) e 1994 (Sala Especial) -, Propostas 65 na FAAP-SP, XXXIV Bienal de Veneza (1968; expõe seus "objetos gráficos", desenhos em papel transparente com signos repetitivos, mostrados em placas de acrílico penduradas no espaço), II Trienal de Nova Delhi (1971, medalha de ouro), Tradição e Ruptura (1984, São Paulo), Modernidade: Arte Brasileira do Século XX (1987, MAM de Paris; 1988, MAM-SP). Postumamente, trabalhos de sua autoria seriam incluídos na grande exposição Bienal Brasil Século XX (1994, São Paulo), além de em três retrospectivas, realizadas na Galeria Paulo Figueiredo em 1989, no MAC-USP em 1990 e na Galeria de Arte do SESI em 1996.
Personalidade singular da arte brasileira, sua carreira mereceu de Walter Zanini, em 1983, as seguintes palavras:
- Mira Schendel, anteriormente citada enquanto pintora de organizadas composições geométricas, conduziu em profundidade uma própria experiência gráfica. Sua obra teve sequência em fases distintas, acopladas, entretanto, por uma percepção que essencializava a experiência adquirida. A escritura desta artista abrange campos vários de valores semânticos. Signos gráficos ou a utilização de letras como puras existencialidades espaciais. Nesses limites, como na pintura, em configurações geométricas ou em interpretações espaciais recentes de I Ching, caracteriza-se Mira Schendel pela intuição penetrante e os rigores da contenção.
Abstrato branco, tinta e areia s/ tela, s/ data;
0,80 X 1,00, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Convocado em 1943 para a Força Expedicionária Brasileira, segue para o Rio de Janeiro, em cuja imprensa colabora como artista gráfico, ligando-se então de amizade ao casal Vieira da Silva e Arpad Szenes, na época refugiado na capital brasileira. Enquanto não segue para a Europa, escreve o roteiro de um documentário de Rui Santos sobre Segall, e dirige um curta-metragem, Escadas, sobre Vieira da Silva e Szenes. Finalmente, pouco após efetuar sua segunda individual de pinturas e desenhos embarca em agosto de 1944 para a Itália, participando da II Guerra Mundial como cabo de artilharia. Terminado o conflito, expõe em 1945 os desenhos da série Com a FEB na Itália no Rio,
Entre 1947 e 1950 residiu na Europa, com permanência mais longa em Paris mas viajando extensamente por Itália, Inglaterra, Tchecoslováquia (como delegado ao I Congresso da Juventude Democrática em 1947), Polônia (como delegado ao Congresso dos Intelectuais pela Paz, em 1948), Portugal, etc. Ilustrador de Les Lettres Françaises, dirigiu artisticamente os Cahiers d’art da Association Latino-Américaine de Paris, e em 1949 editou um álbum de linóleogravuras, Les Chemins de
Regressando em 1950 ao Brasil, Scliar novamente se fixa no Rio Grande do Sul, após breve temporada no Rio de Janeiro.
No período que medeia entre os princípios da década de 1960 e a atualidade, Scliar tem-se conservado fiel a essa orientação, praticando uma pintura que pode ser caracterizada por rigoroso senso de construção, apuro formal e caprichoso esquema cromático, pondo em circulação novos materiais de pintura - como o vinil - e praticando preferencialmente a natureza-morta, a marinha e a paisagem, com abundante utilização da colagem - documentos antigos e velhas páginas de livros, acrescentados à sua pintura como recurso expressivo. A partir de 1962 vem pintando regularmente, a intervalos,
Scliar tem realizado numerosíssimas individuais, dentro e fora do Brasil, destacando-se as diversas retrospectivas de sua obra, organizadas desde 1961 (22 Anos de Pintura, Porto Alegre), e que prosseguiriam em 1970 (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), 1971 (Museu de Arte Moderna de São Paulo, Secretaria de Cultura do Paraná em Curitiba e Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais
Desde 1967 o artista tem produzido também serigrafias, técnica de gravura que se presta admiravelmente aos contornos estilisticos de sua produção, datando daquele ano quatro envelopes com cinco serigrafias cada - Cinco Serigrafias, Caixas I e II e Frutas - com execução técnica de Dionisio del Santo. Entusiasmado pela serigrafia, Scliar lançaria novos álbuns em 1972 (Scliar - Serigrafias) e em 1977 (Telhados de Ouro Preto), ao mesmo tempo realizando mostras de divulgação em várias cidades brasileiras. O artista também é autor de numerosos painéis, destacando-se os que fez em 1967 para o Banco Aliança do Rio de Janeiro, em 1973 para Manchete (Ouro Preto 180º), em 1974 para a Prefeitura de Porto Alegre e para o Centro Administrativo do Governo da Bahia, em Salvador, em 1977 para a Imprensa Oficial do Rio de Janeiro (Leia-Pense), em 1978 para a Líder Transportes Aéreos de Belo Horizonte, etc. Entre outros trabalhos do artista, devem ser mencionados os álbuns como Caderno de Guerra de Carlos Scliar, com reproduções de desenhos feitos em 1944 e 1945 (1969), Série Gaúcha, com linóleo gravuras e pochoirs (1974) e Scliar - Desenhos 1940-1949 (1983), e a ilustração dos bilhetes das principais extrações de Loteria Federal, em 1971.
Sesta, linóleo-gravura, 1955;
0,42 X 0,62, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
Natureza morta, óleo s/ madeira, 1964;
0,54 X 0,75, Palácio Bandeirantes, SP.
- De Stuck recebi a influência panteísta, que é fácil descobrir nos meus trabalhos. O misticismo, revelado nos meus estudos de ateliê, desenvolveu-se, fortemente, ao influxo do idealismo alemão. As lendas da Germânia, os cantos e narrações populares dos barqueiros do Reno, o folclore da Floresta Negra, tão rico de tons pela frescura dos seus poemas, os rapsodos que enchem uma viva página da literatura e da tradição alemã, recortaram, definitivamente, o perfil de minha obscura personalidade. Saí isto que sou, da longa aprendizagem alemã. O meu espírito, que denunciava, ao partir do Brasil, a maneira especial que define a minha arte, desenvolveu-se integralmente dentro do espiritualismo germânico e tomou essa feição que vou conduzindo comigo.
É importante lembrar que alunos de Stuck, ao tempo em que com ele estudou Seelinger, foram também Kandinsky, Paul Klee e Franz Marc, com os quais o jovem brasileiro pode ter convivido em Munique.
Pouco depois de regressar da Alemanha, Seelinger expôs na sede de O Malho, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Houve quem, como Carlos Américo dos Santos, notasse a "tendência artística singularmente moderna" do expositor, destacando em sua produção "a influência dos neo-idealistas alemães, Boecklin, Hans Thoma, Klinger e mais talvez de Stuck"; a maior parte dos comentários foram porém desfavoráveis, a se dar crédito ao próprio artista, que disse:
- A minha mostra, se não constituiu um sucesso, não passou, entretanto, desapercebida, porque serviu, pelo menos, para que muita gente começasse a chamar-me de doido.
A partir de 1902 o artista começou a expor no Salão Nacional de Belas Artes, conquistando no de 1903 o prêmio de viagem à Europa, com a grande composição Boêmios, na qual retrata, entre outros, Gonzaga Duque, João do Rio, Luís Edmundo, Rodolfo Chambelland e Fiuza Guimarães. Retornando à Europa logo após, dirige-se a Paris e passa a estudar com Jean-Paul Laurens:
- Bernardelli dissera-me, naquele momento, que, para o Brasil, a arte alemã era ainda de difícil compreensão, e por isso, julgava ser mais útil que eu me transportasse a Paris.
Tal mudança de orientação iria refletir-se de modo negativo na arte de Seelinger, que em França tornar-se-ia talvez mais refinado, mas menos expressivo. De qualquer modo, a marca alemã permaneceria muito nítida na sua produção dos próximos anos, alternando-se embora a outras influências, como por exemplo a de Rochegrosse, o pintor das Salambôs, artista predileto do próprio Flaubert. Assim, quando volta ao Brasil expõe, em 1908, no Museu Comercial do Rio de Janeiro, uma série de obras, entre as quais Salambô e a Lua e Salambô e a Cobra, que entusiasmam Gonzaga Duque:
- A Salambô que Helios nos apresenta, nesses dois pequenos quadros, prende-nos pela singularidade do seu tipo, pela beleza moderna de suas formas, pela lubricidade desodorante do seu corpo.
Gonzaga Duque aproxima-o de Rops, Steinlen e Forain, e lhe classifica a arte como "forte, livre, impressionantemente pessoal, de um intuito perscrutante e simbólico".
Em 1910 o pintor foi escolhido pelo Ministério da Marinha para realizar as decorações do salão nobre do Clube Naval, no Rio de Janeiro. Com o produto desse trabalho de novo segue para a Europa, onde permaneceria até vésperas da Grande Guerra, especialmente em França e na Bélgica. Tornando ao Brasil radicou-se em definitivo no Rio de Janeiro, com freqüentes escapadas a outras cidades, principalmente São Paulo e Porto Alegre. Enquanto isso, continuava expondo no Salão Nacional de Belas Artes, onde, após 1903, receberia ainda medalha de ouro (1908) e, em 1951, medalha de honra. Paradoxalmente, e a despeito de ter realizado sua carreira à sombra do Salão, foi o menos convencional e acadêmico dos pintores, chegando a causar estranheza que o não tivessem convidado a participar da Semana de Arte Moderna de 1922, ele que, uns poucos anos antes, fora o verdadeiro descobridor de Victor Brecheret.
Por muitos anos funcionário do Museu Nacional de Belas Artes, Helios Seelinger criou, nos porões da entidade, a Sociedade dos Artistas Nacionais, ao lado de Carlos Maul, Oswaldo Teixeira, Odete Barcelos e outros. Era uma agremiação de conotaçâo tradicionalista, o que mostra que, em matéria de orientação estética, o artista foi desconcertantemente eclético ou (como ele mesmo dizia), um "salteado".
Tendo vivido longuíssima vida era natural que se repetisse, mormente após a década de 1930. Terminaria por oferecer, às gerações mais novas, uma imagem apenas discreta de sua arte, representada pelos quadros de caravelas ("Coalhei os mares com esses velhos barcos portugueses. Os meus estaleiros não paravam. Não houve sala de português inteligente e patriota que não tivesse ao menos um desses navios pendurados na parede"), símios e visões românticas ou simbolistas de lagos, luares e ciprestes:
- Cansei-me de pintar caravelas e passei a pintar o lago, a lua e o cipreste. Estes três fatores deram-me um motivo que explorei largamente, seguindo as variações de sentimento, de nossa índole romântica. Enquanto foi possível despertar emoções, pintei o cipreste.
A retomada do interesse pela obra de Helios Seelinger é recente, estimulada pelo prestígio de que ora desfrutam entre nós o Art Nouveau (sob cuja égide o pintor desenvolveu sua maneira, na Munique de 1900) e o Simbolismo. Esse artista, boêmio incorrigível, carnavalesco, irreverente, personagem de estórias e aventuras celebrizadas por Luís Edmundo
Composição, óleo s/ tela, 1906;
0,88 X 0,65, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
0,88 X 0,65, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Luta pela vida, óleo s/ tela, 1955;
0,73 X 0,60, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
No mesmo ano de 1909 acha-se em Dresde, matriculado
Essa primeira permanência no Brasil foi curta, pois no mesmo ano de 1913 Segall está na Alemanha, só para ser internado no ano seguinte, cidadão russo que era, num campo de concentração próximo a Meissen. Dois anos mais tarde obtém autorização para retornar a Dresde, desde então, e até 1923, desenvolvendo ampla atividade: publica três álbuns de gravuras (Erinnerung an Vilna, 1919; Bubu 1921; Die Sanfte; 1921) e realiza exposições individuais em Hagen (1920), Frankfurt (1921) e Leipzig (1923). Aos 32 anos é já senhor de estilo pessoal e temática inconfundível: velhos que estudam o Taemud, camponeses lituanos, mendigos, recordações de Vilna, interiores com indigentes, crianças, cerimônias judaicas, mães e filhos, peregrinos, vagabundos e prostitutas, além de retratos de parentes, amigos e intelectuais e de uns raros auto-retratos. Expressa-se com auxílio de um desenho anguloso e de um colorido cru e forte, deformando o corpo humano para melhor externar paixões e sentimentos.
Em fins de 1923 enceta segunda viagem ao Brasil, radicando-se
Já um mestre da pintura, do desenho e da gravura (cujas três técnicas dominava), Segall começa, em
Em 1935, após novas exposições no Rio de Janeiro (1933) e em Roma e Milão (1934), Segall descobre a paisagem de Campos do Jordão, que irá emocioná-lo, e da qual a partir de então até o fim da vida realizará várias interpretações. Mais ou menos pela mesma época aparecem os primeiros Retratos de Lucy, nos quais utilizou como modelo sua jovem aluna Lucy Citti Ferreira, nela se inspirando nos próximos anos.
Por volta de 1936, pressentindo já a aproximação da catástrofe, Segall inicia unia série de grandes composições marcadas pelo patético: Pogrom, um tema já tratado numa gravura de 1912, Navio de Emigrantes, Guerra, Campo de Concentração e Os Condenados são os principais momentos dessa série dramática, e situam Segall entre os grandes expressionistas do Séc. XX, raras vezes tendo atingido entre nós ou alhures a pintura tão formidável força trágica.
Datam de 1949 as duas últimas séries segallianas: As Erradias e Florestas, que irão prolongar-se até o fim da vida. Uma grande retrospectiva tem lugar em 1951, no Museu de Arte de São Paulo, e nas I e III Bienais de São Paulo são-lhe dedicadas salas especiais (1951, 1955). Após a morte, a IV Bienal, em 1957, consagra-lhe uma sala póstuma, primeira de uma série de exposições que, por iniciativa da viúva do pintor, serão levadas a vários países da Europa e a Israel. Iniciativa, igualmente, de Jenny Klabin Segall, é o Museu Lasar Segall, que funciona no antigo ateliê do pintor
Todas essas exposições póstumas serviram para comprovar o que um crítico como Waldemar George dissera: ser, Segall, um dos vultos mais importantes do Expressionismo alemão. Mas o artista pode, também, ser reclamado pela arte brasileira, já que não apenas viveu e trabalhou no Brasil (cuja cidadania adquiriu), como principalmente se inspirou com freqüência em nossa terra e em nossa gente, logrando dar, do país e dos seus habitantes, uma visão comovida e comovedora. Importante como pintor, como desenhista, como gravador e como escultor, Segall não chegou a constituir escola - teve raros alunos e, com a exceção de Lucy Citti Ferreira e de Yolanda Mohalyi em certo momento de sua evolução estilística, nenhum continuador.
Perseguindo ao cabo de toda a sua existência aquilo a que um de seus críticos mais lúcidos, Geraldo Ferraz, denominava de temática do sofrimento, Segall é um emotivo: o drama de sua raça judaica, e mais do que isso, o drama da raça humana, ameaçada de destruição pela guerra e pela intolerância, norteou sempre sua pintura, e nunca foi ele maior nem mais sincero do que quando retratou os desamparados e os perseguidos, numa palavra todos os injustiçados da sorte, tangidos como bichos à mercê das circunstâncias.
Em suas grandes composições não parece haver revolta ou desespero: os grupos que se acotovelam num tombadilho de navio ou no pátio de uma prisão, os cadáveres que se empilham após a luta nada reivindicam, nem exigem retaliação. Mas também não foram ali figurados como simples elementos pictóricos, pois o artista é solidário com o seu destino e comunga dos seus ideais - tal como Goya, nos Desastres de
Em certas obras para o fim da carreira, a palheta de Segall adquire tonalidades mais líricas, quando, por exemplo, evoca a paisagem bucólica de Campos do Jordão, ou ao retratar casais em idílio, em meio à placidez dos campos. Seus bois, cujos dorsos quase se confundem com os das montanhas em que pastam, possuem por outro lado uma serenidade, uma silenciosa presença apenas traduzível pela grande pintura. E haveria ainda que falar numa série de óleos dos últimos anos, nos quais entregou-se a experimentações cromáticas e formais que o levariam bem próximo do Abstracionismo, sem abandonar contudo a referência às formas naturais das favelas cariocas e dos troncos entrelaçados das árvores de Campos do Jordão.
De toda a obra segalliana emana um canto de amor pelos seres-humanos, irracionais ou inanimados. Como se, para Segall, a pintura não fosse senão um veículo através do qual externar toda a sua enorme compaixão e solidariedade para com os que sofrem.
Paisagem brasileira, óleo s/ tela, 1925;
0,64 X 0,54, Museu Lasar Segall.
Perfil de Zulmira, detalhe, óleo s/ tela, 1928;
0,62 X 0,54, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Êxodo II, óleo s/ tela, 1949;
1,10 X 0,81, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
Bananal, óleo s/ tela, 1927;
0,87 X 1,27, Pinacoteca do Estado de São Paulo
Serpa foi o criador e principal representante do Grupo Frente, que desempenhou papel de grande importância na evolução do movimento concretista brasileiro, tendo durado entre 1954 e 1956. Também da década de 1950 são alguns fatos marcantes na evolução de sua carreira, como sejam os primeiros papiers collés, produzidos em
Foi justamente o impacto das grutas de Altamira que determinou, em começos da década de 1960, seu gradativo retorno ao figurativismo, culminando em 1963 com a explosão expressionista das grandes telas que compõem a chamada Fase Negra, à qual se alternam desenhos de elevada carga erótica, executados a bico de pena (Fase Amazônica). Mas esse interlúdio figurativista logo cederia vez novamente à geometria, às pesquisas ótico-espaciais, à sondagem do espaço tridimensional por meio de objetos, relevos e contra-relevos e afinal às caixas espelhadas que buscavam esgotar a dualidade interno-externo ou a relação avesso-direito.
Ivan Serpa participou inúmeras vezes do Salão Nacional de Arte Moderna e da Bienal de São Paulo, bem como de praticamente todas as coletivas mais importantes de arte de vanguarda efetuadas no país a partir de começos da década de 1950 - tais como a Exposição Nacional de Arte Abstrata (Petrópolis, 1953), Opinião 65 e Opinião 66 (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), Nova Objetividade Brasileira (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1967), etc. Integrou também por diversas vezes representações de arte brasileira enviadas ao exterior - participando desta maneira de exposições como a Bienal de Veneza (1952, 1954, 1962), a Bienal Hispano-Americana de Barcelona (1955), a Bienal de Córdoba (1962), o Salon Comparaisons de Paris (1965), Arte da América Latina desde a Independência (Estados Unidos da América, 1965), etc. Dentre suas exposições individuais destacam-se as três retrospectivas que lhe consagrou o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1965 (pinturas e desenhos), 1971 (desenhos) e 1974, essa póstuma. Serpa foi ainda restaurador de papel, funcionário da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, chegando a ser detectável, em certo momento de sua evolução artística, a influência desse seu diuturno contato com velhos papéis comidos de traças, tal como, professor por anos a fio de crianças, sofreu em dado instante a curiosa influência da expressão linear e cromática de seus jovens discípulos.
Uma lista de alunos desse excelente professor abarca nomes de tendências as mais diversas, como Aluísio Carvão e Hélio Oiticica, Grauben do Monte Lima e Sonia Von Brüsky, Elsa Martins da Silveira e Rubem Mauro Ludolf, João José Costa e Darcílio Lima.
Cabeça, óleo s/ tela, 1964;
1,00 X 1,15, Museu de Arte Contemporânea da USP
Ciranda da vida, óleo s/ tela, 1965;
1,20 X 1,00, Museus Castro Maya, RJ.
- Em 1921 entrava para a Escola de Belas Artes, na sala do Curso Livre, regida por Brocos, onde já encontrei um grupo rebelde à velha tradição do acadêmico, e juntos iniciamos a luta pela arte moderna. Do grupo participavam Quirino Campofiorito, Reis Júnior, Bampi, Sigaud, Quirino da Silva, Alberto Dezon e Oswaldo Goeldi. É fato que fora do âmbito da Escola de Belas Artes outros já lutavam, como Di Cavalcanti, Leão Veloso, e ainda na Escola, nas aulas de Arquitetura, Atilio Mazioli, liderando seus colegas, nos acompanhava.
Na Escola, ao mesmo tempo em que cursava as aulas de Modesto Brocos como aluno livre, freqüentava como aluno regulamentar o curso de Arquitetura, diplomando-se engenheiro-arquiteto:
- Também fiz o curso de arquitetura, onde me diplomei em engenheiro-arquiteto, trabalhando assim toda a minha vida como arquiteto e pintor profissional. Era ainda também o ensino de arquitetura todo baseado na influência da arquitetura francesa dos Prêmios de Roma, professores retrógrados quanto a tudo que fosse inovação na técnica de construção. Não poucos alunos se rebelavam contra este ensino. E o resultado foi o Brasil se tornar hoje um líder da arquitetura moderna.
Em 1923 Sigaud tomou parte pela primeira vez de uma coletiva, expondo no Salão da Primavera, que procurava ser uma tomada de posição contra a arte tradicionalista:
- Em 1923 participei pela primeira vez em uma coletiva, com os colegas já citados, e no meio de uma farândola de velhos mestres, como Batista da Costa, Amoedo, Chambelland e toda a falange de seus alunos, ainda pensando e pintando como em 1816.
Expondo no Salão Nacional de Belas Artes desde 1924, nele conquistou medalha de bronze em 1936 e medalha de prata (já na Divisão Moderna) em 1942. De 1952 em diante expôs no Salão Nacional de Arte Moderna, e em 1951 tomou parte na I Bienal de São Paulo. Foi, ainda, um dos criadores e principais elementos do Núcleo Bernardelli, nascido em 1931 no Rio de Janeiro.
Pintor, desenhista, gravador e arquiteto, Sigaud perseguiu inicialmente uma temática ainda reminiscente do Simbolismo e de outras tendências artísticas do Oitocentos, na qual se destacavam pinturas como Lúcifer (1923), ou O Eco das Montanhas da América (1925). A essa fase inicial seguir-se-ia, até 1935 aproximadamente, segunda fase, de busca de novos materiais e de aprimoramento expressivo. Sigaud, em entrevista concedida em 1972 e da qual vimos transcrevendo alguns trechos, explicou o porquê dessa sua procura por novos materiais, como a encáustica, que se incumbiria praticamente de fazer ressurgir entre nós:
- Em geral a maioria de nossos pintores tem uma preguiça mental, especialmente os de minha geração de 1921, e pouco mais praticam além da pintura a óleo. Dos antigos, o mais inquieto, quanto às pesquisas e processos, era o Amoedo, que por este motivo sofria zombaria mesmo dos jovens. Não só pelo estudo como pela luta antiarte acadêmica, eu senti que existia muita beleza em outros materiais, bem como porque, conforme o local, o assunto ou as circunstâncias climatéricas, e bem como a necessidade de urgência, logicamente terá de ser aplicado o processo pictórico mais adequado. Ou às vezes por sua luminosidade eu procuro aquele processo de efeito mais brilhante. É assim que, além do óleo, aquarela, têmperas - de ovo, leite ou a caseína -, pintei ainda o afresco, e especialmente a encáustica greco-romana (meu Auto-Retrato, do Museu Nacional de Belas Artes, é feito com esse tipo de encáustica), e a encáustica praticada pelos egípcios, que era pintada sobre linho a fim de cobrir o rosto da múmia. Aplico também todos os novos processos modernos, como o duco e as tintas plásticas atuais.
Por volta de 1937 o pintor descobre a temática que iria afinal transformar-se em sua marca registrada: o assunto proletário em geral - operários e construções, carregadores, garis, plantadores, salineiros. Ainda assim, não deixa de a intervalos evocar seu antigo mundo de idéias, em telas que se chamam, significativamente, Expulsão do Paraíso, Ícaro, O Caçador de Estrelas, Noel Contemplando as Águas do Dilúvio e Hércules e os Cavalos, numa curiosa retomada da grande pintura histórica ou religiosa.
Num desenho barroco, expressando-se num estilo deliberadamente arcaico no qual mesmo a técnica antiquíssima da encáustica parece sublinhar certa aparência de coisa antiga e, por isso mesmo, imune à passagem do Tempo, Sigaud estrutura seus quadros em cortes abruptos, via de regra acumulando seus operários e trabalhadores verticalmente no espaço do quadro, encarapitando-os em torres e andaimes, no alto dos quais se equilibram precariamente (A Torre de Concreto, Museu Nacional de Belas Artes, 1937; A Obra, Universidade Obreira do México, 1940). Essa temática social de Sigaud não é, de resto, um simples apelo visual, correspondendo, muito ao contrário, às suas convicções mais profundas:
- Nunca minha pintura foi um ato gratuito, e nem mesmo minha arquitetura, porque isto seria antes de tudo uma covardia: é ela uma atitude consciente e firme, é uma finalidade com objetivo artístico, político e social. Com ela, às vezes e especialmente, homenageio a magnitude e a grandeza do trabalho humilde do Operário, este trabalhador anônimo em todos os setores da grandeza da Pátria; é a minha glorificação à nossa raça mestiça, construtora do nosso futuro de povo alegre e livre, que recebe como irmãos todos os povos do mundo.
Vale enfim uma derradeira menção às pinturas murais de Sigaud, entre as quais se destaca de modo especial a Via Sacra da Catedral de Jacarezinho, no Paraná (1947).
Torre de concreto, óleo s/ tela, 1936;
0,76 X 0,54, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
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Em 1922, após ter tido uma sua pintura admitida no Salon Officiel des Artistes Français, retornou a São Paulo, travando conhecimento com os intelectuais e artistas que tinham acabado de realizar a Semana de Arte Moderna. O contato com esses grupos de vanguarda, com os integrantes de Klaxon sobretudo, iria revelar-lhe a existência de uma arte diferente de quanto até então praticara. Dentro em pouco, ao lado de Anita Malfatti (sua antiga colega no ateliê de Pedro Alexandrino) , Mário e Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, integraria o Grupo dos Cinco, cedo desfeito, já que em fins do mesmo ano achava-se novamente em Paris.
Em janeiro de 1923 ainda pinta Paquita, de um impressionismo anêmico; mas em fevereiro passa a estudar com André Lhote, logo depois pintando A Negra, que de certo modo anuncia o Antropofagismo de 1928. Fernand Léger e principalmente Albert Gleizes terminariam a tarefa didática iniciada por Lhote, ao mesmo tempo em que a pintora conhece artistas, escritores e músicos como Picasso, De Chirico, Brancusi, De Falla, Stravinsky, Satie, Breton, John dos Passos e Cendrars, que lhe abrem os horizontes.
Em 1924, durante uma viagem às cidades históricas de Minas Gerais em companhia de Blaise Cendrars e de Oswald de Andrade, Tarsila descobre o assunto brasileiro: é o momento em que surge, em sua produção, a chamada fase do Pau-Brasil, que irá durar até 1927 e de que são características, no dizer de Sérgio Milliet, "as cores ditas caipiras, rosas e azuis, as flores de baú, a estilização geométrica das frutas e plantas tropicais, dos caboclos e negros, da melancolia das cidadezinhas, tudo isso enquadrado na solidez da construção cubista". Típica dessa época é EFCB, grande pintura feita em 1924 para ilustrar uma palestra de Cendrars, e na qual uma casca cubista encerra a polpa saborosa de um assunto e de uma atmosfera inconfundivelrnente brasileiros.
Em 1926, na Galeria Percier de Paris, Tarsila efetua sua primeira individual, efusivamente saudada pelo crítico André Warnod, que se extasia com "o azul, o verde e o rosa mais crus, colorido belo como o dos presentes de Ano Bom ou o das estampas de primeira comunhão". No mesmo ano casa-se com Oswald de Andrade, união que já durava algum tempo e que irá acabar de vez em 1930.
Religião Brasileira, de 1927, significa uma nova ruptura na arte de Tarsila, uma ruptura que se tornará evidente no ano seguinte com o Abaporu, feito especialmente para o aniversário de Oswald de Andrade e marco do Movimento Antropofágico:
- Eu quis fazer um quadro que assustasse o Oswald, uma coisa que ele não esperava. Aí é que vamos chegar no Abaporu. O Abaporu era uma figura monstruosa, a cabecinha, o bracinho fino, aquelas pernas compridas, enormes, e junto tinha um cacto que dava a impressão de um sol como se fosse também uma flor. Oswald ficou assustadíssimo e perguntou: "Mas o que é isso? Que coisa extraordinária! " Ele telefonou para o Raul Bopp: "Venha imediatamente aqui que é pra você ver uma coisa! " Bopp foi lá no meu ateliê, na Rua Barão de Piracicaba, assustou-se também. Oswald disse: "Isso é como se fosse um selvagem, uma coisa do mato" e o Bopp concordou. Eu quis dar um nome selvagem também ao quadro e dei Abaporu, palavras que encontrei no dicionário de Montóia, da língua dos índios. Quer dizer antropófago.
A partir de tal obra Oswald elaboraria toda uma teoria antropofágica, e uma Revista de Antropofagia surgiria pouco depois dirigida por Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp.
Em 1928 novamente a pintora expõe em Paris, na Galeria Percier, realizando novas individuais em 1929, no Rio de Janeiro e
Nova fase, de cunho social, abre-se em 1933 (Operários, 2ª Classe) , quando a artista, decerto sob o impacto do que pudera observar havia pouco na União Soviética, volta-se para os grandes temas do trabalho, da miséria e da injustiça social. Mas essa fase social logo se esgota, talvez porque Tarsila, após dois ou três anos de esforços, sentisse a inadequação entre essa temática de cunho coletivo e uma estética tão individualista como a de que se utilizava. Por volta de 1938 reaparecem em sua produção os temas caipiras, agora, logicamente, resolvidos dentro de um espírito mais lírico e despojado. Aracy Amaral, que a estudou em profundidade, dirá que em 1946 Tarsila "retoma com Praia e Primavera o gigantismo onírico da fase antropofágica, agora imersa num lirismo novo, pontilhista quase, em meios-tons", como em 1950 retomaria, com Fazenda, "as tônicas da fase Pau-Brasil, no colorido de baú, porém sensivelmente suavizado".
Nesse mesmo ano de 1950 o Museu de Arte Moderna de São Paulo organiza uma grande retrospectiva da obra da pintora, praticamente afastada da atividade artística havia alguns anos e mais ou menos esquecida. A grande decoração mural para o Pavilhão de História no Parque do Ibirapuera, em 1954 - Procissão do Santíssimo
Tarsila faleceu
- À tarde, como está vendo, com tela e palheta colocadas junto à cama. Pinto os temas caipiras de sempre, folclóricos, populares, recordações da infância e da fazenda... O colorido autêntico das coisas do nosso Brasil, nossas árvores, nossos animais, nossos céus, nossas casinhas do interior... E também desenho sempre, principalmente bichos. Bichos fantásticos, desde a Antropofagia gosto deles. Bichos de seis pernas, duas na frente, duas atrás, duas no meio...
Além de sua qualidade intrínseca, do seu alto valor estético, a obra de Tarsila impõe-se à consideração também pelo seu caráter precursor. Tarsila foi, com efeito, pioneira entre nós do Cubismo, do Expressionismo (ao lado de Segall e Malfatti) e do Surrealismo (com lsmael Nery) , e tal como Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti e Volpi coube-lhe introduzir, em nossa pintura, mais que o assunto, a atmosfera brasileira, o tênue e singelo colorido de nossa terra e nosso povo. Esta "caipirinha vestida por Poiret", como Oswald de Andrade certa vez a chamou, ao mesmo tempo regional e internacional, sintetizou melhor do que ninguém sua arte pessoal, em frases que não podem ser mais singelas:
- Encontrei em Minas as cores que adorava
São Paulo, óleo s/ tela, 1924;
0,67 X 0,80, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Estrada de ferro Central do Brasil, óleo s/ tela, 1924;
1,42 X 1,27, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Calmaria II, óleo s/ tela, 1929;
0,75 X0,93, Palácio Bandeirantes,SP.
Operários, óleo s/ tela, 1931;
1,20 X 2,05, Palácio Bandeirantes, SP.
São Paulo antigo, guache, 1954;
0,51 X 1,41, Palácio Bandeirantes, SP.
Em 1784, com a composição Scène du Roland Furieux, Taunay tornou-se agregado à Academia, da qual porém não viria jamais a ser membro pleno. Pouco depois, graças ao empenho de Vien e de Pierre obteve uma pensão (mas não o prêmio) para a Academia de Roma, nela sucedendo a Jean-Gustave Taraval, recém-falecido. Ao cabo de cerca de três anos, de regresso a Paris, passou a expor nos Salons organizados pela Academia, o que faria de
Tendo-se casado em 1788 com Joséphine Rondel, filha de um arquiteto e sobrinha do ilustre miniaturista Dumont, Taunay veria o nascimento, nos próximos anos de cinco filhos, entre eles Thomas Marie Hippolyte (1793-1864), Félix Émile (1795-1881), e Adrien Aimé (1803-28), que interessam de perto à História da Arte Brasileira. Refugiado, por ocasião do Terror em Montmorency, tornou-se sócio-fundador do Instituto de França, em 1795.
Bom ilustrador, são de sua autoria as composições que adornam Les blaideurs, de Racine, na famosa edição de 1801 de Didot: os originais, em guache, foram transportados para a técnica da gravura por Duval. Em 1806-07 fez diversos trabalhos para a Manufatura de Sèvres. Sob o Império, porém, serão suas batalhas, altamente apreciadas pela Imperatriz Joséphine, que lhe garantirão maior nomeada. Íntimo da Imperatriz, era natural que com a queda de Napoleão caísse em desfavor e tivesse de procurar, em outro país, o que a França não mais podia ofertar-lhe.
Tenha oferecido seus préstimos a Portugal, como pensam alguns, ou, inversamente, aceitado um convite para integrar a Missão Artística que, liderada por Lebreton, fora incumbida de organizar o ensino artístico no Brasil, o certo é que Taunay embarcou em 1816 para o Rio de Janeiro, acompanhado de toda a família e da criada Jeanneton - que aliás celebrizaria num retrato hoje no Museu Nacional de Belas Artes. No Rio de Janeiro permaneceria até 1821, primeiro como pensionário do Reino, e após novembro de 1820 como lente de Pintura de Paisagem da Academia e Escola Real das Artes, então criada. Nem sequer tomou posse nessa função, porque, discordando da indicação de Henrique José da Silva para a direção da Academia, vaga com a morte de Lebreton, retirou-se em 1821 para a França, onde retomou seu lugar no Instituto e morreu, quase dez anos depois, cumulado de honras.
A produção de Nicolas Antoine Taunay compreende principalmente paisagens animadas com figurinhas minúsculas, tableautins de gênero algo à maneira dos holandeses do Séc. XVII (paradas, charlatões, concertos, cenas de carnaval, etc.) , mas também cenas bíblicas e mitológicas, retratos e batalhas - das quais algumas notáveis são conservadas
Na arte brasileira ocupa lugar de primeirissimo plano. Sua produção, durante os cerca de cinco anos passados no Rio de Janeiro, abrange paisagens animadas, temas anedóticos, bíblicos, mitológicos e históricos, além de delicados retratos infantis. Afonso d'Escragnolle Taunay, autor de um dos estudos mais completos sobre a Missão de 1816, assim se refere a seu célebre antepassado:
- Já sexagenário, apenas chegado ao Rio de Janeiro, viram-no, de tal modo empolgado pela beleza dos panoramas fluminenses, pintar dias e semanas a fio, fazendo enormes caminhadas através da floresta que coroava as montanhas da Tijuca para descobrir novos pontos de vista e paisagens que lhe fixassem a atenção.
Não causa admiração, assim, que na relativamente curta permanência tivesse produzido tanto, inclusive cerca de 30 paisagens do Rio de Janeiro e suas cercanias. É possível, aliás, que em contato com a natureza tropical Taunay tenha sentido o mesmo choque por que fora sacudido Frans Post dois séculos antes. Na verdade, as primeiras paisagens e vistas que executou em solo brasileiro, como O Morro de Santo Antônio em 1816 (Museu Nacional de Belas Artes) não são tão vibrantes quanto as que realizaria em seguida, emocionalmente comprometidas com nossas cores e atmosfera. Ao menos numa ocasião, contra um exuberante cenário brasileiro, Taunay figurou um episódio bíblico. Trata-se de uma paisagem brasileira em meio à qual vê-se São João Batista
É grande o número de seus trabalhos conservados no Brasil, não somente em coleções públicas como também em alguns acervos particulares; mencionemos apenas umas poucas obras, como, no Museu Nacional de Belas Artes, além das já citadas, Vista da Baía de Botafogo, Hermínia e os Pastores, O Largo da Carioca visto do Morro de Santo Antônio, Retrato do Filho do Artista, O Mensageiro da Paz e o Teatro de Ia Folie. O Museu de Arte de São Paulo, a Fundação Castro Maia e o Museu da Cidade são outras instituições que possuem originais de sua mão.
Retrato de Nicolas Antoine Taunay, por Julien Leopold Boilly, óleo s/ tela, cerca de 1825;
0,42 X 0,34, Museus Castro Maya, RJ.
Tropeiros negociando um cavalo, óleo s/ madeira, s/ data;
0,20 X 0,27, Museu Imperial, Petrópolis.
Retrato de Félix Émile Taunay, óleo s/ tela, cerca de 1816;
0,25 X 0,19, Museus Castro Maya, RJ.
Moisés salvo das águas, óleo s/ tela, cerca de 1827;
0,65 X 0,81, Museu Nacional de Belas Artes, RJ
Como tantos dos pintores de seu tempo, Artur Timóteo foi aprendiz na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, então dirigida por Enes de Souza, amigo e protetor dos artistas e descobridor de vocações, de quem João Timóteo diria a Angione Costa, muitos anos mais tarde:
- Enes de Souza foi no Brasil um verdadeiro mecenas, e muitos artistas só se fizeram tais, porque tiveram a sorte de encontrá-lo, nos primeiros postos da carreira, quando os golpes fortes da adversidade podem desviar uma vocação. Essa grande inteligência dirigia a Casa da Moeda e com os recursos de que dispunha procurava descobrir, nas crianças, nos aprendizes, nos operários, indícios de inteligência, inclinação por qualquer arte, para cultivá-la, estimulá-la, desenvolvê-la. Nós, artistas, figurávamos nas folhas de aprendizes e o éramos, de fato, aplicando uns a sua atividade em desenhos de máquinas, outros em desenhos de moedas e selos, em tudo que fosse obra útil e pudesse justificar a nossa presença
Em 1894, graças à compreensão de Enes de Souza portanto, Artur Timóteo matriculava-se na Escola Nacional de Belas Artes, estudando nos próximos anos com Daniel Bérard, Zeferino da Costa, Rodolfo Amoedo e Henrique Bernardelli. Seu primeiro envio ao Salão, em 1905, passou desapercebido, mas já em 1906 merecia menção de 1º grau, e no ano seguinte, com a desistência de Eduardo Bevilacqua, a quem fora atribuída pelo júri a viagem à Europa, conquistava a importante láurea, como já dissemos com a composição Antes da Aleluia. Gonzaga Duque, comentando tal obra, achou-a "tela movimentada, de muitos agrupamentos e infelizmente não terminada", reconhecendo no seu jovem autor alguém "talhado para ser um grande artista". Essa acusação de Gonzaga Duque, de obra não-concluída, leva a crer não tivesse entendido a novidade do estilo de Artur Timóteo, nervoso e apaixonado, preocupado apenas com o essencial, e por conseguinte abandonando, como desnecessárias ou prejudiciais, minúcias de acabamento.
Na Europa, Artur Timóteo fixou-se em Paris, percorrendo mais tarde Itália e Espanha. Chegou a expor no Salon antes de regressar ao Brasil, logo embarcando novamente para o Velho Mundo, comissionado pelo governo para decorar, com uma grande equipe de pintores, o pavilhão do Brasil na Exposição de Turim de 1911.
Continuando a expor no Salão, nele conquistaria pequena e grande medalha de prata (1913 e 1919) e pequena medalha de ouro (1920). Logo em seguida sua personalidade entrou em rápido processo de desagregação, que culminaria com sua morte, com pouco mais de 40 anos, no Hospício dos Alienados do Rio de Janeiro, a 5 de outubro de 1923.
Artur Timóteo foi pintor de paisagens e figuras, destacando-se entre essas nus e retratos. Algumas de suas paisagens impressionam pela textura, pela luminosidade e pela intensidade do colorido, e motivaram a críticos preconceituosos juízos equivocados, como o de Acquarone e Queirós Vieira que, em Primores da pintura no Brasil chamam a uma pequena mancha de 1920 de "alucinação de cores e de tintas berrantes". Em Docas do Velho Mercado, também de 1920, de novo aparece a execução plena de agilidade, combinada ao desenho econômico e ao corte original, nenhuma importância sendo concedida à anatomia dos minúsculos personagens, reduzidos a meras manchas de cor. Há, inclusive, algum parentesco entre tal pintura de Artur Timóteo e aquelas, executadas 15 anos mais tarde no Arsenal de Marinha por José Pancetti!
Recriminou-se a Artur Timóteo o desenho deficiente e o imperfeito modelado. Virgílio Maurício, por exemplo, escreveu sobre os nus que o que lhes compensava as berrantes falhas de desenho e volumetria era o vívido colorido. Desde muito antes, Gonzaga Duque implicara com o que chamou de desarticulações e deslocamentos de pernas e tronco do personagem da pintura Livre de Preconceitos. Na verdade, Artur Timóteo, temperamento agitado ao extremo, nunca pautou sua arte pela cega obediência aos cânones acadêmicos, pouco lhe importando a fidelidade ao modelo ou a plasticidade de suas figuras. Toda a sua preocupação ia, muito ao contrário, para a cor e a textura, e através delas, para a expressão. Artista dos maiores do seu tempo, é significativo que tenha morrido mais ou menos pela mesma época da Semana de Arte Moderna, ele que certamente foi um autêntico precursor do modernismo no Brasil.
Auto-retrato, óleo s/ tela, 1908;
0,41 X 0,33, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Cigana, óleo s/ tela, 1910;
0,55 X 0,38, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Em 1968, um ano depois de receber medalha de ouro no III Salão de Arte Contemporânea de Campinas, Cláudio Tozzi participava, no Rio de Janeiro, da mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. No ano seguinte, após enviar trabalhos para a X Bienal de São Paulo, efetuou viagem de estudos à Europa, retornando em 1970 para já em 1971 realizar exposição individual na Galeria Ars Mobile, de São Paulo. Desde então, tem participado de numerosíssimas coletivas de arte brasileira dentro e fora do país, além de levar a cabo individuais em inúmeras cidades brasileiras e estrangeiras, e de em 1979 receber, no Salão Nacional de Arte Moderna, prêmio de viagem ao exterior.
Iniciando sua carreira sob a égide da Pop Art norte-americana, com apelo a colagens e apropriações de imagens seriadas que evocam os comics e possuem analogia com a obra de um Roy Lichtenstein, Tozzi evoluiu para uma linguagem mais despojada e coloristicamente mais relevante, documentando em consecutivas fases sua pesquisa da contemporaneidade. Assim se alternaram em sua produção, após as primeiras realizações ainda marcadas pela Pop, as séries astronautas, parafusos, cor-pigmento-luz, ambiente-matéria, figurações de cores, trópico revisitado, colchas de retalhos, escadas, trama reticular urbana, passagens etc. A despeito da importância que a cor assume em sua obra, Tozzi é um formalista e um cerebral, construindo sua pintura a frio, um pouco como o designer ou o arquiteto que lentamente desdobra um risco original. Aliás a cor, para ele, não é encarada apenas ou principalmente em seu conteúdo expressivo-emocional, e sim enquanto corpo, matéria: cor-retícula, reminescente do grão fotográfico e do off-set do clichê, erroneamente aproximada às vezes do divisionismo de Seurat, mas tendo ao menos em comum com ele um severo racionalismo.
Artista dos mais inventivas de sua geração, Tozzi tem executado pinturas em diversos espaços públicos, como a Zebra na lateral de um edifício da Praça da República (1972),
Subida do foguete, guache s/ papel, 1969;
0,36 X 0,36, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Projeto para o painel Bandeirantes, técnica mista, 1989;
0,85 X 2,62, Palácio Bandeirantes, SP.
VALENTIM, Rubem (1922-91). Nascido em Salvador (BA) e falecido
Transferindo-se em 1957 para o Rio de Janeiro, Valentim passou a participar ativamente da vida artística dessa cidade e da de São Paulo, expondo em inúmeras coletivas, salões e certames, como a Bienal de São Paulo, o Salão Paulista de Arte Moderna (medalha de ouro em 1962) e o Salão Nacional de Arte Moderna (prêmio de viagem ao estrangeiro em 1962). Com esse prêmio embarcou em 1963 para a Europa, fixando-se em Roma após visitar vários países. Na capital italiana permaneceria três anos, realizando em 1965 uma individual na Casa do Brasil, além de participar de algumas coletivas. Em setembro de 1966, após tomar parte no Festival Mundial de Artes Negras de Dacar (Senegal), retornou ao Brasil e se fixou em Brasília, atendendo a convite para dirigir o Ateliê Livre do Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília, função que desempenharia até 1968. No mesmo ano do regresso participou com sala especial da I Bienal Nacional de Artes Plásticas, em Salvador.
Nos próximos 20 anos, sempre residindo em Brasília, com fugas episódicas a São Paulo ou a outras cidades brasileiras, Rubem Valentim integrou importantes coletivas realizadas no País ou no exterior, entre elas a Bienal de São Paulo (prêmios de aquisição em 1967 e 1973), a Bienal de Arte Construtiva de Nuremberg (Alemanha, 1969), o Panorama de Arte Atual Brasileira (MAM de São Paulo, 1969), a II Bienal de Arte Coltejer (Medellín, Colômbia, 1970), o Salão Global da Primavera (Brasília, 1973 - prêmio de viagem à Europa), Artes Plásticas Brasil-Japão (Tóquio, 1975), Visão da Terra (MAM do Rio de Janeiro, 1977), Geometria Sensível (MAM do Rio de Janeiro, 1978) etc. Do mesmo modo, expôs individualmente em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Cuiabá, destacando-se as mostras de 1970 no MAM do Rio de Janeiro (31 Objetos Emblemáticos e Relevos-Emblemas de Rubem Valentim) e as de 1975 e 1978 em Brasília - Rubem Valentim: Panorama de sua Obra Plástica e Mito e Magia na Arte de Rubem Valentim -, organizadas, ambas, pela Fundação Cultural do Distrito Federal. O artista divulgou em 1976 importante documento em que explicava as origens de sua arte e as metas a que aspirava, intitulando-o adequadamente Manifesto Ainda que Tardio, e do qual extraímos algumas significativas passagens:
- Minha linguagem plástico-visual signográfica está ligada aos valores míticos profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-fetichista). Com o peso da Bahia sobre mim - a cultura vivenciada; com o sangue negro nas veias - o atavismo; com os olhos abertos para o que se faz no mundo - a contemporaneidade; criando os meus signos-símbolos procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico, provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, sendo eu tão ligado ao complexo cultural da Bahia: cidade produto de uma grande síntese coletiva que se traduz na fusão de elementos étnicos e culturais de origem européia, africana e ameríndia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem poética, contemporânea e universal, para expressar-me plasticamente. Um caminho voltado para a realidade cultural profunda do Brasil - para suas raízes - mas sem desconhecer ou ignorar tudo o que se faz no mundo, sendo isso por certo impossível com os meios de comunicação de que já dispomos, é o caminho, a difícil via para a criação de uma autêntica linguagem brasileira de arte. Linguagem pluri-sensorial: O sentir brasileiro.
- Uma linguagem universal, mas de caráter brasileiro com elementos de diferenciação das várias, complexas e criadoras tendências artísticas estrangeiras. Favorável ao intercâmbio cultural intensivo entre todos os povos e nações do mundo; consciente de que as influências são inevitáveis, necessárias, benéficas quando elas são vivas, criadoras, sou entretanto contra o colonialismo cultural sistemático e o servilismo ou subserviência incondicional aos padrões ou moldes vindos de fora.
- A iconologia afro-ameríndia-nordestina-brasileira está viva. É uma imensa fonte - tão grande quanto o Brasil - e devemos nela beber, com lucidez e grande amor. Porque perigos existem: como o modismo; as atitudes inconseqüentes, inautênticas, os diluidores com mais ou menos talento, mais ou menos honestidade, pouca ou muita habilidade, sendo que os mais habilidosos e vazios são os mais danosos, porque geradores de equívocos; as violentações caricatas do folclore do genuíno; as famigeradas "estilizações" provincianas e o fácil pitoresco que levam a um subkitsch tropicalizado e ao efeitismo subdesenvolvido.
- Intuindo o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento - e depois de haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos, passei a ver nos instrumentos simbólicos, nas ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos ocês, um tipo de fala, uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design (Riscadura Brasileira), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade - a minha, pelo menos -, em termos de ordem sensível. Isso se tornou claro por volta de 1955-56 quando pintei os primeiros trabalhos da seqüência que até hoje, com todos os novos segmentos, continua se desdobrando.
- Minha arte tem um sentido monumental intrínseco. Vem do rito, da festa. Busca as raízes e poderia reencontrá-las no espaço, como uma espécie de ressocialização da arte, pertencendo ao povo. É a mesma monumentalidade dos totens, ponto de referência de toda a tribo. Meus relevos e objetos pedem fundamentalmente o espaço. Gostaria de integrá-los em espaços urbanísticos, arquitetônicos, paisagísticos.
- Meu pensamento sempre foi resultado de uma consciência de terra, de povo. Eu venho pregando há muitos anos contra o colonialismo cultural, contra a aceitação passiva, sem nenhuma análise crítica, das fórmulas que nos vêm do exterior - em revistas, bienais, etc. E a favor de um caminho voltado para as profundezas do ser brasileiro, suas raízes, seu sentir. A arte não é apanágio de nenhum povo, é um produto biológico vital.
Rubem Valentim partiu de uma pintura que revelaria, no começo, fortes influências parisienses; mas, olhando para dentro de si mesmo em meados da década de 1950 passou a utilizar, como matéria-prima do seu fazer estético, sua ancestralidade africana, o atavismo negro a que se referiria em 1966 o crítico italiano Giulio Carlo Argan, para quem a arte do brasileiro corresponderia a uma "recordação inconsciente de uma grande e luminosa civilização negra anterior às conquistas ocidentais". E o fez sem nenhuma concessão ao folclórico, ao turístico ou ao pitoresco, antes interpretando a simbologia ritualística de seus antepassados em termos de visualidade pura. A fixação no Rio de Janeiro, em 1957, quando ia no apogeu o movimento concretista, reforçou, em Valentim, a necessidade construtiva, que já existia desde o início, aliás: mesmo sem se filiar ao movimento, Valentim sentiu-lhe o impacto benéfico, passando a estruturar ainda com maior rigor suas obras, atenuando-as porém pelo colorido sensual e profundo. A permanência européia, de
Dessacralizador de fetiches e de objetos rituais, aos quais imprime os contornos de uma semântica peculiar, Rubem Valentim tem sido considerado por alguns estudiosos, entre eles José Guilherme Merquior, o pioneiro de uma arte semiótica brasileira. Em 1994 sua obra foi objeto de uma bem cuidada retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil, do Rio de Janeiro.
Composição 5, óleo s/ madeira, 1953;
0,40 X 0,40, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Sem título, serigrafia, 1989;
0,70 X 1,00, Palácio Bandeirantes, SP.
Sem título, serigrafia, 1989;
1,00 X 0,70, Palácio Bandeirantes, SP.
Viaro foi paisagista, marinhista, pintor de figuras e de naturezas-mortas. A paisagem paranaense, com seus pinheiros típicos e sua neblina que envelopa as formas, nele teve o intérprete talvez mais sensível. Também fixou em marinhas aspectos do litoral, sobretudo em Guaratuba, localidade em que trabalhou em diversas oportunidades. Mas foi acima de tudo pintor de figuras, e ele próprio costumava explicar:
- Tudo isso é feito para chegar à figura humana; a gente faz paisagem para ser fundo da figura humana; a gente faz natureza-morta para ser complemento da figura humana. É no homem que se realiza toda a grandeza e a meta final da obra plástica.
Mesmo não se considerando um retratista - "não pinto as pessoas especificamente, pinto os tipos humanos" - Viaro executou bons retratos, destacando-se entre todos o do pintor Miguel Bakun, ao qual deu o título de Homem sem Rumo, que se revelaria tristemente premonitório, sabido como Bakun terminaria seus dias pelo suicídio. Tipos regionais, cenas bíblicas ou eivadas de tênue classicismo completam a bagagem temática desse artista, que em dado instante de sua carreira chegou a abeirar-se do abstracionismo "como recurso para desenvolver novas texturas na busca de novas formas de expressão" (Euro Brandão).
Guido Viaro só conquistou, no Salão Nacional de Belas Artes, a medalha de bronze, em 1942; em compensação, foi contemplado no Salão Paranaense com as medalhas de prata (1947) e ouro (1951), prêmios de viagem (1952) e de aquisição (1961, 1963). Também não realizou muitas individuais: São Paulo (1948), Rio de Janeiro (1948 e 1963), Porto Alegre (1962) e Curitiba (1959 e 1964). Participou de diversas coletivas, mormente no Sul do País, e ainda em
Tendo retratado a natureza paranaense em nuances delicadas, de conotação quase impressionista, Viaro transformou-se diante do assunto social, nas cenas da vida rural e mesmo em determinados temas religiosos, em artista expressionista. Como bem observou Quirino Campofiorito, "exibe então uma energia expressionista que atende ao real e à insinuação intensiva do drama, com as acentuações de uma comovente ternura". Foi pintor de recursos e artista de nível, que a crítica e os colecionadores brasileiros ainda não redescobriram suficientemente.
Pobreza, óleo s/ tela, 1948;
0,58 X 0,70, Museu Guido Viaro, Curitiba.
Em 1918, em Recife, Vicente assistiu aos espetáculos da dançarina Ana Pavlova no Teatro Santa Isabel, fixando-os em numerosos desenhos. Teve então a idéia de realizar um bailado brasileiro, com motivos indígenas. Nessa época surgem em sua produção desenhos, pinturas e sobretudo aquarelas de assunto índio, que exporá a partir de 1919 em Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1920 passará alguns meses
Datam de 1923 algumas de suas obras mais importantes, como
Em 1928 Vicente efetua nova individual na Galerie Bernheim Jeune, com prefácio de Amédé Ozenfant. No ateliê de Pablo Gargallo (que lhe executa um retrato em ferro), conhece o poeta Géo-Charles, que se tornará desde então seu amigo inseparável. Parecendo desfrutar de boa situação financeira, adquire uma casa de campo em 1929 e, apaixonado pelo automobilismo, disputa corridas, chegando a participar em 1931 do Grand Prix de France.
Administrador da revista Montparnasse, dirigida por Géo-Charles, embarca na companhia desse para o Brasil em 1930, após ter participado da criação do Salon des Surindépendents e do Salon 1940: trazem ambos uma exposição de arte moderna européia, a primeira do tipo a ser apresentada no País. A coletiva é levada sucessivamente a Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, integrada por originais de artistas como Braque, Campigli, Dérain, Dufy, Foujita, Gleizes, Gris, Gromaire, Herbin, Laurens, Léger, Lhote, Lurçat, Marcoussis, Matisse, Picasso, Severini, Vlaminck e Zack, além de Joaquim e Vicente do Rego Monteiro. Durante a permanência
Numa nova estada em Recife a partir de 1932, Vicente arrenda com um cunhado o Engenho Várzea Grande, disposto a fabricar aguardente. A empresa fracassa, e o artista volta-se para outras iniciativas: a direção da revista Fronteiras e, em
Em 1946, de novo em Paris, funda sua editora
A partir de meados da década de 1940 diminui sensivelmente sua atividade como pintor, enquanto inversamente aumenta seu labor de poeta. Surgem a partir de então numerosos livros de versos, como Concrétion, Cartomancie (1952), Vers sur verre (1953), Broussais-la-charité (1955); Prêmio de Poesia Le Mandat des Poètes), Mon onde était trop courte pour toi (1956), etc. Após ausência de mais de dez anos retorna em 1957 ao Brasil, contratado como professor da Escola de Belas Artes da Universidade de Pernambuco, efetuando também mostras de monotipias em Recife e no Rio de Janeiro. Diversas outras exposições suceder-se-iam em Paris de então até a morte, nas galerias Royale (1958), Michel (1960), Ror Vomar (1962),
Professor-colaborador do Instituto Central de Artes de Brasília em 1966, permanecerá nesse cargo até setembro de 1968, tendo ainda dirigido a Gráfica-Piloto da Universidade de Brasília e supervisionado seu Departamento de Artes Industriais. Ainda em 1966 realiza exposição de pinturas e desenhos no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, voltando a mostrar seus trabalhos em 1969 em Recife e no Rio de Janeiro, e em 1970 na Galeria Ranulfo da capital pernambucana, onde faleceu a 5 de junho desse mesmo ano. Importante retrospectiva, abrangendo mais de uma centena de obras, teve lugar em fins de 1971 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, organizada por Walter Zanini; e também com uma retrospectiva de suas pinturas foi inaugurado em Paris, em 1986, no Museu Géo-Charles.
Circunstâncias diversas fizeram de Vicente do Rego Monteiro o grande esquecido da revolução modernista no Brasil. Tendo vivido praticamente toda a sua existência ausente dos grandes centros culturais brasileiros de Rio de Janeiro e São Paulo, antes repartindo sua atividade entre sua cidade natal, Recife e a de adoção, Paris, não foi senão ao cabo de uma longa carreira na Europa que se viu reconhecido no Brasil pelas gerações mais novas, através de sucessivas exposições que o recolocaram num lugar que era seu, mas do qual fora alijado em estranhas condições. O fato é que Vicente, tendo embora participado da Semana de Arte Moderna de 1922 e integrado, em Recife, diversos movimentos artísticos e culturais de revitalização das artes e das letras, era até bem recentemente pouco mais que um ilustre desconhecido em sua terra natal. Acresce que, por longos anos, Vicente permaneceu afastado da pintura, dedicando-se de preferência à criação literária, como poeta de fôlego que era, e às edições de luxo de poetas seus amigos. Seu retorno às artes visuais ocorreu paulatinamente, e quando finalmente se ia tornando um dos nomes mais em evidência da moderna Escola Brasileira de Pintura, já seu ciclo vital chegava ao fim.
Vicente é artista pessoal, aparentado decerto a outros artistas, mas articulando perfeitamente uma linguagem própria. Linguagem que, além do mais, baseia-se numa realidade nacional, não tivesse sido Vicente antes de tudo - e mesmo vivendo longe tantos anos do Brasil -, pintor de fundas preocupações com uma arte nacional brasileira - brasileira pela temática e pela atmosfera. A esse respeito, seja observado desde logo que é a Vicente que, direta ou indiretamente ligam-se todos os jovens pintores, gravadores e desenhistas contemporâneos do Nordeste, como um Gilvan Sanico ou um João Câmara, todos preocupados em partir do regional para o nacional e daí para o universal, infensos, aparentemente, às importações periódicas dos últimos ismos em moda.
Senhor de sólido métier, dominando como poucos seu ofício, era esse domínio técnico excepcional que permitia a Vicente evocar com leveza cromática, as formas escultóricas de suas figuras, que pareciam destacar-se do ano bidimensional que ocupavam. Quanto ao seu mundo de idéias, oscilava entre as figuras primevas do Continente Americano e a Bíblia, os grandes clássicos, os temas grandiloqüentes que tornavam sua arte densa e profunda. Mas teve também olhos para o esporte - ele, a quem o movimento fascinava -, e, homem de seu tempo, sentiu em certo instante a sedução do Abstracionismo, abandonando a referência aos objetos naturais para criar um mundo de texturas e cores independentes. Sua importância, que extrapola as fronteiras do Brasil já que é hoje considerado em França pintor também francês, pode bem ser aquilatada por essas palavras de seu companheiro de geração Gilberto Freire, em 1969:
- Vicente foi, talvez, o maior dos pioneiros da modernização das artes no Brasil, que, cronologicamente, data de 1922, e da Semana de Arte Moderna de São Paulo. Maior do que a insigne Tarsila - por ter sido, desde o seu início, como artista renovador, um modernista impregnado de indianismo. Maior - pelo mesmo motivo - do que Brecheret. Sob possíveis sugestões do Regionalismo tradicionalista e, a seu modo, modernista, do Recife, parece ter se antecipado a esses dois e a Leão Veloso, Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti, Goeldi - os outros vigorosos pioneiros de 22 no Rio e
Os calceteiros, óleo s/ tela, 1924;
0,45 X 1,65, Palais des Congrès, Liège, França.
Maternidade, óleo s/ tela, 1924;
0,45 X 1,65, Palácio Bandeirantes, SP.
Tenis, óleo s/ tela, 1928;
1,00 X 0,81, Palácio Bandeirantes, SP.
Pietá, óleo s/ tela. cerca de 1966;
1,00 X 1,34, Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.
As religiosas, oléo s/ madeira, 1969;
0,68 X 0,79, Museu Nacional de Belas Artes, RJ
Em julho de 1885 ingressa na Academia Imperial de Belas Artes, na qual seria discípulo de Zeferino da Costa, José Maria de Medeiros, Rodolfo Amoedo, Henrique Bernardelli e, mais uma vez, de Vítor Meireles. Aluno brilhante e participante, alinhou-se entre os modernos na batalha pela atualização do ensino acadêmico, em 1888, opondo-se aos positivistas. Proclamada a República, as idéias preconizadas pelos modernos prevaleceram e Rodolfo Bernardelli tornou-se diretor da nova Escola Nacional de Belas Artes. No primeiro concurso de premiação realizado sob o novo regime, em 1892, Eliseu Visconti, impondo-se a sete candidatos, obteve por unanimidade o primeiro lugar nas três provas (academia em desenho e pintura e composição histórica, essa com a tela A Anunciação). Havia quase dez anos que o concurso não acontecia.
Em começos de 1893, Visconti inscreve-se no vestibular da École des Beaux Arts de Paris, nele obtendo o sétimo lugar entre 467 candidatos. Paralelamente matricula-se no curso de arte decorativa da École Guérin, então dirigido por Eugène Grasset. Logo se desligaria da École, mas como aluno de Grasset permaneceria até 1897, recebendo desse célebre artista, então no ápice de sua carreira, marcante influência. No logotipo de Je Sème à Tout Vent, elaborado por Grasset para o Larousse inspirou-se, por exemplo, para realizar o ex-libris da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Muito se escreveu sobre Visconti como o introdutor, ou um dos introdutores, do Impressionismo no Brasil; mas pouco sobre o fato de ter esse artista praticado o Art Nouveau no momento da maior vitalidade do estilo. Existem, aliás, vários outros pontos obscuros sobre a fase de formação do artista, o qual teria mantido contato pessoal com Paul Gauguin, a se dar crédito a informação passada por seu genro, Henrique Cavalleiro, ao crítico Flávio Mota. Terá Visconti visitado o exótico ateliê de Gauguin na Rue Vercingétorix, onde reinava Annah
Tendo exposto anos consecutivos no Salon, e após receber medalha de prata na Exposição de 1900, justamente com Oréades e Gioventu, Visconti regressou ao Brasil: com exceção de breves visitas a outros países (como a que fez em
Em 1901 realiza sua primeira individual: 38 obras, das quais 28 de arte decorativa: desenhos para capas de livros, estudos de vitrais, marchetaria, esmalte cloisonné, panos recortados, papéis pintados, estofos em seda, cerâmica e ferroneria. Em artigo publicado a 2 de julho Gonzaga Duque refere-se ao "quase silêncio" que cercou a exposição, "das mais completas, das mais importantes exposições de arte aqui franqueadas ao público", atribuindo-o à incompreensão, mas principalmente à inoportunidade do momento, "porque a hora é das piores, o dinheiro escasseia às bolsas mais volumosas, a existência tornou-se penosa aos melhores aquinhoados da sorte"... Visconti, mais de 20 anos mais tarde, queixou-se a Angyone Costa:
- Quando regressei da Europa, como pensionista dos cofres públicos, fiz uma exposição de arte aplicada, na certeza de que a arte decorativa era o melhor elemento para caracterizar a indústria artística do país. Olharam-na como novidade, e nada mais. Cheguei a fazer cerâmica à mão para ver se atraía a atenção das escolas, das oficinas, do governo. Tudo perdido. Ninguém notou o esforço. Em nossa terra não existe ainda preocupação pela arte...
Desabafo decerto injusto, pois não só Gonzaga Duque e outros críticos noticiaram a mostra, como Visconti recebeu um convite (que recusou), para associar-se à firma Ludolf & Ludolf, em cujos fornos executara as cerâmicas. O Governo, por outro lado, encomendou-lhe em 1903 o ex-libris para a Biblioteca Nacional e no mesmo ano patrocinou concurso para selos postais e cartas-bilhetes, ambos vencidos pelo artista. Assim, a mostra de 1901 não foi de todo um esforço vão.
O casamento de Visconti com Louise, em França, abre um capitulo novo em sua carreira. No dizer de Frederico Barata, "a vida artística de Eliseu Visconti, a rigor, só compreende duas grandes fases: a anterior e a posterior ao casamento, ou seja-a de antes de conhecer D. Louise e a de após, tendo-a insensivelmente como principal inspiradora. Na primeira fase, realiza uma obra de imaginação, simbolista, já poderosa mas ainda sem uma personalidade definitivamente estabelecida, que vemos refletida nas Oréades, no São Sebastião, na Gioventù. Na segunda, que tem a família como centro, utilizando a esposa e os filhos como modelos e pintando-os e repintando-os a todos os momentos e em todas as idades, liberta-se das numerosas influências imitativas, e torna-se mais senhor da própria técnica até atingir a plena maturidade". Dos três filhos de Visconti, Yvone, que se casaria com o grande pintor Henrique Cavalleiro, seria também pintora, praticando igualmente a gravura e as artes decorativas.
Em 1902 Visconti seguiu de novo para Paris, onde ainda se achava ao receber carta do Prefeito Pereira Passos convidando-o a pintar o pano de boca do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que então se construía. Aceito o convite, submetida a esquisse ao prefeito e ao engenheiro incumbido da construção, Oliveira Passos, Visconti recolheu-se ao antigo ateliê de Puvis de Chavannes em Neuilly e nos próximos três anos entregou-se ao trabalho. Em 1908 o pano-de-boca achava-se concluído: representava A Influência das Artes na Civilização, e compreendia mais de 200 figuras. Exposta no ateliê do pintor para o Presidente Rodrigues Alves, a obra mereceu grandes elogios. O mesmo não aconteceria logo depois, ao ser exibida no Rio de Janeiro, tendo Aluizio de Azevedo observado numa crônica:
- Releva dizer que o assunto do pano-de-boca lhe foi imposto, assunto velho, exploradíssimo, cruel, que o obrigou a pintar extravagâncias à força de procurar uma nota original, inédita, em que transparecesse a sua própria individualidade. Ele fez o seu trabalho no ateliê outrora ocupado por Puvis de Chavannes, e nesse ambiente sagrado poderia inspirá-lo, talvez, a majestosa sobriedade do grande mestre; mas lá estava o maldito assunto para desviá-lo do bom caminho e atirá-lo às dançarinas e às bananas.
Estava ainda o artista em Paris, entregue à execução do telão do Municipal, quando em 1907 foi nomeado professor da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que exerceria até 1914 com longos intervalos de licença. Não formou, assim muitos alunos, mas dois deles - Marques Júnior e seu futuro genro, Henrique Cavalleiro - tornaram-se pintores de méritos. Terceiro discípulo seria Manoel Santiago, que estudou não na Escola, mas no ateliê mantido por Visconti particularmente, de
Apesar do trabalho com o pano-de-boca, Visconti continuou pintando quadros de cavalete, que expôs no Salão. No de 1905 expôs dois retratos, entre os quais o da escultora Nicolina de Assis, obra-prima do gênero entre nós; em 1908 exibe Maternidade, que já fora mostrada dois anos antes no Salon de Paris e é sem dúvida das obras mais delicadas e belas do artista.
Em 1913 nova encomenda oficial, agora para executar as pinturas do foyer do Municipal, levá-lo-á de novo a Paris. Na capital francesa, aluga na Rue Didot um grande barracão e dá começo ao trabalho; mas com a Guerra de 1914 e o bombardeamento da cidade pelos alemães, Visconti é forçado a mudar duas vezes de ateliê, transportando-se sucessivamente a Saint-Hubert e Du Main. Termina as decorações em plena conflagração, para retornar ao Brasil no auge da campanha submarina de Guilherme II, não sem antes realizar curta viagem à Itália, onde vivia ainda sua mãe.
O período de
- Verdadeira música de cores, de tons harmoniosos, impecável desenho e agradável e elegante linha de composição, revela tal segurança e maestria na fatura, sem uma hesitação, com uma sensibilidade tão inspirada e comunicativa, que pode, sem exagero, ser comparada ao que de melhor no gênero tenha sido produzido no mundo contemporâneo.
Após 1918 Visconti não mais saiu do Brasil, alternando sua produção entre a pintura decorativa (1923, Conselho Municipal;
Em 1926 Visconti efetua na Galeria Jorge uma nova exibição de arte decorativa. Comentando-a, Auguste Herborth, antigo aluno da Escola de Belas Artes de Strasbourg de passagem pelo Rio de Janeiro, repara que "os trabalhos expostos pertencem à escola parisiense, conforme o estilo e o colorido preconizados em 1900, embora a arte francesa hodierna tenha tomado outra feição, graças à influência da Escola de Nancy, se bem que, nos dias que correm, o curso para a arte aplicada, na França, não tenha o mesmo lisonjeiro surto que na Alemanha, por exemplo". Era essa uma maneira delicada de dizer que em 1926 Visconti se desatualizara, praticando então um Art Nouveau anacrônico, alheio às renovações que se vinham processando na França (onde apenas um ano antes ocorrera a grande exposição das artes decorativas), e sobretudo na Alemanha, onde Gropius fundara já em 1919 o Bauhaus.
Em começos de 1930 Visconti foi novamente chamado a realizar trabalhos no Municipal do Rio, que passava por uma reforma. Entre 1934 e 1936 executou a pintura de um friso sobre o proscênio, auxiliado pela filha, o genro e ainda Martinho de Haro e Angenor de Barros. Seria, esse, seu último trabalho de vulto, se bem que continuasse trabalhando até o fim da existência, tendo exposto, ainda no Salão de 1944, uma obra recém-concluída - Três Marias.
Pintor de figuras, paisagista, decorador, autor de cenas de gênero e pioneiro, no Brasil, das artes industriais, Visconti foi em vida considerado acima de tudo como figurista, autor de nus, retratos, alegorias e grupos. A contemporaneidade, no entanto, parece hoje nele ver também o paisagista. Em suas melhores obras o desenho de Visconti é diáfano, sem contornos, enquanto o colorido impregna-se de modulações à maneira impressionista e neo-impressionista, utilizando-se o artista de rica palheta de nada menos de 17 cores, com predominância de amarelos e vermelhos (Carlos del Negro). Estilisticamente foi um eclético; e, tolerante embora para com a arte moderna, nunca a compreendeu de todo - apesar de visitar com interesse as exposições de Portinari e Segall realizadas em 1943, como informou Barata. Dizia-se um presentista, afirmando que a arte não pode parar, e que "futuristas, cubistas, são todas expressões respeitáveis, artistas que tateiam, procurando alguma coisa que ainda não alcançaram".
Em meados de 1944, Visconti, então com 77 anos, sofreu uma queda em seu ateliê da Avenida Mem de Sá, no Rio. As circunstâncias em que tal acidente ocorreu são misteriosas, chegando Frederico Barata a falar vagamente em "acidente ou crime de que foi vítima no ateliê". A agonia durou dois meses; reanimou-se, pouco depois, por mais duas ou três semanas, durante as quais com descomunal força de vontade retomou os pincéis, dizendo repetidas vezes a seus familiares:
- Nasci de novo! E agora é que vou começar a pintar, vocês vão ver!
A euforia pouco durou: a 15 de outubro de 1944 faleceu, não sem antes ter dito ao amigo fiel essas sábias palavras, que lembram tão de perto as conhecidas frases de Hokusai:
- O que falta às gerações de hoje é angústia da humildade, da impotência diante dos problemas da pintura, que parecem simples e são incrivelmente grandes e complexos. Satisfazem-se rapidamente com o que fazem e julgam-se mestres, na juventude, quando deviam convencer-se de que até à velhice, até à morte, serão humildes aprendizes...
O beijo, óleo s/ tela, s/ data;
0,64 X 0,81, Palácio Bandeirantes, SP.
Cena bíblica, óleo s/ tela, s/ data;
0,60 X 0,67, Palácio Bandeirantes, SP
Auto-retrato, óleo s/ tela, s/ data;
0,40 X 0,33, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Friso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, cerca de 1908.
Teto do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Jardim do Luxemburgo, óleo s/ tela, cerca de 1915;
0,25 X 0,35, Museus Castro Maya, RJ.
Terminado o curso, quis lecionar na Academia, mas foi derrotado em concurso para o cargo de lente substituto de pintura por João Maximiano Mafra, em 1852. Nesse mesmo ano venceu o sétimo concurso de premiação, impondo-se a sete outros candidatos com São João Batista no Cárcere. Partindo para a Europa em abril do ano seguinte, fixou-se em Roma, estudando sucessivamente com Minardi e Consoni, além de ter feito cópias de Veronese, Tintoretto e Tiziano em Florença.
Em fins de 1856, por determinação de Porto-alegre, muda-se para Paris, desiludido com a Itália que, na opinião de um de seus críticos, "só lhe serviu para a educação do sentimento artístico, pois, quanto ao ensino artístico e técnico de que necessitava, nada aproveitou com as lições, crivadas de charlatinas, de dois ou três professores", Tencionava estudar com Delaroche, mas, falecendo esse artista pouco antes de sua chegada, tornou-se aluno de Leon Cogniet e logo de Andrea Gastaldi, ao mesmo tempo em que efetuava cópias de Géricault, Gros e Scheffer. Trabalhador incansável, até agosto de 1858 já remetera à Academia 119 trabalhos, entre os quais 3 composições, 8 cópias, 14 esboços de obras célebres, 21 estudos de tipos, 8 de trajes, 53 academias, 6 estudos de cabeças e outros tantos de gesso. Em fins daquele ano sua permanência foi prorrogada até 18 de dezembro de 1860, para que pudesse dedicar-se à execução de uma grande composição original cujo tema, A Primeira Missa no Brasil, fora-lhe sugerido por Porto-alegre, seu mentor intelectual e artístico. Para bem se desincumbir da tarefa, Vítor, sempre meticuloso, lê e relê a Carta de Pero Vaz Caminha e visita, na Biblioteca Santa Genoveva, o velho historiador Ferdinand Denis, que lhe indica livros sobre os Descobrimentos e lhe elucida dúvidas. Concluído o esboço, o mesmo é mostrado a Tony Robert Fleury, que o aconselha a eliminar uma figura de índio ajoelhado que, no seu entender, prejudicava a composição. O conselho é aceito e o quadro, executado entre 1859 e 1861, é afinal exposto no Salon, com elogios da crítica.
Em meados de 1861, oito anos depois que partira, Vítor Meireles está de novo no Brasil, sendo logo ao chegar condecorado por Pedro II com a Ordem da Rosa, juntamente com Carlos Gomes. Em 1862, expondo A Primeira Missa no Brasil, da noite para o dia torna-se uma celebridade, embora tivessem surgido críticas desfavoráveis ao quadro. A 21 de setembro é nomeado professor honorário da Academia, na qual lecionará de então até 1890.
Comissionado pelo Ministro da Marinha Afonso Celso, segue em 1868 para o teatro de guerra no Paraguai, montando seu ateliê a bordo do capitânia da esquadra, Brasil, onde trabalhou durante dois meses em croquis e esboços. Novamente no Rio executa, no Convento de Santo Antônio, Combate de Riachuelo e Passagem de Humaitá. Em 1875 surge nova encomenda oficial: a Batalha dos Guararapes, que lhe consumiu quatro anos de esforços. Retornando de uma exposição em Filadélfia, em 1877, o Combate de Riachuelo arruinou-se nos porões da Academia. O artista irá pintar segunda versão da obra em 1883 em Paris, expondo-a com imenso sucesso no Salon. A 19 de maio é-lhe oferecido um banquete, presidido por Ferdinand Denis.
O acontecimento artistico de 1879 foi a exposição dos dois grandes quadros de batalhas de Vítor Meireles (Batalha dos Guararapes) e de Pedro Américo (Batalha do Avai). Público e crítica se dividem sobre qual a pintura mais notável, sucedendo-se na imprensa os artigos, assinados ou anônimos. Num desses artigos anônimos, "Y" lança sobre Vítor Meireles a acusação de ter plagiado a Messe de Kabilie, de Horace Vernet, e Virginia Morta na Praia, de Isabey, para compor respectivamente a Primeira Missa e Moema. Estampas dessas duas pinturas chegam a ser expostas numa elegante loja da Rua do Ouvidor, e o próprio Vítor, na Academia, faz questão de exibir suas pinturas ao lado de reproduções daqueles originais franceses. Quanto à Batalha de Guararapes o artista, fiei a seu método de reconstituição histórica, visitou antes de dar início a sua execução Pernambuco, realizando croquis, tomando notas e reconhecendo o terreno que fora palco do embate mais de 200 anos antes. Ao mesmo tempo, em reproduções de pinturas de Rembrandt e de Van der Helst estudou as roupas e as expressões dos holandeses. A crítica, embora reconhecendo a fidelidade histórica da obra, não deixou de lhe realçar o convencionalismo, o amaneirado, a monotonia da composição.
Em meados da década de 1880, após ter fundado com o belga Henri Langerock uma Empresa de Panoramas, Vitor dá início a uma tarefa que de há muito vinha acalentando: realizar um imenso panorama do Rio de Janeiro, uma paisagem contínua da capital e suas cercanias. Coube a Langerock executar a parte oriental da cidade, da Rua da Lapa ao Mosteiro de São Bento, tocando a Vitor fazer a parte restante. Depois de elaborados os croquis, os dois sócios estabeleceram-se em Ostende, na Bélgica, gastando, nas pinturas definitivas, dois anos de trabalho. A 4 de abril de 1888, em Bruxelas, na presença dos Reis da Bélgica, o Panorama, com
Um segundo Panorama seria ainda pintado por Vítor Meireles: o da Entrada da Esquadra Legal Vitoriosa Vista da Fortaleza de Villegaignon, enfocando episódio ocorrido em 1893; terceiro, destinado a comemorar o Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, foi concluído a duras penas, depois de o artista ter visitado a Bahia e fixado em admirável estudo o Panorama da Primeira Missa (1900). Esse derradeiro esforço exauriu-o e, somado ao fracasso do Panorama do Rio de Janeiro poucos anos antes, apressou-lhe o fim. Desencantado, velho, sem saúde ou recursos, Vítor Meireles faleceu a 22 de fevereiro de 1903, tendo sido sepultado no Cemitério do Catumbi.
Vítor Meireles praticou todos os gêneros da pintura, com exceção da natureza-morta e da cena de gênero. Suas pinturas religiosas, mais numerosas em princípios da carreira (Degolação de São João, Flagelação de Cristo, ambas de 1856), não possuem em verdade sentimento religioso autêntico, sendo antes exercícios de métier. Curiosamente, sua última pintura acabada é de tema religioso: a Invocação a Nossa Senhora do Carmo, de 1898, que se destinava ao altar-mor da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro.
A critica do século passado via em Vítor acima de tudo o pintor de história, autor da Primeira Missa e das grandes Batalhas, do Juramento da Princesa Isabel e de uns raros outros quadros de assunto mitológico ou poético. Mas como pintor de história Vítor é mais ilustrador que intérprete, mais cronista que poeta, perdendo-se em preocupações de historiador, de arqueólogo, de documentarista. Na verdade, em nosso entender a parte mais admirável de sua obra acha-se nas paisagens e nas vistas urbanas que executou a começar pela Rua do Desterro (sua primeira pintura, feita aos 19 anos) até o Panorama da Primeira Missa, de 1900. Em tais obras, e nos sete estudos que ficaram para os Panoramas, seis do Rio de Janeiro e o sétimo para comemorar a vitória do governo na Revolta da Armada, Vítor Meireles revela-se um grande artista.
Estilisticamente um romântico, Vitor partiu sempre da realidade objetiva, que nunca pretendeu superar: faltavam-lhe para tanto os amplos vôos da imaginação, e o prejudicavam os próprios rasgos do temperamento, que não lhe permitia ousar. Escudado em técnica perfeita, transformou amiúde essa técnica em fim, e não
No Brasil, divide com Pedro Américo a hegemonia artística da segunda metade do Séc. XIX; é porém mais artista que o paraibano, o que inclusive a posteridade hoje reconhece. A época e o meio impediram-no de ser um grande artista; em contrapartida, foi o maior entre os pintores de seu meio no seu tempo.
Quanto à sua atuação como professor, é superior à de qualquer outro mestre no Brasil, pois nenhum, mais do que ele tanto contribuiu para a formação de jovens alunos que se revelariam, no futuro, ótimos artistas. Lecionou na Academia de 1862 até 1890, quando foi afastado da recém-criada Escola Nacional de Belas Artes, tal como Pedro Américo, por suas simpatias nunca negadas pelo Imperador deposto; trabalhou, em seguida, um ano no Liceu de Artes e Ofícios, e em 1893, com Eduardo de Sá e Décio Vilares, ainda tentou fundar sem sucesso uma Escola Livre de Belas Artes. Uma relação muito incompleta dos seus melhores alunos, incluiria, entre outros, Pedro Peres e Augusto Rodrigues Duarte, José Maria de Medeiros e Almeida Júnior, Amoedo e Modesto Brocos, Firmino Monteiro e Oscar Pereira da Silva, Zeferino da Costa e Eduardo de Sá, Henrique Bernardelli e Belmiro de Almeida, Estêvão Silva e Manoel Teixeira da Rocha, Eliseu Visconti e Antônio Parreiras.
Juramento da Princesa Isabel, óleo s/ tela, 1875;
1,77 X 2,60, Museu Imperial, Petrópolis.
Aspecto da Guerra do Paraguai, aquarela, s/ data;
0,28 X 0,28, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Batalha Naval do Riachuelo, óleo s/ tela, s/ data;
4,00 X 8,00, Museu Histórico Nacional, RJ.
Soldado paraguaio de bruços, estudo para a Batalha Naval do Riachuelo,
crayon e lápis, s/ data;
0,23 X 0,29, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
Participando a partir de 1925 de coletivas como a organizada em 1928 pela sociedade Muse Italiche, no qual foi aliás contemplado com medalha de ouro, Volpi foi pouco a pouco se entrosando no ambiente cultural acanhado da São Paulo da época, travando conhecimento com artistas como Rebolo - de quem freqüentaria o ateliê no Edifício Santa Helena, em meados da década de 1930 -, Bruno Giorgi e Ernesto De Fiori. Esse último, pintor e escultor de reputação internacional radicado em 1936
Em 1938 Volpi participou da exposição anual da Família Artística Paulista; no ano seguinte, visitando pela primeira vez Itanhaém, deu início a uma série de admiráveis marinhas nas quais é possível ver a sensibilidade com que sabe captar o momento que passa, a impressão fugidia, o mundo em transição das ondas e das nuvens. Tais marinhas situam-se indiscutivelmente entre o que de mais importante produziu no gênero a pintura brasileira, e devem, inclusive ser aproximadas pela qualidade das que, apenas poucos anos mais tarde, o grande marinhista José Pancetti iria executar, na mesma povoação.
Tinha Volpi 48 anos quando realizou sua primeira exposição individual, numa sala alugada da Rua Barão de Itapetininga
A partir de
- Para mim só existe a cor. Este negócio de me colocarem entre os concretis está errado, afinal eles estão à procura da forma, e eu apenas da cor.
Uma primeira retrospectiva de sua obra teve lugar em 1957 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Retrospectivas mais completas foram realizadas em 1972, também no MAM carioca, 1975, no MAM de São Paulo, 1986 de novo no MAM de São Paulo, e 1993, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, sem falar nas inúmeras salas especiais organizadas no âmbito das Bienais de São Paulo, na de 1998 inclusive.
A primeira fase da carreira de Volpi estende-se de
A década de 1930 será, com efeito, de definição: ao contato com outros artistas, Volpi desenvolve seus recursos expressivos, ao mesmo tempo em que gradativamente sua visão orienta-se no sentido de um cromatismo mais vívido, em detrimento da textura leve quase translúcida. Ouvindo então os conselhos de pintores e de escultores como Rebolo, Bonadei, Gobbis, Rossi Osir, Zanini ou De Fiori, Volpi aprofunda o seu saber pictórico e alarga o seu mundo de idéias. Pela metade da década é já um artista de técnica consumada, se bem que ainda em busca de um estilo. Esse cristaliza-se a partir das marinhas realizadas em Itanhaém em 1938 e 1939. Para Sérgio Milliet tais marinhas de Volpi seriam "as melhores da nossa pintura, com as do boêmio genial que foi Castagneto e as do atormentado Pancetti". Em certas pinturas a cor intermédia é eliminada com o aparecimento, afinal, dos tons puros, enquanto as formas tornam-se mais precisas, sem a indefinição que caracterizava a fase anterior.
Principiam os anos de 1940 por um fato de grande repercussão entre os artistas: organizado pelo Património Histórico e Artístico Nacional, um concurso convoca pintores a se exercitarem sobre os velhos monumentos nacionais de São Miguel e do Embu. Volpi é o vencedor, mas ainda melhor do que o prêmio é a oportunidade, que se lhe oferece, de pela primeira vez encarar o passado artístico brasileiro, a produção de arquitetos, escultores e pintores coloniais, toda uma atmosfera que poucos anos depois repercutiria em sua produção. O fascínio da arte colonial iria novamente atraí-lo por ocasião da viagem a Minas, em 1944, e de uma excursão a Cananeia e à Bahia, em companhia do crítico Theon Spanudis. Já em meados da década surgirão algumas obras fundamentais, como Reunião à mesa, de 1944 (Museu de Arte Contemporânea da USP). Menina da Bicicleta, de 1946, Procissão na Bahia, de 1948, todas de tema popular, além de algumas de natureza religiosa, como Nossa Senhora e o Menino Jesus, de 1947 e uns poucos nus.
De 1950
Mestre sem contestação do seu ofício, tendo atingido ao cabo de uma das mais extensas carreiras pictóricas de artista brasileiro uma depuração e uma simplicidade extremas, há, na arte de Volpi, a ressonância antiqüíssima da tradição peninsular, como se esse pintor, nem moderno nem antigo, fosse o elo de uma cadeia ininterrupta. Mas se em sua produção é fácil detectar o que a vincula à arte dos pré-renascentistas, também não é difícil achar nela elementos inconfundívelmente brasileiros, de tal modo captou Volpi o sentimento nacional. Porque Volpi - não é demais enfatizar - é, como artista, o mais brasileiro dos pintores, tendo canalizado para seus quadros a ingenuidade de nossos tetos perspectivistas, o cromatismo essencial de velhos oratórios e baús populares. Avesso a qualquer intelectualismo, Volpi afirma-se sobretudo como excepcional colorista, embora como ficou dito predomine também, nas obras realizadas nos últimos 20 ou 30 anos, o senso construtivista, a preocupação com a forma bem estruturada. Em verdade, poder-se-ia definir a pintura de Volpi como abstrata, no sentido de que o artista partiu da observação naturalista, interessado apenas na reprodução de formas e cores naturais, pouco a pouco afastando-se das mesmas para chegar a esquemas elementares: casa - fachada - arabesco -, ao mesmo tempo em que substituía a sugestão do volume pela bidimensionalidade, a textura dos objetos reais pela pictórica e a densidade do óleo pela imaterialidade da têmpera.
Essa importância que Volpi concedeu desde o começo a cor é significativa. Suas pinturas, com efeito, são jogos cromáticos, de uma luminosidade que por vezes as torna de uma leveza quase imponderável. Sempre em busca do essencial, Volpi aproxima-se, nelas, do espírito da Música, já quase prescindindo da referência ao mundo objetivo. E é principalmente graças a tais pinturas que há de permanecer, na história da arte nacional, como um de nossos mais puros, mais extraordinários pintores.
Paisagem, óleo s/ tela, 1922;
0,50 X 0,60, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
A ruela, óleo s/ tela, s/ data;
0,60 X 0,50, Palácio Bandeirantes, SP.
Marinha, óleo s/ madeira, cerca de 1935;
0,33 X 0,45, Museus Castro Maya, RJ
Moenda de cana, azulejos, cerca de 1945;
0,90 X 1,06, Palácio Bandeirantes, SP
Casas, têmpera s/ tela, 1955;
1,15 X 0,73, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Bandeirinhas, têmpera s/ tela, 1970;
0,71 X 1,00, Palácio Bandeirantes, SP.
Composição, tinta s/ tela, 1976;
0,68 X 1,36, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
W
WAKABAYASHI, Kazuo (1931). Nascido em Kobe (Japão). Foi aluno de Konosuke Tamura, de Tendo chegado ao Brasil já artista feito, senhor de seu ofício e manipulando com superioridade uma linguagem plena de entonações originais, Wakabayashi pratica uma arte não-figurativista em que as formas, de contornos bem definidos, são vitalizadas por bons efeitos de textura e por uma acentuada pesquisa de cor. Chamando a seus quadros "matéria espiritualizada", Walter Zanini define-o como "um metafísico dos valores espaciais"; há nesse pintor, com efeito, certa busca de transcendência que ultrapassa de muito o mero jogo de texturas, formas e cores, e que antes corresponderia a uma necessidade íntima de sua personalidade, à materialização de uma visão interior rica e pessoal.
Abstração azul, óleo s/ tela, 1967;
1,11 X 1,29, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Vermelho em expansão, óleo s/ tela, 1967;
1,75 X 2,18, Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, RJ
Em 1950 Wega integrou-se ao Grupo Guanabara, e em 1953, sentindo a necessidade de se atualizar esteticamente, passou a freqüentar o Ateliê Abstração, de Flexor. Dois anos mais tarde efetuou, no Museu de Arte de São Paulo, sua primeira individual, e em 1957 recebeu, na IV Bienal de São Paulo, o prêmio de Melhor Desenhista Nacional. Nesse certame mereceria salas especiais em 1963, 1971, 1973 e 1979. Em 1985 o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand dedicou-lhe uma retrospectiva, com 85 pinturas executadas entre 1946 e 1985.
Dos primeiros quadros, ainda hesitantes, de meados da década de 1940, às paisagens imaginárias de sua maturidade, Wega percorreu extenso caminho, ao longo do qual pesquisou, sofreu influências as mais diversas e foi sucessivamente realista, "impressionista" e abstracionista, com incursões pelo onírico e o fantástico. Certas marinhas e cenas interioranas de começos da década de 1950 revelam-na já de posse de toda a sua paixão pela cor, achando-se resolvidas em tonalidades luminosas, que aplicadas em pinceladas lisas se justapõem para formar, na superfície pictórica, um ritmo vibrátil. Quanto às figuras, não lhe saem tão felizes; em compensação as mencionadas paisagens imaginárias representam seu pleno desenvolvimento estilístico. Nelas o que se percebe é uma frenética procura de ritmo e movimento, luminosidade e cor. Românticas e expressionistas, selvagens e sensíveis, tais paisagens, quando surgiram, significaram um avanço na pintura brasileira de então, e ainda hoje conservam muito de seu frescor e de sua originalidade.
Carrefour d'infinis, óleo s/ tela, 1968;
1,13 X 1,45, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Hora crespuscular, óleo s/ tela, 1970;
0,72 X 0,91, Palácio Bandeirantes, SP.
Fixou-se primeiro em Hamburgo, e após seis meses passou a Carlsruhe, estudando com Teodor Poeckh e Ernst Hildebrandt, a quem acompanhou em
Em 1888 Weingärtner expôs no Rio de Janeiro dez quadros, que suscitaram o entusiasmo de críticos como França Júnior, que chegou a chamá-lo de "o primeiro pintor brasileiro", observando que "nenhum compatriota nosso chegou, com o pincel, a tanta perfeição no desenho, tanta fineza no acabado e tanta observação no estudo". Retornando a Roma o artista inicia a etapa mais notável de sua carreira, marcada por obras como Má Colheita, Flauta de Pã, Arrufos, Bacanal, Ciúmes e Briga de Galos, entre outras. Em Convalescente, de 1889, observa-se maior riqueza cromática e uma fatura mais opulenta. Briga de Galos, uma de suas primeiras composições clássicas, figurou em 1891 no Salon de Paris. O crítico de
- Sabe-se, pelo exemplo de Gérome, que esse trabalho de estréia pode levar a tudo. Weingärtner começa como o membro do Instituto. Permito-me desejar-lhe que não termine do mesmo modo.
Em maio de 1891 o artista era nomeado professor de Desenho Figurado da Escola Nacional de Belas Artes, tomando posse no mesmo mês e logo depois fazendo, na própria Escola, segunda mostra de seus quadros. Permaneceria até 1896 no Brasil, com freqüentes viagens ao Sul - cuja atmosfera começa a retratar em diversas obras de temática regional. Tais pinturas gauchescas, como Chegou Tarde! , Fios Emaranhados ou Kerb (a festa dos colonos alemães) foram mostradas pela primeira vez no Rio de Janeiro em 1892 e conheceram imediato sucesso.
Sem vocação para o magistério, Weingärtner acha-se de novo em Roma já em 1896. No navio que o conduziu à Europa deu início a uma grande composição, Jantar a bordo do Regina Margherita, que irá concluir na capital italiana. Nessa obra e em Xeque-Mate, que data de logo depois, o realismo é tanto, que no dizer de seu biógrafo "as fotografias das mesmas nos dão a impressão de que foram tiradas diretamente a bordo e não de quadros". De então até 1902 trabalhará em Roma, indiferente aos sopros de renovação artística, antes ligando-se ao grupo In Arte Veritas, de tendência conservadora. Em sua produção alternam-se, aos temas clássicos como Julgamento de Paris, Oferenda ao deus Pã ou Banho Pompeiano, os quadros de gênero, como últimos Retoques, Procissão Interrompida ou As Herdeiras. Mais ou menos da mesma época datam os primeiros ensaios com a água-forte, técnica de gravura da qual será um dos pioneiros no Brasil. Anticoli lhe motivará algumas de suas melhores obras, ricas de conteúdo humano e dotadas de admirável verve. Mas o pintor gaúcho tornava sempre ao mundo antigo de Grécia, Roma e Pompéia, e com um quadro de motivação clássica, As Flautas de Pã, foi que participou da Exposição Parisiense de 1900. Também em começos do século surgem os primeiros retratos femininos, gênero que lhe propiciou algumas de suas obras mais delicadas.
Residindo embora na Europa, Weingärtner acompanhava o movimento artístico brasileiro, expondo por exemplo
A grande atração da mostra de 1910 foi o tríptico La Faiseuse d'Anges, pintado em 1908
Depois do sucesso da mostra de 1910, Weingärtner decidiu... casar-se. A noiva, Elisabeth Schmitt, ele a conhecera havia muitos anos,
Pedro Weingärtner nada tem de um precursor de novas tendências, que não sentiu, ou sentiu de muito longe. É fato que às suas paisagens de Portugal chamava, como dissemos, de impressionistas, só porque eram mais soltas e cromaticamente vivas; mas as influências recebidas na mocidade, primeiro na Alemanha, depois em França, é que iriam marcá-lo para sempre, dando o tom geral de sua arte. Essa caracteriza-se pela precisão fotográfica do desenho e pela discreção do colorido - uma forma realista a envelopar um conteúdo que oscila entre a Antigüidade Clássica, o retrato romântico e a cena anedótica. Foi sem dúvida, como lhe chamou Gonzaga Duque, um "paciente e meticuloso mouchiste das figurinhas liliputianas e das paisagens microscópicas"; mas teve também emoção, tolhida embora por uma sensibilidade que, fugindo deliberadamente ao mundo e ao tempo em que vivia, achou refúgio no ambiente ideal de uma perdida Beleza.
Embaixatriz Maria Luisa Magalhães de Azevedo, óleo s/ madeira, 1899;
0,33 X 0,25, Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, RJ.
Paisagem, óleo s/ tela, 1900;
0,51 X 1,00, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Ceifa, óleo s/ tela, 1903;
0,50 X 1,00, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
A derrubada, óleo s/ tela, 1913;
1,17 X 1,48, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
Z
De
Recomendado por Paschoal Graciano passou a trabalhar com Rebolo, que então mantinha escritório de decoração no Edifício Scafuto, na Rua 3 de Dezembro. Era o ano de 1933, e de então até 1938 mais ou menos ambos se desincumbiriam de encomendas nos estilos Luís XV, Luís XVI, Damasceno, Liberty e mesmo Futurista, conforme o gosto do cliente. Das inúmeras decorações realizadas porém por Zanini, nenhuma, aparentemente, restou.
Em 1935 Zanini mudou-se para o Palacete Santa Helena, onde havia alguns meses Rebolo instalara seu escritório-ateliê. Em 1936 alugou uma sala própria, que logo dividirá com Manoel Martins e Graciano. Surge assim, pouco a pouco, o chamado Grupo do Santa Helena, núcleo da futura Família Artística Paulista. Zanini, como os demais integrantes. do grupo, sai quando pode da capital, para pintar ao ar livre em subúrbios, em pequenas cidades vizinhas ou no litoral.
Desde 1934 participava de coletivas, e em 1939, expondo no II Salão da Família Artística Paulista, merece boa referência crítica de Mário de Andrade, que diz:
- Este meu xará foi para mim uma revelação. É difícil diagnosticar se a diversidade de seu atual manejo do pincel indica riqueza ou indecisão, mas pressinto nele o estofo de um grande paisagista.
O ano de 1940 é de muita atividade e progresso: Zanini, expondo na Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas Artes, recebe a medalha de prata (ganharia o prêmio de viagem ao país em 1941, mas nunca obteria a viagem ao exterior); a convite de Rossi Osir, produz padrões de azulejos para a Osirarte; toma parte na terceira e última exposição da Família Artística Paulista, efetuada no Rio de Janeiro; interessa-se pela técnica da monotipia; e começa a pintar, em Itanhaém, importante série de marinhas. Por outro lado, nesse mesmo ano sofre, como vários de seus colegas, o profundo impacto da Exposição de Arte Francesa então enviada ao Brasil.
Zanini realizou pouquíssimas individuais, sendo que a primeira deu-se em 1944, na Livraria Brasiliense; a segunda ocorreu em 1962, na Casa do Artista Plástico de São Paulo e agrupava 81 pinturas; a terceira teve lugar
Mário Zanini também lecionou, a partir de 1968, na Faculdade de Belas Artes de São Paulo (dez anos antes ensinara gravura na Associação Paulista de Belas Artes e na Escola Carlos de Campos), e participou, como jurado, de várias comissões de organização ou de seleção e premiação de certames artísticos.
Em 1974 sua família doou ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo 108 obras suas de várias fases e técnicas e em fins de 1976 esse mesmo Museu consagrou-lhe importante retrospectiva, constante de 205 pinturas, desenhos, gravuras e cerâmicas, tendo o catálogo extensa introdução crítica a cargo de seu sobrinho Walter Zanini, na ocasião diretor da instituição.
Antes e acima de tudo paisagista - um pouco na trilha aberta pelos impressionistas franceses e pelos macchiajoli italianos -, Zanini interpretou, com simplicidade e emoção, a natureza das imediações de São Paulo; mas foi também marinhista notável, e cultivou ainda a figura e a natureza-morta, além de em dado momento de sua evolução artística aproximar-se da pura abstração, talvez sob a influência de Cézanne. O que principalmente o distingue dos demais integrantes do Grupo do Santa Helena e da Família Artística Paulista é o seu colorido, intenso, profundo, quase fauve: ao lado de Volpi, Zanini é, na verdade, um dos grandes coloristas da moderna pintura brasileira. Executou também cartões para azulejos, e teve no desenho e na gravura, naquele principalmente, meios expressivos de que fez uso com sensibilidade e inteligência. Produzindo bastante mas não expondo senão rarissimamente, era natural que não chegasse a obter, sobretudo fora de São Paulo, reconhecimento e sucesso: poucos são os colecionadores particulares que possuem obras suas, o mesmo acontecendo com museus e coleções públicas. Para concluir, essas palavras de Walter Zanini, no fecho de seu texto analítico sobre o pintor, por ocasião da retrospectiva de 1976 no MAC:
- A obra de Mário Zanini revela densa participação na história de nosso modernismo das décadas de 30 e 40 e a seguir envolve-se nas tensões que, no Brasil, como em outros países, assinala o conflito entre a abstração e a figuração. Cabem ainda estudos pormenorizados sobre o proletarismo de sua pintura, a que se manteve rigorosamente fiel. Inserem-se em seu trabalho alternativas complexas, entre a efusão cromática e a depuração da forma, a espontaneidade afetiva e o controle racional.
Lutadores, óleo s/ tela, 1943;
0,50 X 0,70, Museu de Arte Contemporânea da USP.
0,50 X 0,70, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Composição com figuras, óleo s/ tela, 1958;
0,65 X 0,85.
0,65 X 0,85.
Vista de São Paulo, óleo s/ tela, 1950;
0,46 X 0,37, Museus Castro Maya, RJ.
0,46 X 0,37, Museus Castro Maya, RJ.
A 19 de julho de 1868 estava em Roma, matriculando-se logo depois na classe de Cesare Mariani na Academia de São Lucas; Mariani, antigo aluno de Minardi, gozava de boa reputação como pintor de história e como decorador de igrejas, e foi quem certamente incutiu em Zeferino o amor ao assunto sacro e às grandes decorações religiosas em que mais tarde se notabilizaria.
Durante seu curso em Roma, Zeferino ganhou dois primeiros prêmios em pintura histórica e de nu, o que lhe acarretou uma recompensa de 2 mil francos e, ao cabo dos cinco anos regulares de pensão, mais três de prorrogação, dois para aperfeiçoamento e o último para percorrer os museus europeus. Foi durante essa longa permanência na Itália que o artista brasileiro produziu algumas de suas obras mais importantes, como A Caridade, O Óbulo da Viúva e A Pompeana.
Retornando em 1877 ao Brasil, Zeferino foi imediatamente nomeado professor da Academia. Seria professor praticamente até o fim da vida, mostrando-se de dedicação insuperável e contribuindo para o aprimoramento de inúmeros artistas, entre os quais Batista da Costa, Oscar Pereira da Silva, Henrique Bernardelli, Castagneto, Belmiro de Almeida, Firmino Monteiro e Rodolfo Chambelland. Foi professor de Pintura Histórica em 1877 (substituindo Vitor Meireles), regente da cadeira de Paisagem em 1878, após a morte de Agostinho José da Mota, vice-diretor e professor de Modelo Vivo da já então Escola Nacional de Belas Artes, em 1890. Segundo Alfredo Galvão, "esforçou-se, antes de Jorge Grimm e Antônio Parreiras, para que os alunos de Paisagem fizessem os estudos ao ar livre".
Em 1879 Zeferino da Costa enviou 17 pinturas à Exposição de Belas Artes organizada pela Academia, inclusive as que realizara na Itália e lhe tinham grangeado fama. Gonzaga Duque, elogiando embora A Caridade e o Óbulo da Viúva, desancou sem piedade A Pompeana:
- O maior defeito que tem esta falsa pompeana Fritz & Mack é o de ocultar nos recessos do corpo a reuma peçonhenta que aduba as flores do deboche. Este corpo é pérfido como a deslumbrante aparência da urtiga das montanhas a que a população montezinha chama arrebenta-cavalos. A incauta mocidade não tem a observação bastante fiel para reparar nos postiços que entraram na conformação daquele corpo de coldcream; aquilo assim arranjado como está não prova cuidados ortopédicos, foi conseguido há alguns anos a esta parte para o gosto exclusivo dos colegiais que martirizam os respectivos buços, vaidosos de parecerem homens e dos velhos estafados em uso de coleópteros afrodisíacos.
E conclui, indignado:
- É incompreensível este inglório trabalho, este de retratar cocottes esbodegadas, em um moço de grande talento e de grandes aptidões de artista. Qual a causa de aparecer pompeana esta ruim, esta ignóbil figura, lavada em óleo, emplastada de gorduras aromáticas, besuntada de veloutine para disfarçar a alambazada estrutura de suas formas? Pompeana por quê?
Fosse pela severa critica de Gonzaga Duque ou por outro qualquer motivo, Zeferino, após 1879, nunca mais participou de exposições públicas, preferindo conservar-se em seu natural retraimento até o fim da vida.
A grande oportunidade que se lhe apresentou como artista deu-se porém pouco depois, quando, concluída afinal a construção da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, com a adição da nova cúpula desenhada por Daniel Pedro Ferro Cardoso, pensou-se em decorá-la com pinturas que evocassem o milagre ocorrido, séculos antes, a Antônio Martins de Palma e Leonor Gonçalves. De início a idéia era confiar a decoração a pintores italianos; só por sugestão de Pedro 11 foi a tarefa entregue a Zeferino da Costa:
- Os senhores devem mandar decorar a igreja por Zeferino da Costa, artista que acaba de voltar da Itália, onde se especializou em pintura sacra.
Em seis imensos painéis fixou Zeferino a história do milagre: A Partida de Palma, A Tempestade, A Chegada ao Rio de Janeiro, A Inauguração da Capela, O Lançamento da Pedra Fundamental da Igreja e A Sagração Solene, estendendo-se o trabalho (no qual teve a colaboração de diversos alunos, como Castagneto e Oscar Pereira da Silva) de
- A composição em seu conjunto não tem rival no Rio de Janeiro quanto à magnitude dos assuntos tratados com uma técnica admirável, quanto às reconstituições arqueológicas constantes dos painéis das naves, quanto às dificuldades de perspectiva vencidas nas concavidades ou curvaturas dos tetos, naturalmente por estudos prévios em cartões, onde Zeferino da Costa seguiu à risca as lições dos mestres da pintura histórica.
Muitos anos mais tarde, em 1913, sendo necessária a restauração dos painéis, o artista foi novamente incumbido da difícil missão, auxiliado, então, por Sebastião Vieira Fernandes e Evêncio Nunes. Esse último, em depoimento de 1943, referindo-se a Sebastião que acabara de falecer, esclarece:
- Ele e eu fizemos o fim do trabalho, pelo fato do ilustre mestre não poder mais pintar, por estar com as mãos deformadas pelo reumatismo brutal que tanto mal lhe fez. Esses quadros são os seis que ornam o primeiro corpo à entrada do templo. São esses seis quadros exclusivos de Sebastião e meus, pois, nessa ocasião, o mestre estava passando mal. Essa verdade não tira o valor de Zeferino. Nunca! São fatos de nossa vida.
Do ponto de vista artístico, e vista como um todo, a pintura de Zeferino da Costa parece-nos fria e sem vibração. Como tantos pintores da época, Zeferino concedeu toda a prioridade à forma, ao desenho, negligenciando a cor e a textura. O resultado é uma obra tecnicamente correta, na boa tradição européia, mas a que falta emoção. Nas grandes decorações da Candelária portou-se com a costumeira perícia, resolvendo grandes espaços com auxílio de um desenho sólido e de discreta palheta; mas não foi propriamente dotado de sentimento para a pintura religiosa. Mais válidas são as obras da mocidade – não tanto A Pompeana, de 1876, e que se nos apresenta prosaica, beirando o kitsch e o mau gosto, porém O Óbulo da Viúva e sobretudo A Caridade, que se nos impõem pela composição cuidadosa, pelos efeitos de claro-escuro, pelo modelado das figuras e pela correção anatômica.
Aluno de Vítor Meireles, Zeferino herdaria algo do estilo do seu mestre, e até do seu temperamento: sua emoção é dosada e sem transbordamentos, e tudo em sua produção tende a sobriedade. Mesmo usando da cor com parcimônia, sabia utilizá-la, conhecendo como poucos a ciência dos valores, aqui fazendo vibrar um acorde mais sonoro, ali realçando um pormenor que de outro modo quedaria desapercebido. Nos estudos de traje e nas cabeças, de que existem vários exemplos no Museu Nacional de Belas Artes, seu parentesco com o autor de Moema torna-se mais evidente: Vitor Mireles e Zeferino da Costa pertencem a mesma família.
No título do pequeno livro que escreveu, e que seria publicado dois anos após sua morte: Mecanismos e proporções da figura humana, resume-se aparentemente o seu credo artístico: ninguém, mais do que Zeferino, estudou tão fundamente a figura humana, a ponto de transformá-la em referência única de toda a sua produção.
Ao lado do já citado Vítor Meireles e mais de Pedro Américo, Zeferino da Costa completa uma tríade formidável de pintores brasileiros do Segundo Império: sobrevivendo a ambos, já entrado o Séc. XX, Zeferino da Costa foi o ilustre remanescente de um tipo de sensibilidade que se baseava na estrita obediência aos postulados acadêmicos, ao assunto nobre e ao predomínio absoluto da forma.